Santa Maria de Lamas. No Domingo assisti à saída da procissão que por lá, tem horas certas de sair e, não sei por que motivos, deambula pelas ruas durante horas. Um exagero. Nem sempre mais é melhor, mas tradições são tradições, não se beliscam porque mexem com bairrismos.
O tapete na estrada já não é só de flores. É mais fácil moldar sal colorido do que dispor, uma a uma, pétalas, a esvoaçar aos caprichos do vento.
A multidão aconchegava-se nas bermas, e mesmo sem exagerado calor procuram-se as sombras . Nas mãos os telemóveis são mais que muitos, a fotografar para uma memória que não terá futuro porque raramente se guardam. Come-se sem ter fome.
Ao meu lado um casal típico, terra-a-terra. Ela redondinha, baixa, serena, sorridente obediente ao “chefe”. Ele, com falta de dentes, nariz adunco, de boné a tapar a careca e vestido a rigor para a procissão, com a camisola do clube da terra, e nas costas, sobre um qualquer número, o nome estampado de Jorge Jesus. Fico sem saber se o nome dele, se de algum jogador da terra, se o do treinador, o que foi do Benfica e Sporting e nos últimos anos tem andado por terras de camelos a navegar nos milhões.
Certo é que o homem, como trolha à moda antiga, não se calava, sempre a palrar, a debitar bitaites, com caralhadas à mistura, ora a meter-se com algum conhecido que passava ou fazia parte da equipa dos andores, a sugerir uma cerveja, ora a replicar com a esposa: - Caralho, mulher, já não te disse que são 26 andores? Já os contei na igreja! Deixa de ser chata! - Foda-se!
Ao meu lado, outros vizinhos pareciam incomodar-se com este falatório e sobretudo com o vernáculo e encolhiam os ombros ou murmuravam entre dentes: - Pouca vergonha! Sinceramente…
Mas a procissão, lentamente lá foi desfiando os andores. Entretanto começa o sino a repicar e o “vizinho” falador lá disse para quem quis ouvir: - Olha, está a sair o andor da Senhora. É a ultima porque o sino começou a tocar! É a senhora! Santa Maria de Lamas!
Certo é que, dali a instantes, ao passar o andor da Senhora, porventura o menos deslumbrante e florido dos 26, o “vizinho” adepto da bola, tira o boné, descobre a careca, e à sua passagem faz uma genuflexão demorada, sentida.
Todos os santos e santas que antes passaram, incluindo Jesus Nosso Senhor, chefe deles todos, não lhe mereceram qualquer veneração, mas antes um falatório entremeado de caralhadas. Mas a Santa Maria de Lamas, vá lá saber-se por que razões, dispensou toda a atenção e veneração.
Há coisas assim! Ficamos sem saber se é fé ou fezada ou se há ali uma genuína devoção e se a Santa Maria, de Lamas ou de qualquer outro sítio, acode às preces destas criaturas singulares, intercedendo a Seu Filho, pelas suas misérias, a relevar as suas caralhadas e a dar-lhes sorte no que sejam as suas vidas, que hão-de ser dedicada à paixão do futebol, de beber umas cervejas e a impertigar-se com as mulheres que, talvez por igual devoção à Santa Maria, os vão aturando ou a planear, um dia destes, a mandá-los à merda!.
É mesmo assim: Por vezes o principal interesse numa procissão não é ver os santos a passarem, a beleza dos seus andores, a vaidade e o bairrismo de quem os transporta, comedidamente trajados ou de calções e chinelos como quem vai à praia ao Furadouro, da solenidade rubra do padre debaixo do pálio, ou das entidades civis que o seguem todas empertigadas, em vésperas de eleições, ou mesmo o acerto do passo da banda filarmónica e do sentimento das pesarosas marchas. O interesse pode estar simplesmente ao lado, numa qualquer figura típica ou singular, anónima ou com o nome de Jorge Jesus.
Como cantavam no conjunto típico "Esperança": -
Ó Santa Maria, terra onde eu nasci,
Quantas vezes lá fora, eu chorei por ti.
Trabalhando, rezando, por vezes cantando
Eu pensava em ti.
Ó quanto eu te quero, e tanto me lembras,
E quanto me queres e tanto me chamas,
Ó Santa Maria, Maria de Lamas ( e do Jorge Jesus)