20 de junho de 2025

O elevador continua a subir


Olho à minha volta e constato com uma simplicidade quase cómica: há mais gente com menos idade do que eu do que o contrário. Não me causa espanto. É a vida a acontecer, como deve ser. Mas há uma sensação curiosa nisso — como se, sem grande alarde, eu tivesse atravessado uma porta que, antes, só imaginava abrir ou via de longe, e que agora já transpús.

Pertenço, assim, com mérito, ao lote dos mais velhos, mesmo que ainda no limiar de um patamar mais alto. Sem drama. Sem drama, ou nostalgia excessiva. Apenas uma constatação simples: o elevador da idade continua a subir, e eu vou dentro dele. Os botões vão-se acendendo sozinhos, e de vez em quando espreito o espelho e penso: "Ainda sou eu aqui, o mesmo de há dez, vinte ou trinta anos atrás, só um pouco mais usado, como os velhos livros lidos e relidos."

Ser classificado como velho, idoso ou, mais semanticamente de "senior", tem um peso simbólico, real e curioso: É como receber uma farda invisível que muda a forma como nos olham na rua, nos locais públicos ou até na família. A diferença é que agora, entre muitas vantagens do amadurecimento, vêm até mim a perguntar se me lembro de como era antes e espantam-se com as coisas que já vi, vivi e agora conto. E eu lembro-me, sim. Lembro-me de coisas que, mesmo contadas, os mais novos duvidam terem sido realidades.

Lembro-me de quando o telefone tocava e não se sabia quem era. De uma mensagem escrita que demorava dias, semanas a ser recebida e respondida. De quando as fotografias precisavam de tempo para nascer e nem sempre a cores. De quando os caminhos eram as estradas e estas apenas coisas de cidades grandes; os fins de semana eram apenas um dia e o dia de traballho de sol a sol. Lembro-me do silêncio das noites, dos sons da natureza, do respeito e veneração aos mais velhos, e de como os domingos tinham cheiro — o chocolate quenta da manhã, a missa cantada, o terço rezado naquela lenta lengalenga, o cheiro a frango assado ao almoço, a tinta no jornal impresso, a animação na televisão de um canal e a preto-e-branco nas tardes de Domingo.

Já ouvi e vi coisas que o tempo se encarregou de apagar dos manuais, mas que guardo cá dentro com nitidez surpreendente. E isso dá-me uma certa vantagem. Não é uma corrida, claro. Mas é reconfortante saber que, enquanto uns ainda estão a descobrir o mundo, eu já vivi várias versões dele.

Nem tudo foi bom, nem tudo foi simples. Mas tudo foi vivido. E talvez seja isso que nos distingue: a consciência de que sobrevivemos a todos os anos que vivemos. Carregamos memórias como quem carrega mapas antigos, cadernos rabiscados, dobrados, gastos nas dobras — mas ainda úteis, ainda com indicações válidas.

No fundo, ser mais velho é como estar num andar mais alto: a vista é melhor, mais ampla. E, mesmo que o corpo às vezes peça para descer, a cabeça continua a querer ir mais alto — por curiosidade, por teimosia, ou só por gosto de continuar a ver o mundo mudar.

O elevador continua a subir. E eu, com sorte, ainda vou assistir a muitos outros andares, a mudanças, mesmo que já sem surpresas porque há muito adivinhadas.