Poderia escrever sobre o 10 de Junho, pomposamente designado de Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.
Seja lá o que isso queira significar, vale pelo feriado, mesmo que neste ano calhe ao Sábado. Mas a propósito, e porque já não há paciência para certas "merdas", para discursos da praxe, paradazinhas militares, medalhas ao peito e colares ao pescoço e o alargamento do clube de comendadores e cavaleiros da ordem da espada e da torre de não sei das quantas, partilho um artigo de opinião de João Gonçalves, no Jornal de Notícias. Subscrevo e não diria nem escreveria melhor. Todavia, para além de mal frequentado, o lugar anda desgovernado. O dia, devia ser, pois, de pesar.
"No próximo sábado, será Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Não sei se é assim que ainda se designa. Por causa do Ultramar, foi durante décadas o Dia da Raça ao qual o regime do Estado Novo associava o nome de Camões.
Jorge de Sena, no primeiro "10 de Junho" institucional, pós-PREC, devolveu Camões às suas origens, desfiliando-o de toda e qualquer circunstância patrioteira. Começada, aliás, não pelo Estado Novo, mas pela "manobra republicana a que a monarquia se associou a contra-gosto", em 1880, com a patética cena dos crepes em redor da estátua do bardo no Largo do mesmo nome. Ignoro que "vulto" terá Marcelo escolhido para ornamentar, com o seu verbo, as comemorações deste ano. E muito menos a cidade, cá e lá fora, onde o evento se desenrola, com o seu tradicional cortejo de "elites" e meia dúzia de tropas a desfilar.
Na verdade, nada existe para comemorar em nome de Portugal, neste ano da desgraça de 2023. Nunca tivemos dramas identitários. Somos o mais sólido e antigo complexo histórico-geográfico da Europa que alguns palermas querem pôr em causa com a regionalização, de exclusivo interesse político-partidário, e nunca nacional. Tal representaria, num certo sentido, uma traição à pátria. Por outro lado, as instituições políticas de soberania não podem estar em piores condições.
Um Governo trespassado de autismo e de autoritarismo, um Parlamento que o secunda com a sua maioria absoluta de improváveis lacaios, salvo uma ou outra forma de vida inteligente, um presidente capturado pelas suas "variantes e variações", a quem muito pouca gente presta atenção, e um sistema judicial, com vértice no Constitucional, que é praticamente uma vergonha latino-americana. Lá onde as democracias (cito Sena) "não são a paz nem o sossego - são a agitação, a reivindicação, a negociação, a discussão", por cá reina a paz dos cemitérios de Schiller e Verdi, sem valentes como o marquês de Posa. Dir-me-ão que sobra o "povo".
Mas o "povo" hesita no que quer e não quer, estando-se verdadeiramente nas tintas para a "situação" ou para a "oposição", esta uma coisa híbrida que paira no plano metafísico. O país (e regresso a Sena) é, hoje, um conjunto de "realidades tremendas que são uma língua ou muitas, uma raça ou várias, uma cultura, por mais adaptável ou capaz de absorção que ela seja, que se identificam com um nome secular - Portugal". Um lugar "para servir de exílio a vencidos e enganados", diria Agustina. Um lugar "onde nada se agita e tudo se murmura". Um lugar mal frequentado."