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12 de abril de 2024

Fonte


Lá para os lados do monte,

Que cansaço e suor espera,

Há uma singela fresca fonte

Que mata a sede, retempera.


Tem sobre ela um carvalho

Que do quente sol perserva;

De manhã há neblina, orvalho

E brilha dele a fresca erva.


Bebe dela o homem, a mulher,

E do mato toda a bicharada;

Mata a sede a quem a tiver,

Renova o alento à caminhada.


Bendita fonte, toda singela,

No monte de duras fráguas;

Toda generosa a quem dela,

Se abeira às frescas águas.

11 de abril de 2024

Perdão


Oro e laboro,

Como pecador confesso,

De humana fraqueza moldado;

Rio e choro,

Mas, contrito, a Deus peço

Perdão, por todo meu pecado.


Tem que haver dimensão

Para tudo quanto fazemos

Na labuta do nosso viver,

Seja destino ou mero fado;

Ora se Deus é todo perdão

E se assim o concebemos,

A vida oração tem que ser,

Em perdoar e ser perdoado.

10 de abril de 2024

Por quem o sino chora?



Por quem o sino chora

Naquela torre esguia,

De pedra áspera, fria,

Num lamento sentido?

Morreu, foi-se embora,

Alguém que além vivia,

Deixando a melancolia

Em seu lugar perdido.


Não sofre! Em paz agora

Estará, no céu, sim, creio,

Num doce, materno seio,

Como paga, recompensa;

Quem fica, perde, chora,

Vazio, mas de dor cheio,

Num sofrimento alheio

Do fim de vida intensa.

9 de abril de 2024

Deslumbramento


Cai a tarde, o sol declina

Num adeus breve, perene,

Na promessa de voltar já;

Então sonho, vejo-te menina,

De branco, em pose solene,

Esperando-me em cada manhã.

Nesta renovação repetida

Sobra um sentimento fundo

Do que somos por fundamento;

Em cada ciclo renasce vida,

Infinitas voltas do mundo

Em constante deslumbramento.


28 de março de 2024

Eu, pecador, me confesso


Confessou-se Torga, o poeta,

Como pecador que era

No bom e no mau da vida,

Ambos ao leme da sua nau,

Mareando em deriva.


Também eu, pobre pecador,

Aflito, me confesso contrito,

Do pecado herdado

E construído

Mas nunca consentido.


Mas se para o perdão pleno

Necessário é o arrependimento,

No meu entender pequeno,

De tão pouco provento

Estou condenado,

Porque não me arrependo,

Do que possa ter pecado

Por conta do meu viver,

De animal, institivo, 

Gravado à força de cinzel,

Qual cobre derretido,

Moldado em forma de sino

Que na torre a mesma nota replica,

Numa vida presa, que implica

Aceitar a cantiga do destino.

26 de março de 2024

Poetas do campo


As gentes do campo, simples,

Não saberão o que é poesia,

E dos poetas desconfiarão

Como de pessoas estranhas,

Sem saberem o que vendem,

A soltar, presumidos,

Palavras, que não entendem,

Vazias de  sentidos.


E, todavia, nessa gente do campo,

Tudo é poesia e funda a prosa

No que fazem, dizem e cantam,

No colher e cheirar uma rosa,

Nas preces que ao céu levantam.

Nos olhares mais absortos,

De paz ou intempestivos.

Não há tempos mortos

Mas de poesia, bem vivos.


O pão semeado,

A espiga colhida,

A terra ressequida

A ser regada.

Até o pasto colhido

Em Domingo, como pecado,

Tem poesia e sentido

Porque a matar a fome ao gado.

25 de março de 2024

Ansiedade

Não sei que calor arde no peito

Que me consome sem extinguir,

Deixando nele a cinza fria

Como restos de uma fogueira


Vivo assim em dor, insatisfeito,

Sem que perceba este existir;

Serei apenas melancolia

Ou tronco seco na lareira?

20 de março de 2024

Desfecho

 


Chegará o tempo dos ais, lamentos,

Dores, angústias contadas a fio,

O resumo de todos os sofrimentos,

De lágrimas que somadas dão rio.


Que mais esperar desta serena

Prostração desolada numa cama,

Em que mais que lamento ou pena

Esvai-se a vida de quem se ama?


Mas cada um seguirá, só, pelo seu pé

Até ao limiar da porta de saída,

Numa aceitação natural mas de fé,

A representar o acto final da vida.

12 de março de 2024

O amor! O que é o amor?


O amor! O que é o amor?
Já o cantaram e choraram poetas,
Despiram-lhe a alma,
Vestiram-no de dramas,
Pintaram-no de risos,
Afogaram-no em lágrimas.

Declamaram que era fogo a arder sem se ver,
Ferida não sentida a doer,
E tudo e em tudo o mais,
No que se possa dizer e escrever.
Será tudo isso, o amor,
Mas mais do que isso o que for
Aquém e além dele.

Porventura, até será tudo ou nada,
Relação de ódio ou apaixonada,
Enlaces e desenlaces
Carnais, entre humanos e bestas,
Num palco universal, teatral,
Numa realidade fingida
Ou num fingimento real.

O amor pode, pois, ser tudo,
Do mais profundo sentimento
À mais serena aragem;
A carícia do vento na seara,
A fonte a matar a sede,
O grilo a cantar no prado,
Um afago macio, um encosto,
A doçura macia do mel,
Na carne o sabor do sal
Uma lágrima a rolar no rosto,
Uma mão delicada na pele
De homem, mulher ou animal.

11 de março de 2024

Na brisa dos dias

Sente-se no ar a serenidade

Dos dias tristonhos,

Dos lamentos contidos,

Das angústias esmagadas,

Dos gritos sufocados.


Mas espreita a oportunidade,

De realizar os sonhos,

Com mil abraços sentidos

E nas costas palmadas,

No triunfo dos vingados.

29 de fevereiro de 2024

Iluminado


És vela acesa na escuridão,

A rasgar o mais denso breu

Como na falésia o farol;

O dia tem luz do teu clarão

A iluminar todo o meu céu

Como se dele foras o sol.

Desejado fruto



Olha, vê amor,

Os pessegueiros já a florir

Num dia assim, ameno, enxuto;

Com tempo e calor

Em cada flor há-de ressurgir

O esperado, desejado fruto.


Vê que singeleza,

O rosado das flores,

Em sabores prometidos;

Há nelas a certeza

Da leveza das cores,

Do peso dos sentidos.

Poema à Ti Elisa


Partiu a Ti Elisa, num dia assim,

De Fevereiro com cheiro a quaresma,

Promessa de uma Páscoa de aleluias.

Sabemos, todos sabemos, que há fim,

Porque a morte ao homem é a mesma

Soma final, total, da conta dos dias.


Foi irmã, criada, afilhada fiel,

Presença certa em quem confiar,

Companheira no espírito de missão.

No resumo final cumpriu o  papel,

De mão a decidir, luz a iluminar,

Fazer da sua via a do seu irmão.


Na vida temos isto como certeza

Ainda que a deixar máguas, penas:

Uma alma pode ser toda grandeza

Mesmo que por coisas tão pequenas.



27 de fevereiro de 2024

Poema à minha mãe

Eu queria fazer um poema 

À minha mãe, à sua vida,

Da infância que não teve,

Do fulgor da juventude

À fraqueza na velhice.


Uma vida lógica, teorema

A provar a verdade vivida,

Sem temer porque não deve

Nada à riqueza ou saúde,

Nem mal que Deus visse.


Foi somente mulher de luta

Mãe de filhos que tantos são

Na diária freima da labuta

De lhes dar de si  amor e pão.


No fim de tudo, tudo é vitória,

Numa vida vivida com sentido,

Na prostração, oração e glória,

De todo o modo, dever cumprido.

15 de fevereiro de 2024

Querer e poder


Dizem que basta querer para poder,

Mas que fazer quando se quer e não pode?

E ao homem, fazer o que não quer

Mesmo querendo não fazer, quem lhe acode?

Querer e poder, o antagonismo

Entre a vontade e possibilidade

De um resultado por si funesto;

O poder querer que o dualismo

Seja uno, anátena da divisibilidade,

Número perfeito, conta sem resto.


O poema aborda um dilema interessante sobre a relação entre querer e poder, explorando a tensão entre a vontade e a capacidade de realizar algo ou quando a razão prevalece sobre a vontade ou o contrário. 

Também questiona a noção de que basta querer para poder realizar. Ele sugere que há situações em que se quer algo, mas não se tem a capacidade ou condição da sua realização, criando um conflito interno entre o desejo e a possibilidade.

O poema ressalta a dualidade entre querer e poder, destacando-os como forças opostas que muitas vezes entram em conflito. A vontade humana (querer) pode se chocar com as limitações da realidade (poder), criando um antagonismo que gera frustração e incerteza.

A expressão "resultado por si funesto" sugere que essa luta entre querer e poder pode levar a consequências inconsequentes ou mesmo negativas. Quando a vontade não é acompanhada pela capacidade de realização, pode-se entrar em um estado de impotência ou desespero.

O poema alude à ideia de que o ideal seria a unificação do dualismo entre querer e poder. Ele propõe a ideia de um "número perfeito" ou "conta sem resto", onde a vontade e a capacidade se tornam uma só entidade. Isso sugere uma busca pela harmonia e equilíbrio entre o desejo e a capacidade de realização.

Em suma, o poema oferece uma reflexão profunda sobre as complexidades da vontade humana e sua relação com a realidade circundante. Ele nos lembra que nem sempre podemos realizar o que queremos e que essa luta interna entre querer e poder é uma parte intrínseca da experiência humana, nas suas forças e fragilidade.

14 de fevereiro de 2024

Eternamente namorados


Num destino que Deus tece,

A idade, a vida, amadurece,

Mas antes da fruta, a flor,

Com ou sem perfume ou cor.

Desejo de abundância, prece, 

Generosa a colheita acontece

Na prosperidade de cada dia,

Amor, na tristeza ou n´alegria.

Partida


No vagar dos dias adventos,

Num tempo límpido, primeiro,

Era a promessa da existência

De quanto aos olhos subsiste;

Mas esvaíram-se em momentos,

Dias e anos, o tempo inteiro,

Uma vida, toda a essência,

Resumida a um só dia triste 

9 de fevereiro de 2024

Vazio


Na minha aldeia havia uma escola

Que se enchia de crianças

Aprendendo a escrever, 

A ler,  a juntar letras

Numa descoberta de saber,

A contar, a fazer contas,

A somar esperanças,

A subtrair a ignorância,

A dividir amanhãs com mais sol.

A imaginar histórias, 

Contadas e pintadas.

Diziam a uma voz as tabuadas

Como na igreja a rezar avé-marias.

O recreio era todo folguedos,

Corridas, trotes e galopes,

Jogos, brincadeiras,

Um palco de heróis fingidos,

Nas aventuras duras e reais.

Eram assim os dias, 

A encher as cabeças de ensinamentos

Como de água os cantis, os caminhantes

Antes de atravessar desertos.


Mas os tempos trouxeram a mudança

Como o vento de sul a anunciar chuva.

Foram saindo e crescendo,

Fazendo-se homens e mulheres,

Pedras duras do edifício da vida.

Mas num renovar minguado,

Na velha escola as algazarras

Foram perdendo fulgor e voz

E os companheiros mais solitários.


Um dia, por fim, o fim.

Alguém anunciou

Que não já não havia crianças.

A escola fechou, emudeceu.

Os ecos das leituras,

O cheiro dos lápis de cor,

Deixaram-se de se ouvir

E perderam o aroma.


Na minha aldeia

A escola já não é ela

Mas ainda lá está, triste,

Arrumada noutros ofícios,

Mas ainda a guardar memórias e ecos.

Na minha aldeia os caminhos

Já não fervilham de labuta

Pelo pão de cada dia.

Os campos já não dão pão,

E as águas são lágrimas perdidas.

Muitos partiram ou morreram,

Todos envelheceram.


É agora, a aldeia, um  triste casario, 

Quase sem gente dentro,

Sem vizinhos, 

Bons dias ou boas noites,

Como um crepúsculo permanente 

Onde a noite espera para a amortalhar

E a foice o resto ceifar

Deixando um restolho de nada,

O vazio.

Companheira

 

Já vai longa a jornada.

A tua pele da frescura juvenil

Foi arada em sulcos pelo tempo

E na negrura dos cabelos já neva 

Num anúncio de Inverno.

Também me verás assim,

Já sem o viço da mocidade,

Os olhos mais turvos

E o cantar do pisco mais difuso.

Mas é bom que assim seja,

Porque não há começo sem fim,

Primavera sem Inverno,

Ou vindima sem mosto.


Mas há ainda caminho a fazer,

Com curvas a esconder,

Como cortina do palco da vida,

O que falta percorrer,

Um dueto a representar,

Até que o pano caia.


Vais, pois, seguindo,

Num corpo já dolente,

Com o passo já cansado,

Mas contigo vou indo,

Nem atrás, nem à frente,

Tão somente, a teu lado.

8 de fevereiro de 2024

Com calma


Ainda agora passou por aqui,

O atleta,

Fado a correr,

Num cansaço,

Com os pés no caminho,

Olhos nas horas,

Ns minutos e segundos

Na ânsia de chegar à certa.


Mas foi-se sem ver o que eu vi,

Pela certa;

A ave a tecer,

Passo a passo,

A renda de um ninho;

A cor das amoras,

O verde dos vales fundos

Onde a vida toda desperta.


Onde nos leva a correria,

Neste ritmo, cego, cansado,

Rápido, a direito como seta?

A calma nos minutos do dia

Dá sabor a cada passo dado,

Com alma a alcançar a meta.