Vivemos tempos em que a política local — outrora discreta e centrada na gestão do território e das pessoas — se transformou, nas mãos de muitos autarcas, numa permanente operação de marketing pessoal. E as redes sociais, com o seu efeito imediato, rápido e visual, tornaram-se o palco preferencial para esse novo protagonismo, tantas vezes excessivo, redundante e até, tantas vezes, com laivos de ridículo.
Basta percorrer as páginas de muitos presidentes de câmara, vereadores ou até simples membros de juntas de freguesia para perceber o padrão: são fotografias em tudo o que mexe, inaugurações de obras e de não-obras, visitas a escolas, lares, associações, feiras, feirinhas, mercados, casamentos, aniversários de idosos, provas desportivas, reuniões protocolares, festivais, almoços, jantares, missas, procissões, concertos, feiras medievais, entrega de diplomas, de lembranças, de tudo e mais alguma coisa. Qualquer evento, por mais pequeno e irrelevante para o que realmente interessa, o bem comum, é ocasião para aparecer na fotografia, preferencialmente ao centro, com o sorriso pronto e o discurso, se preciso, ensaiado.
É o triunfo do "estar lá" — mesmo que a presença pouco ou nada acrescente ao evento ou aos seus destinatários. Mais do que governar, importa aparecer. Mais do que decidir, importa sinalizar que se está atento. É o domínio do parecer antes do ser.
Esta ânsia constante de protagonismo mediático revela uma faceta, senão perigosa, pelo menos perniciosa, da política local: a substituição da substância pela imagem. O autarca não é já apenas o gestor da causa pública, mas o protagonista permanente de um reality show autárquico, onde o número de likes, partilhas e comentários substitui a análise crítica da obra realizada.
As redes sociais, sendo legítimas e importantes ferramentas de comunicação institucional, transformaram-se assim, para muitos, em autênticos diários de exibição pessoal. Poucos são aqueles que resistem à tentação do auto-elogio permanente, da apropriação, tantas vezes de sucessos alheios e do silenciamento conveniente dos fracassos e problemas que realmente exigiriam resposta.
Num mundo cada vez mais superficial, onde a imagem vale mais do que a consistência, a política local não escapou à epidemia do marketing de si próprio. O problema não está em comunicar o que se faz — o problema está em transformar a comunicação num fim em si mesmo, desvirtuando o verdadeiro sentido do serviço público e da valorização da cidadania desinteressada.
Governar não é tirar fotografias. Servir não é acumular presenças protocolares. Liderar não é coleccionar likes.
É tempo de regressar ao essencial: fazer primeiro, mostrar depois — e só quando houver, de facto, algo de relevante para mostrar. E se merecido for o nosso trabalho, ou deles, alguém o há-de valorizar e reconhecer, mesmo que sem aparatos ou lambe-botismo.