Ouvi ontem, em directo, o debate na Rádio Clube da Feira, pelas 19:00 horas, entre os candidatos à Assembleia de Freguesia de Guisande, Johnny Almeida, pelo PSD, e Celestino Sacramento, pelo PS, cuja eleição em 12 de Outubro próximo determinará quem formará a Junta de Freguesia e, por conseguinte, fará a gestão de Guisande nos próximos quatro anos, num mandato importante, porque o primeiro depois de uma falhada União de Freguesias que durou 12 anos.
Antes de mais, tenho em conta que os candidatos não estão habituados a ser entrevistados em directo para a rádio, pelo que naturalmente o nervosismo e as condicionantes do debate não ajudam à maior clareza. Mesmo com alguma preparação prévia, as coisas na hora tendem a ser esquecidas ou expostas de forma menos adequada.
Por conseguinte, acredito que ambos procuraram fazer o seu melhor nas respectivas condições.
Posto estas impressões iniciais, no geral, e é apenas a minha opinião, o debate ficou aquém do que eu esperava. Em vários temas pareceu-me um pouco pobre. Ambos mostraram ter praticamente as mesmas ideias, concordantes nas principais necessidades ( o que não é defeito) mas não foram capazes de se diferenciar quanto à substãncia e forma de as expor e como resolver. Pareceu-me que o debate foi pouco preparado ou, se foi, pelo menos apresentado de forma pouco clara, muito superficial.
Houve até, de parte a parte, vários exageros, algumas confusões, certas omissões e diversas informações erradas em aspectos que me parecem importantes, nomeadamente os seguintes:
Edifício sede da Junta
Quanto às condições do edifício sede da Junta de Freguesia, houve um claro exagero de ambos os candidatos. O edifício tem condições de funcionamento e tem servido como pólo da actual Junta da União. O que de facto necessita é de obras de requalificação, com substituição da cobertura em chapas de fibrocimento, melhoramento das condições térmicas, criação de acessibilidades, renovação estética dos espaços, melhorar e modernizar o arquivo e sala de atendimento, bem como modernização da fachada principal. Mas, repito, daí a considerar-se que não tem condições de funcionamento ao ponto de se equacionar a mudança para o Centro Cívico é um exagero. O edifício não mete água nem está a ruir.
Envolvente da igreja matriz
Foi exagerado dizer-se que não há espaços de estacionamento. Claro que há: no Adro Padre Francisco de Oliveira, na Alameda Dr. Joaquim Inácio da Costa e Silva, na baía junto aos Ecopontos e nos arruamentos envolventes. Para o dia a dia das actividades da paróquia, têm chegado e sobrado. Em situações de maior afluência, como alguns funerais, o Dia de Todos os Santos ou celebrações mais significativas, será importante haver mais lugares. Ou seja, há estacionamento e nunca foi um sério problema, mas concordo que, havendo possibilidade, será positivo ampliar os lugares existentes. No Adro, não há árvores enormes a dificultar o trânsito. Apenas alguns arbustos que merecem cuidado e poda. No entanto também considero que é possível melhorar. Talvez não se justifiquem os separadores centrais, e a sua eventual remoção, e delimitação com pintura no pavimento, permitirá um espaço mais adequado à circulação e estacionamento.
Por outro lado, ambos falaram dessa necessidade, bem como de um parque de lazer, mas ninguém explicou de forma séria como o fazer, dado que o terreno contíguo, a sul da Alameda, é privado e necessita de negociação. Se for adquirido — o que não será barato, certamente — poderá ser agregado ao terreno já pertencente à Junta, do lado sul e poente do cemitério, adquirido no mandato de 2014/2017, quando fiz parte da Junta.
Em resumo: será uma obra interessante se for possível, mas carece de negociação com privados e, sem apoio da Câmara, representará um grande esforço orçamental, pelo que terá de ser uma obra para mais do que um mandato.
Monte do Viso
Ambos concordaram na necessidade de obras, incluindo um parque infantil, mas foram vagos e pouco objectivos quanto à forma e ao conteúdo O espaço está mais ou menos definido mas há opções que devem ser tomadas, por exemplo considerar a reformulação da zona central onde está o pequeno lago e várias árvores e arbustos, de modo a no futuro optimizar um melhor local para o palco aquando da Festa do Viso, mas compensar com a plantação de árvores de sombra. Como está, esse espaço separa o arraial em duas zonas e não contribui para a hamonização do conjunto. Requer um bom estudo, bem pensado.
Ambos falaram na necessidade de alargar a rua de Santo António, do lado norte, e creio que é possível até porque no mandato de 2014/2017, obteve-se a concordância dos proprietários marginais. Infelizemnte, o executivo do 2.º mandato ignorou por completo essa necessidade mesmo não comportando custos significativos. A realizar-se será um melhoramento importante.
Auditórios e Centro Cultural
Questionados sobre a existência de auditórios, ambos disseram não haver nada na freguesia além do apoio do Centro Cívico. É verdade que a Junta não tem equipamento próprio, mas existe um pequeno auditório no Centro Cívico, onde já se realizaram actividades, e sobretudo o Salão Paroquial, recentemente requalificado, que há mais de 60 anos tem sido espaço nobre para teatro e outros eventos. Não é da Junta, mas é da paróquia e da freguesia.
Quanto à ideia do Centro Cultural, lançada por Johnny e à qual Celestino disse não acreditar, é de facto um sonho. Antes disso, será fundamental apoiar a reactivação da Associação Cultural de Guisande “O Despertar” e os grupos já existentes, para que no futuro o sonho de um Centro Cultural faça sentido.
Ninguém lembrou que existe, no lugar de Fornos, um terreno pertencente à Câmara, adquirido no final da década de 1980 precisamente para acolher um Centro Cultural, então pensado para a sede de “O Despertar”. Será, pois, um projecto de futuro, mas só fará sentido com um tecido associativo à altura.
Campo de futebol e desporto
Houve desinformação quanto à propriedade do terreno, supostamente o entrave à instalação do relvado sintético. Celestino Sacramento disse tratar-se de terreno particular, o que é falso na substância: foi doado na década de 1980 à Junta de Guisande. Existe escritura, embora, por desleixo da Junta de então, nunca tenha sido registada na Conservatória. Com o falecimento da doadora, não tendo sido feito o registo na década de 1980, o prédio entrou em herança. A situação detectada passou a exigir a regularização burocrática, da qual têm surgido divergências entre herdeiros e Junta, quanto à forma de regularizar, com cada parte a travar-se de razões. Apesar disso, a herança nunca se opôs à legitimidade da escritura nem da regularização necessária nem ao entrave no processo de candidatura ao projecto do arrelvamento. Ora este esclarecimento ficou por fazer no debate e o que foi dito só aumentou a confusão de quem está por fora do processo.
Faltou dizer, também, que a actual Junta da União recuou no compromisso público de apoio financeiro. Em Dezembro passado, no jantar de Natal do Guisande F.C., o presidente da Junta afirmou que o apoio seria garantido, na ordem dos 100 mil euros, independentemente do que viesse a ser decidido no processo de desagregação. Meses depois, com a desagregação consumada, a Junta recuou no compromisso público ao clube e à comunidade, limitando a perspectivar um apoio de apenas e cerca de 20% desse valor. Ora para concretizar a obra, temos que admitir que gace a este recuo será um esforço grande para a futura Junta, o que obrigará a uma engenharia financeira pluri-anual, parece-me. Em todo o caso, importa que a futura JUnta não se desvie desta objectivo.
Creio que também nada falaram sobre o rinque polidesportivo de Casaldaça, requalificado pela Câmara com investimento de cerca de 180 mil euros, mas cujas obras no balneário ficaram de fora. Não se ouviu o que pretendem fazer para dinamizar o espaço que continua sem qualquer movimento, salvo um torneio organizado pela cessante Comissão de Festas do Viso.
Cultura - Associativismo
Ambos prometeram apoiar logisticamente e financeiramente as associações existentes, mas nada disseram sobre reactivar “O Despertar”. É importante que a Junta, para além de apoiar e acarinhar os grupos que existem, com o seu poder agregador, possa incentivar e criar condições para reerguer aquela que foi a mais importante associação cultural e recreativa da freguesia, porque faz falta.
Urbanismo e PDM
Ambos traçaram o retrato das dificuldades do urbanismo e da esperança em reverter a quebra populacional, constatando a construção de várias habitações nos últimos tempos e a perspectiva de novas edificações. Mas não abordaram nem censuraram aspectos cruciais, como a revisão do PDM, supostamente ainda em curso, onde os técnicos da Câmara, em contra senso com os objectivos da Lei dos Solos, que é promover mais terrenos para construção, prevê reduzir espaços urbanos, classificando-os como rurais, mesmo em arruamentos centrais à freguesia e já dotados de infra-estruturas, nomeadamente em parte da Rua Cónego Ferreira Pinto, Rua da Zona Industrial, Rua do Viso e outras. Mostraram desconhecer o assunto pelo que se desconhece se ainda vão a tempo de, em se de de consulta pública, atalhar estas reduções injustificadas e penalizantes para o crescimento urbano da freguesia a curto prazo.
Aspectos gerais:
Ambos não conseguiram, no geral, avançar com outras ideias e projectos, mesmo que simples, mas diferenciadores. Uma ou outra ideia, já em vigor na União de Freguesias, bem como, no que concordo, com a possibilidade de em protocolo manterem o evento Corga da Moura, se nas mesmas condições e com uma participação proporcional, embora com reservas por parte do Celestino Sacramento. Não obstante, no geral, eu esperava mais ideias e iniciativas diferenciadoras. Algumas, até já as sugeri por aqui.
Aspectos positivos ou menos positivos
De Johnny Almeida: Citou várias vezes o actual presidente da Câmara como apoiante dos projectos para Guisande, e que ciente do atraso da freguesia, mas esquece que este ainda terá de passar pelas eleições. Por enquanto o actual presidente é apenas um de vários candidatos.
Além disso, pareceu desculpar demasiado a União de Freguesias, ignorando que esta está a concluir 12 anos de governação e seria interessante procurar saber onde foi aplicado no nosso território, pelo menos 1 milhão e 200 mil de euros a que Guisande,, por proporção do orçamento teria direito.
Parece-me que, se é facto que houve uma óbvia melhoria no aspecto de proximidade do presidente aos grupos e às pessoas, honra lhe seja feira, quanto a obras registam-se alguns melhoramentos com desvio de águas pluviais, a construção de mais sepulturas no cemitério, uma ou outra intervenção, mas no geral pouco de substancial foi feito e as mais significativo, como pavimentações e requalificação do rique polidesportivo, e saneamento e pavimentação da Rua de Trás-os-Lagos foram do orçamento da Câmara Municipal ou de apoio substancial desta.
Mesmo a limpeza dos espaços públicos, numa boa parte da freguesia tem sido muito descurada nesta parte final do mandato. Alguns melhoramentos ainda estão por concretizar, como as sarjetas na Rua Nossa Senhora de Fátima entre os lugares da Leira e Gândara. Não confirmei nos últimos dias, mas há uma rua interrompida há meses e sem fim à vista (Rua do Sebastião, em Cimo de Vila). A obra do saneamento e a repavimentação da Rua da Zona Industrial já não vai ser realizada neste mandato nem deixada verba cabimentada para tal. Por conseguinte, a União de Freguesias, em 12 anos, com o PSD (2 mandatos) e o PS (1 mandato) não conseguiu ser diferenciadora nem resolver assimetrias. Foi muito pouco face às expecativas dos arautos e defensores da União.
No geral, mesmo que de forma muito suscinta, o Johnny Almeida mostrou ter vontade e espírito de iniciativa e com algumas ideias ambiciosas como o Centro Cultural e o melhoramento da ligação de Gião a Guisande para potenciar a ligação à A32 e algo diferenciadoras em relação ao Celestino Sacramento.
Finalmente, no minuto reservado para a declaração final, foi muito rápido gastando apenas 23 segundos. Poderia, a meu ver, aproveitar todo o tempo previsto para enriquecer a mensagem. Foi a despachar.
De Celestino Sacramento: Tal como o colega de debate, disse ter muitas ideias mas na verdade foram abordadas muito pela rama, sem qualquer sustentação de como as realizar e cabimentar no orçamento da Junta. Não apresentou nada de diferenciador.
Apontou o dedo ao anterior executivo de ter terminado com o serviço de enfermagem (no mandato anterior pois ainda funcionou de 2013 a 2017) mas ignorou que o executivo que apoia não foi capaz de o retomar.
Creio que todos, a começar por mim, reconhecemos a importância que o Celestino Sacramento teve no processo de desagregação e obtenção da independência da freguesia. Mas não lhe ficou bem chamar apenas a si esse papel e mérito. Teve-o, foi importante, como também importante e decisivo foi toda a bancada do PSD na Assembleia de Freguesia, que votou a favor, ao contrário dos colegas de bancada do Celestino. Alguns elementos da bancada do PS, residentes ou com origens familiares em Guisande, votaram mesmo contra ou abstiveram-se. Sem a posição e o voto do Celestino nada se conseguiria como também é verdade que nada se alcançaria sem a votação da bancada do PSD.
Por conseguinte, neste puxar dos louros, faltou ao Celestino Sacramento dizer que também o Dr. Rui Giro teve um papel fundamental na orientação e preparação do processo e da parte jurídica, e mesmo na recta final, quando já se dava por perdida a desagregação, foram o seu papel e intervenção fundamentais ao promover a sessão extraordinária da Assembleia de Freguesia, pelo final do ano de 2024, que veio clarificar a situação e ainda ir a tempo de ser apreciada e votada favoravelmente na Assembleia da República. Creio que sem lhe retirar o mérito, o apreço e o reconhecimento, e disso nunca esquecerei, ficou mal esta omissão ao Celestino Sacramento, porque era de justiça. Acredito que foi sem intenção de ignorar o papel e importância dos demais, e do Dr. Rui Giro, mas foi essa imagem que passou.
Quanto ao Centro Social, esteve bem o Celestino Sacramento ao apontar a falta de cumprimento pela Segurança Social do programa de apoio para Centro de Dia, bem como da parte política, mas falhou ao equacionar o encerramento do Centro Social. Ora para quem for presidente da Junta deve desenvolver todos os esforços no sentido de fazer crescer e funcionar os equipamentos e nunca baixar os braços ou equacionar pelo seu encerramento.
Resumo
Não obstante a minha análise, os candidatos deram o seu melhor, embora o nervosismo em directo condicione sempre a clareza. Foi um debate educado, sem atropelos e com respeito mútuo, entre dois candidatos que certamente desejam o melhor para a freguesia. Concordaram nas principais necessidades, diferindo pouco na apreciação às mesmas.
A diferença entre ambos os candidatos e respectivas listas poderá estar na capacidade de concretização. Contudo, na substância e forma, o debate ficou um pouco aquém do que eu perspectivava. Talvez por elevar as expectativas. Foram algo superficiais, mas mesmo assim ficaram no crivo várias ideias que podem e devem ser desenvolvidas durante a campanha eleitoral.
Concluindo, e esta é apenas uma análise pessoal, e de forma isenta tanto quanto possível, se tivesse de decidir o meu voto apenas com base no debate, confesso que ficaria com dúvidas, pelo que aguardo os futuros desenvolvimentos da campanha de ambos os partidos e candidatos e suas dinâmicas. Hoje em dia o eleitorado exige clareza e já não alinha em métodos de campanha manhosos.
Para fechar mesmo, destaco e enalteço a postura respeitosa de ambos e agradeço-lhes a disponibilidade para servir a freguesia e a comunidade. Bem hajam!