8 de agosto de 2022

Momentos... O Pe. Santiago



A procissão solene, a seguir à celebração da Eucaristia, é e deve ser um dos momentos mais significativos de uma festa de carácter religioso. Iremos muito mal quando a cereja no topo do bolo for um qualquer cantor pimba ou uma espampanante banda de topo. Mas há quem veja a coisa apenas e só por aí. Adiante.

Durante o percurso da procissão solene de ontem ao final da tarde, incorporado no magote de gente que seguia a Banda, a toque de caixa e de marchas próprias, não deixei de reparar que o Pe. António Santiago também assistiu à sua passagem, junto à sacada de sua casa. 

De idade avançada e debilitado, não deixou passar esse vislumbre de solenidade de que tantas vezes fez parte nas paróquias por onde missionou . 

Por comparação, não impedi que me viesse à memória uma fotografia de outros tempos, mesmo que a preto-e-branco, quando pelo 15 de Agosto de 1961, por isso  há mais de 60 anos, então jovem e viçoso, saiu dali, daquela mesma casa, também numa espécie de procissão solene, com a estrada juncada de verdura, flores e alegria humana, a caminho da Igreja onde celebraria a sua Missa Nova.

Há momentos assim, significativos, como tecidos e laboriosamente entrelaçados pelas agulhas prateadas do tempo, que teimam ajustar-se ao nosso corpo como um traje cerimonial. 

Que Deus lhe conceda um fim de vida de paz interior, porque foi longa e bonita a sua missão. 

Bem haja!

7 de agosto de 2022

Gente Nossa - O Sr. António Henriques (do Pêga)



Neste dia maior da Festa do Viso, porque aquele em que se vivem os momentos mais significativos quanto à sua essência, não quero deixar de evocar e destacar a memória de uma figura a quem estas coisas, principalmente a festa na sua vertente religiosa e tradicional, diziam muito. Falo do Sr. António da Conceição Gomes Henriques (1945/2017), antigo membro da Comissão da Fábrica da Igreja e que durante muitos anos era incansável na organização da logística da festa.
Tinha os defeitos que tinha, e quem os não tem?, mas era devoto e profundamente bairrista nas coisas e causas da sua freguesia e sobretudo da paróquia.

Recordo-o precisamente num dia como este, Domingo da Festa do Viso, já notoriamente debilitado pela doença que o resgatou rapidamente, logo de manhãzinha, sentado num dos bancos da capela, em que à falta de forças ainda dava instruções ao pessoal como colocar e preparar as alfaias e bandeiras para a procissão.

Fosse vivo e tenho a certeza que não teria permitido que, num dia de festa a Nossa Senhora da Boa Fortuna e Santo António, a sua e nossa capela estivesse no estado em que está, deploravelmente a precisar de obras de conservação, com o reboco e pintura interiores a descascar. Pessoalmente sinto-me triste, e até envergonhado, por uma situação destas, mas que fazer? Os responsáveis, afinal de contas, somos todos nós, enquanto comunidade, que permitimos, por inacção ou omissão, estas coisas, não zelando, preservando nem dignificando aquilo que nos faz ter sentimentos e raízes de pertença. Quando estas coisas falham, por um pouco de argamassa e um balde de cal, algo está a precisar de reflexão.

Mas hoje é dia de festa e pouco importa realçar as coisas menos positivas, mas antes tê-las em conta para que se corrijam.

Lembro, pois, aqui e hoje a figura do Sr. António Henriques como alguém que poderia ter feito a diferença. Mas já cá não está em presença, mas certamente continuará a estar em memória.

Paz à sua alma e que Nossa Senhora da Boa Fortuna e Santo António zelem e intercedam por isso!

6 de agosto de 2022

Gente Nossa - O Sr. Inácio das Tintas

Pelo início dos anos 1990, tivemos no jornal "O Mês de Guisande" uma interessante rubrica designada de "Gente Nossa". Grosso modo, através dela pretendia-se transmitir testemunhos na primeira pessoa de gente da nossa terra com carácter e personalidade, a começar pelos mais velhos. Não foram muitas as edições, não porque não faltasse matéria prima, mas porque no entretanto o jornal acabou por suspender a sua publicação. 

Mesmo assim recordo-me de conversas com o Sr. Joaquim Dias (Ti Jaquim do Pisco), o Sr. Belmiro Henriques, a Ti Ana, mãe do Sr. Manuel Alves, e outras figuras mais. Tinham por esse tempo idade avançada pelo que, naturalmente decorridos pelo menos 30 anos, já partiram e deles subsistem as saudades e memórias.

E tanta mais boa gente que já partiu e que certamente poderiam ter transmitido na primeira pessoa muitos e interessantes testemunhos de vida. Mas as coisas são como são e por mais que queiramos não podemos reter numa mão fechada ou mesmo nas duas, o mar ou a água de uma fonte.

Neste contexto, apesar disso, podemos e devemos sempre que possível falar das boas pessoas, tanto das que já partiram, como mesmo das que felizmente ainda temos o privilégio de as ter e ver por cá e as considerar gente nossa. Certamente que todos com muitos defeitos mas igualmente com outras tantas virtudes e que no caso importa que sejam enaltecidas.

Assim, permitam-me vocês e sobretudo ele, que fale aqui um pouco da figura guisandense que é o Sr. Inácio Silva, para outros o Resende e para muitos o Inácio das Tintas.

Ontem, já quase no final da sexta-feira da Festa do Viso, cruzei-me com ele, já a sair e disse-me que completava 79 anos de idade. 

Apesar de eu já estar com uns bons canecos, porque nestes dias toda a malta quer pagar rodadas a rodos, creio que ainda consegui reter a idade que me disse ter. 79. Mas em rigor, mais ano, menos ano, pouco interessa. Fez anos e tem os que tem. E como não lhe apareci, ficou de liquidar as contas na roda para hoje. De resto, quanto aos anos, como alguém diz, os que já passaram já não os tem. Tem os que faltam vir e viver e que naturalmente desejamos que sejam ainda muitos e bons.

O Sr. Inácio é boa praça, com um estilo e personalidade muito peculiares mas que destaco sobretudo a sua sempre boa disposição e optimismo que transmite. Incapaz de guardar rancor ou ressentimento, está sempre receptivo à camaradagem. Quanto está já um bocadito "passado", e é preciso muito para molhar a vela, é capaz de nos repetir vezes sem conta as mesmas e boas histórias pessoais, mesmo as que passou em França, onde fez vida e cimentou a família, mas é sempre um bom companheiro e não se nega a um bom convívio, seja com os seus na sua quinta de Vila Maior, onde se delicia com os frutos do seu trabalho, seja com os amigos na mesa de um café ou num evento na comunidade. Não faz cara feia nem torce o nariz, e marca presença sem salamaleques.

Conheço-o sobretudo desde meados da década de 1980 quando esteve quase a vencer as eleições autárquicas, pelo CDS, e que acabou por fazer parte da Junta de coligação com o PSD, ao lado de Manuel Alves e do meu sogro, Germano Gonçalves. Soube adaptar-se e no geral apesar das condicionantes, fez um trabalho meritório embora nestas coisas nem sempre quem trabalhe de forma dedicada receba os louros ou reconhecimentos. No geral, é precisamente o contrário. Mas respeitou e creio que foi respeitado. 

Quando casei, em 1988, participou no meu casamento, não convidado por mim, já que então não me era chegado, mas pelo meu sogro, porque se respeitavam enquanto amigos e colegas de Junta e por isso tenho disso uma boa e feliz memória.

Posto isto, O Sr. Inácio desculpar-me-á este atrevimento de falar dele publicamente, mas faço-o com à vontade porque tenho naturalmente por ele, estima, simpatia e consideração.

Seja pois um feliz aniversário e que venham mais e bons e sempre com a boa disposição, saúde e vontade de viver e conviver. Afinal a vida também se pinta com tintas de alegria, amizade e boa disposição.

Bem haja, Sr. Inácio

5 de agosto de 2022

Sexta-Feira, Festa do Viso

No rolar dos dias, este é mais um a anunciar o fim da semana de trabalho, para quem trabalha, ou o fim de semana e o encurtar de férias, para quem as goza. 

De especial, parece que é hoje que tem início a nossa Festa em Honra de Nossa Senhora da Boa Fortuna e de Santo António, popularmente dita de Festa do Viso. 

Tem, a Festa do Viso, e todas as outras que se realizam neste e nos próximos dois fins-de-semana, um azar do caraças, de coincidir com esse buraco negro,  a festa massiva chamada Viagem Medieval, que obviamente representa prejuízos, porque retira forasteiros. 

Mas, sem dramas. De resto, apoio da Câmara Municipal foi coisa que a Festa do Viso nunca teve, para além do empréstimo de umas cancelas e de uns contentores de lixo. O que não é de somenos importância.

Mesmo no ano em que me calhou organizar a Festa, em 2004, já lão vão "meia dúzia de anitos", mesmo apelando formalmente ao pedido de apoio pelo contexto e importância do lado cultural de ter duas bandas filarmónicas, o apoio recebido foi zero.

Estamos, pois, habituados, a que o "esbanjamento" de dinheiro em festas e eventos seja mais centralizado, ali pelas frescas margens do Cáster. Mas a maioria do povo vai lá beber uns canecos e comer umas sandes de pernil e, mesmo a pagar a drobrar, fica todo contente. Ainda bem! Nós por cá, ainda que resignados, também ficamos, mesmo que os canecos sejam, afinal, copos de plástico, que agora têm que ser recicláveis.

É tudo, pois, uma questão de reciclagem, não só dos copos mas dos tempos e das modas. Aos mais velhos, como eu, tem que se dar um desconto, talvez porque já vimos e vivemos coisas que os mais novos, naturalmente e pela ordem da vida, não viram nem viveram.

Sem contemplações.

Viva a Festa!

3 de agosto de 2022

Regedores e outras histórias

No desenvolvimento do livro que estou a preparar sobre aspectos da freguesia de Guisande, que, como já tenho divulgado, pretendo ter publicado lá para a Páscoa do próximo ano, um dos apontamentos que quero incluir é a lista dos regedores. 

Para além da lista dos nomes que for possível encontrar, procurarei fazer uma contextualização histórica sobre este importante cargo que durou basicamente desde as primeiras reformas administrativas do liberalismo, essencialmente depois de 1835 com a criação dos cargos de comissários de paróquia e depois em 1836 com a substituição destes pelos regedores, até à introdução da Constituição da República Portuguesa, depois da revolução do 25 de Abril de 1974, e pela Lei 79/77, de 25 de Outubro, com a atribuição das competências das autarquias locais, altura em que o cargo de regedor foi extinto.

De um modo resumido, os regedores eram os representantes do poder central junto das paróquias e depois freguesias, enquanto unidades de base da teia da administração territorial, e por isso junto das comunidades de paroquianos e fregueses.

Essencialmente competia aos regedores garantir o cumprimento e respeito pelas ordens, deliberações e posturas emanadas dos município, os regulamentos de polícia, levantar autos de transgressão, auxiliar as autoridades policiais e judiciais sempre que necessário fosse, agir de modo a garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, auxiliar as autoridades sanitárias, garantir o respeito pelos regulamentos funerários, mobilizar a população em caso de incêndio e cumprir outras ordens ou instruções emanadas do presidente da câmara municipal.

Apesar de todas essas responsabilidades, e que nos primórdios do cargo, antes de uma separação formal das paróquias e freguesias, se juntavam obrigações relacionadas à igreja, um pouco do que modernamente compete às Comissões Fabriqueiras, os regedores eram cargos não profissionais, acumulados às funções diárias ou profissionais, e por isso mal pagos, apenas usufruindo de algumas regalias e emolumentos ocasionais. No entanto, compreende-se que pela sua natureza e representação das autoridades administrativas, judiciais e de segurança, os regedores eram regra geral figuras de prestígio e respeitadas nas paróquias e depois nas freguesias. Tal importância e tal poder, em muitos casos e sobretudo nos primórdios, fizeram com que muitos regedores ultrapassassem as suas competências usando-as de forma discricionária e abusiva, sem qualquer controlo das entidades superiores. Por dá cá aquela palha, detiam e prendiam qualquer pessoa com que não simpatizassem. Em contrapartida, muitas vezes eram alvo de partidas e de outras artimanhas.

Neste estado de coisas são mais que muitos os episódios, mais ou menos caricatos, mais ou menos particulares que se contam à volta dos regedores. Mesmo em Guisande, os mais velhos, os que ainda se lembram dos regedores, recordam-se de algumas peripécias e episódios curiosos. Mas isso ficará para outra altura e para o livro

Por ora, a este propósito de situações engraçadas,  transcrevo uma crónica do escritor Alexandre Perafita:

Quem se lembra dos velhos “regedores”?

Muitos deles andaram na 1ª Grande Guerra, onde chegaram a cabos e a sargentos, e, regressados às suas aldeias, vinham com o prestígio reforçado. Logo, ninguém lhes negava a autoridade. Usavam, e sabiam usar, armas. Queixas de desacatos era com eles, resolviam-nas muitas vezes à lambada. Tinham poderes para prender e castigar os faltosos quando estes revelavam comportamentos cívicos impróprios. Era roubos de lenha, estupro de raparigas, grandes bebedeiras, cabras que comiam videiras alheias, disputas de regos de água, passagens em caminhos particulares. Podiam entrar na casa de qualquer pessoa. Em desacatos conjugais faziam de conselheiros matrimoniais. Zelavam pelos bens e tranquilidade das freguesias, atestavam bons comportamentos e sanidades mentais, não tinham ordenado, quando era preciso prender alguém eram responsáveis pelo preso, levavam-no a pé até à vila mais próxima, ou, sendo à noite, guardavam-no em suas casas, vigiando-o com a ajuda da mulher e filhos até o apresentarem à guarda republicana. Por vezes eram assessorados por “cabos de polícia” ou “cabos de regedor”. No tempo da 2ª guerra, o tempo da fome, em que a comida era racionada, a cada família era distribuído certo número de senhas, cabendo ao regedor essa distribuição.

Alguns havia que tinham um gosto especial pelo mando. Como um de que outrora se falava em Sabrosa. Contavam os antigos que havia numa aldeia um padre que tinha fama de mulherengo. Antes das moças casarem, costumava ter grandes conversas com elas, e às vezes excedia-se um bocado. Algumas não gostavam nada, está bem de ver, mas outras nem se importavam. Até porque o padre – costumava dizer-se – é uma amostra de Deus. O pior é que nessa mesma aldeia havia ainda um daqueles regedores que gostavam de mandar em tudo. Nos cabos de polícia, nos bêbados, mas sobretudo nos padres. E como ele conhecia bem este, mais as suas artimanhas, roía-se de inveja pelos sucessos que o padre tinha junto das mulheres. Dizia-se então que, quando era para atestar o documento de casamento das moças, o regedor escrevia assim: “Atesto por trás o que o senhor padre já atestou pela frente”

1 de agosto de 2022

À tripa farra, esfarrapadas


Uma das muitas virtudes em se percorrer trilhos, é que há sempre tempo e oportunidade para olhar, reter e captar pormenores. Afinal, desta forma, um minuto a mais nunca é um minuto perdido, mas ganho.

Ora das muitas coisas que vamos vendo, por este nosso interior próximo, e basta ter em conta o nosso próprio concelho, Castelo de Paiva, Arouca, Vale de Cambra, Sever do Vouga e S. Pedro do Sul, são mais que muitas as estufas abandonadas. Certamente que decorrentes de projectos iniciados com apoios a fundos perdidos e logo que estes terminaram, os projectos foram-se à vida e as instalações e equipamentos abandonados. Os exemplos são mais que muitos.

Ainda há dias, nas margens do Caima, em Vale de Cambra, uma instalação com viveiro de trutas, de grandes dimensões, desactivado e bandonado à lei da natureza, já com os espaços a serem dominados e absorvidos por plantas, silvados e mesmo árvores.

Este tipo de situações estão replicados por todo o país e quase todos têm em comum essa matriz de aproveitamento de fundos perdidos mas, no geral, logo depois, a desactivação, o desmazelo, o abandono.

Esta política de dar à mão-cheia, à tripa farra, foi dominante ao longo dos anos em que temos estado a mamar da teta da União Europeia e todos os seus programas no geral têm dado bom leite e boas mamadas a muitos empresários espertalhões que desapareceram com a mesma rapidez que apareceram.

Admito que por ora as coisas sejam mais controladas e escrutinadas, mas de facto, houve sempre muito esbanjamento, muito dinheiro investido que não deu nada, que pouca ou nenhuma riqueza gerou e se alguém mamou, foram obviamente aqueles que aproveitarem esse jorrar de dinheiro fácil e troco de pouco ou nada. No máximo, o serviço mínimo.

Face a este laxismo, a esta facilidade de lançar mão a dinheiros públicos, as coisas são como são e por isso, viveiros e sobretudo estufas, são mais que muitas por aí abandonadas. Têm um único aspecto positivo. O de servir como exemplo de más polítcas e de maus empresários. Enfim, o exemplo do que não deve ser feito sem rigor e sem compromisso e responsabilidade.

29 de julho de 2022

Acudam, que é lobo!

Tantas vezes somos confrontados por aqui com alertas dramáticos de crianças ou jovens desaparecidos.

E muitos, solidários, envolvem-se nas partilhas desses alertas. Ainda bem! Para estas coisas as redes sociais são boas.

Felizmente, na maior parte das situações, como o agora recente caso do adolescente de Arouca, os desaparecidos acabam por aparecer, na maior parte das vezes regressando a casa depois de umas saídas com amigos ou amigas, debaixo da irresponsabilidade de uma aventura sem avisar os pais.

Nestas coisas vemos muito da fábula do Pedro e o lobo em que às tantas, por tantos falsos ou injustificados alarmes, acabamos por não ligar patavina aos alertas.

Neste caso de Arouca, ainda bem que acabou bem, mas importaria a quem se dedicou à partilha, fosse informado do que realmente aconteceu. Foi caso de polícia, de saúde, acidente, tentativa de rapto, desorientação, ou mesmo mais um caso de aventura irresponsável por conta própria?

Mas, realmente o que importa, para lá das reflexões que possa suscitar, ainda bem que acabou bem.