1 de outubro de 2025

Na paz do quintal

Aviso: O texto que se segue está num registo humorístico e é mera ficção. Qualquer semelhança com qualquer realidade é mera coincidência. A aldeia pode ser qualquer uma e o aldeão, idem.

Pretende o texto suscitar apenas uma reflexão sobre as nossas decisões, enquanto cidadãos, tantas vezes surpreendentes quanto contraditórias mas, no fim de tudo, prevalece a vontade legítima de qualquer um. O resto, a apreciação e os julgamentos, tanto mais no contexto de eleições, são os eleitores quem decidem e tantas vezes o que para uns são contradições ou incoerências, para outros são virtudes e até vantagens ou, pelo menos, nada que lhes mereça desconsideração. 

Não tem, pois, qualquer recado seja para quem for embora nestas coisas haja tendência de enfiar chapéus alheios só porque lhes cabem na cabeça.


É sempre de espantar, ou talvez não, que alguém que fez parte de uma associação cultural e recreativa na sua aldeia, e que raramente aparecia para trabalhar aquando da realização de eventos ou outras actividades da mesma, fosse para servir cerveja, assar sardinhas ou arrumar mesas e cadeiras, nem sequer aparecendo às trimestrais reuniões ou sessões da Assembleia, escusando-se e desculpando-se em compromissos pessoais, e que, não obstante, depois, dessa indiferença pela causa, apareça agora a fazer parte de uma lista eleitoral local, em lugar elegível para integrar a Junta de Freguesia da Aldeia. Espantam-se com isso alguns conterrâneos.

Claro está que o eleitorado dessa aldeia, toda cheia de gente boa, é quem decidirá, mesmo que nem sempre de forma esclarecida, ou porque entorpecida pela lealdade partidária ou por velhas azias, mas custa, a alguns vizinhos, perceber como é que depois, se vencer a eleição, o que é perfeitamente possível, esse aldeão vá assumir responsabilidades com dedicação face às exigências que serão constantes, mesmo, diárias. Pode acontecer essa mudança de dedicação? Pode! Concerteza que sim, acreditam alguns aldeões, mais dados a histórias da carochinha, mas custa a acreditar a outros tantos, mais desconfiados ou já avisados deste tipo de filmes, porque já vistos.

Se perguntam os leitores dessa aldeia quem é o aldeão em causa e em que aldeia isso ocorre, quem não souber também não merece saber, porque só não vê quem não quer ver, ou anda a leste das coisas que acontecem na sua terra.

Apesar disso, pela pessoa em causa, alguns aldeões, os que o conhecem, porque a maioria não,  têm o maior respeito, a melhor consideração e pintam-no como bom hortelão, mesmo que pouco seja visto, porque muito caseiro. O que os surpreende mesmo, com a novidade da candidatura, é a aparente mudança em ter de deixar a sua querida horta e aquele ambiente de sossego e descompromisso diário, para se arriscar a ocupar das necessidades e inquietações públicas e particulares.

A aldeia, surpreendida por essa inusitada determinação, aguardará para ver, se, caso eleito, o que pode bem acontecer, o seu aldeão assumirá as responsabilidades e as canseiras do cargo, ou se, ao contrário, logo no primeiro dia, dará o lugar a quem se segue na lista, no que desconfiam alguns que até será o mais certo, voltando então, de mansinho, para a paz do seu quintal, continuando a entreter-se a cultivar couves, alfaces, tomates e batatas.

Numa pequena aldeia, a vontade e o gosto em andar de volta das alfaces e dos tomates ainda tem mais peso que fazer parte do zeloso grupo de aldeões da Junta, duarante quatro anos a aturar todo o povo, a pagar por ter e não ter cão. Melhor, concluiu-se, é ocupar os dias na horta, porque, assim como assim, ali os tomates não se queixam nem batem à porta ao Domingo, a interromper o almoço ou jantar, nem as alfaces reclamam pela falta de responsabilidade, ausências ao serviço e falta de limpeza nas ruas ou jardins.

Mas, em boa verdade, comentam alguns aldeões, o aldeão candidato nem se queria meter nestas aventuras, porque é acima de tudo, boa pessoa, um amante da paz e tranquilidade. Mas foram incomodá-lo e, por sentido de dever ou outro motivo não descortinado, lá acedeu. Agora é andar p´rá frente!

Há coisas que de facto, de tão intrigantes, não são para comprender, porque envolvem uma certa ciência, como a das batatas e dos tomates. De resto,  os cientistas até dizem que aquelas evoluiram a partir destes. (1)


(1) Um estudo internacional, divulgado na revista Cell, revelou que a batata atual surgiu a partir de um cruzamento natural entre plantas aparentadas à batateira e espécies ancestrais do tomate, ocorrido há cerca de 9 milhões de anos. A descoberta ajuda a resolver uma questão científica que intrigava investigadores há décadas.

Durante muito tempo, a comunidade científica procurou compreender a origem evolutiva da batata. Agora, uma equipa de especialistas de vários países trouxe uma explicação inesperada: a batata resulta da fusão genética de espécies sul-americanas semelhantes à batateira com plantas precursoras do tomate.

A investigação baseou-se na análise genética de 450 variedades cultivadas e de 56 espécies selvagens. Os resultados apontam para uma herança equilibrada e estável de material genético proveniente tanto das espécies Etuberosum — originárias do Chile e semelhantes à batateira, mas incapazes de formar tubérculos — como do tomate, confirmando a sua dupla ancestralidade.