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20 de setembro de 2023

Desconsolo


Chegavas num dia de sol morno,

De flores estivais ainda perfumadas.

Ainda a sentir-se o aroma de frutos maduros

Já com as andorinhas olharem a sul.


Com um molho de rosas tardias, todas brancas,

Um sorriso com a largura de um raio de sol,

Numa ânsia quase infantil, desmesurada,

Fui ao ponto da tua partida e chegada,

E esperei minutos que foram horas.


Na chegada, chegaram muitos, partiram outros,

Todos num vai-e-vem pesado, apressado,

Mas tu não chegaste, talvez porque nem partiste.


Ainda esperei que a multidão se dissipasse

E como nos filmes surgirias na nuvem de vapor,

Mas não! Não estavas lá, porque não vieste.


O céu já não era azul límpido, mas cinzento;

Não sei se lágrimas, mas chovia no meu rosto;

As andorinhas já tinham partido sem adeus;

A fruta caía de podre numa mortalha de folhas frias;

As rosas, já murchas, tinham a palidez do desencanto;


Serão assim as esperas por gente que não chega,

Um desalento cheio do vazio da solidão?

Pior a espera por alguém que não chega,

Que a dor do adeus por quem de partida.


Na partida diria: – Adeus, amor!

Mas quando não se chega, 

Há uma espera desesperada,

Um olá amor, que se não diz, 

Um sorriso que não se abre,

Um abraço que não se envolve,

Um coração frio que não arde,

Um beijo que não encontra calor

Numa boca sedenta de saudade.



AA-20092023

19 de setembro de 2023

Certinhos e direitinhos

Lá vamos andando rotinados

Por caminhos já percorridos,

Com curvas já  antecipadas,

Sem destino que surpreenda,

Nem o vão  risco dos atalhos.


No fundo, certinhos, ensinados,

Sem esgares de surpreendidos.

Como sendo tudo favas contadas,

Em que se almeja obter a prenda

Por se escapar a fúteis trabalhos


Somos vagões vazios, a deslizar

Numa planura dócil que desmotiva;

Basta, tão só, alguém a empurrar,

Que não precisamos de locomotiva.


AA-18092023

17 de setembro de 2023

Vontade


Vontade


Importa ao homem ter a vontade

E dela o despoletar do impulso

Gerador da ousadia, do esforço.

Desse frémito vigoroso se há-de

Com a ajuda da corda e pulso,

Subir, saír, do fundo do poço.


A vontade toda como contraponto

Ao inútil, fútil, esmorecimento

Como trovão a irromper nos céus;

Não é coisa vã, ou mero desconto,

Bem mais que isso: o puro alento,

Dos meus olhos a procurar os teus.


AA-17092023

13 de setembro de 2023

Outonal



Lá fora, na plenitude dos campos abertos,

Anda solta a brisa do perfume das searas maduras

A ondular as ervas secas, rendidas à ceifa, à foice;

De grilos, ralos e cigarras já não há concertos

Num Outono como um velho alquebrado nas agruras,

Já que o tempo de viço, folguedos e juventude, foi-se.


Mas ainda há tempo para encher os regaços,

Fartar de ouro os celeiros e de uvas lagares,

Talvez a tempo de te colher em meus braços,

Na esperança, no alento, de ainda me amares.



A.Almeida - 27082023



12 de setembro de 2023

Sossego



Perco-me no meio da multidão,

Com mil rostos, mas o meu desencontrado

Entre sorrisos fechados e olhos a vaguear.


Encontro-me na plena solidão

Do monte, numa noite clara de céu estrelado

Num horizonte, a presumir que vejo o mar.


Fico surdo no ruído da cidade

E nesse silêncio sufocado ouço os teus gritos,

A clamarem por um abraço de braços vazios.


Então, é sossego o que me invade,

Quando te olho nos teus olhos doces,bonitos,

Porque no meu mar cabem todos os teus rios.



A.Almeida - 08032023

Uma bola à chuva


Aqui, bem no meio deste terreiro,

Já chove miudinho e eu estou só,

A esperar, de bola junto aos pés,

Que apareçam, os amigos e o sol.


Mas nada, e engrossa o aguaceiro,

Já escorre e corre em lama o pó,

E de pouco vale nas costas o dez

Porque já não vai haver futebol.


Mas se não vêm, a malta e o sol,

Seja no terreiro ou no caminho,

Porque gosto da bola, de futebol,

Jogarei à chuva, nem que sozinho.


A.Almeida - 12092023


10 de setembro de 2023

Velho coreto

Ó, velho coreto, tão pequenino

Já não te enchem de filarmonias,

Na triste sina de ficares vazio.

A capela chora-te e toca o sino

Em mágua dos tristes teus dias

Num tempo em que finda o estio.


Tudo é grande neste tempo novo,

Nele a vã grandeza toda comanda,

Ditando as leis da nova festa;

Outros tempos, até modas e povo,

Porque não cabe em ti uma banda,

És ornamento. Mais nada te resta.


A. Almeida - 10092023

9 de setembro de 2023

Mais rápidos que a sombra



Andamos na correria dos dias

Sem temperança, só em atavio,

Sedentos, gulosos, vaidosos,

Fanfarrões sem  humanidade.


Damos corda ao ego, a fantasias,

Bons praticantes do auto elogio,

Inflados, ocos e presunçosos,

Cheios, enfardados de vaidade.


Disparamos na sombra, no Facebook,

Onde um bronco Dalton já é doutor;

Bem mais rápidos que o Lucky Luke

Cavalgamos em pose rumo ao sol-pôr.


A. Almeida - 22072023

8 de setembro de 2023

Árvore bendita



No chão, uma semente esquecida, encoberta,

A terra, com rudeza, a envolve indiferente,

Mas a vida, nesse seio, se faz descoberta,

E nele irrompe a árvore em luta inclemente.


Ramo a ramo alevanta-se, rija, obstinada,

Numa leito de fraga da dureza da serra.

Depois é sombra e dádiva a troco de nada,

Onde os bichos encontram a paz da guerra.


Árvore bendita, que tudo em ti é festa,

Presença austera ou delicada, mas de fé;

És tu mesma, em solidão ou em floresta,

Vivendo generosa até à morte, em pé.


A.Almeida - 210302023

7 de setembro de 2023

Sem sede


Sob o sol escaldante a terra ressequida

Geme, ou mesmo grita de não sei que dor,

Numa sede aflita, em desencontro da vida,

Como uma semente que não brotará flor.


A paisagem pinta-se em tons de chama,

Sem tintas do suave céu e da erva verde;

Triste sina esta a de um homem que ama,

Com uma fonte nos olhos mas já sem sede.


Quisera eu ter a garganta ressequida,

Os olhos secos, em cegueira constante,

Para te beber e ver mais doce e pura,

Numa sôfrega bebedeira consentida,

Possuir-te no leito suave como amante,

Numa fome estrangulada pela fartura.


A. Almeida - 02092023

Dignidade


Sobe, sobe mais, até mesmo ao cume!

Quando lá chegado terá valido o suor,

Mais o sabor que se obtém da vista.

Fica bem ao homem quando se assume

No seu esforço tenaz, na luta, na dor

Porque se resume a isso a conquista.


Nunca desista, pois, dessa sua ânsia,

De querer mais, bem mais, mas justo,

Sem mácula,  remorso ou falsidade;

São nobres a vontade e a constância

Mesmo que elas contenham um custo:

O de se viver com honra e dignidade.


A. Almeida - 07092023


Uma possível interpretação:

Este meu simples e despretencioso poema pretende apresentar uma perspectiva filosófica que pode ser relacionada com temas como a ética, a busca da excelência, a realização pessoal e a moralidade. Numa perspectiva filosófica podemos ter a seguinte interpretação:

Ética e Moralidade: O poema aborda a importância da ética e da moralidade nas nossas acções. Ele sugere que é digno e nobre procurar mais e alcançar objetivos ambiciosos, desde que essa busca seja justa, sem mácula, remorso ou falsidade. Isso implica que a virtude e a integridade são princípios essenciais na jornada em direção ao sucesso.

Vontade e Constância: O poema enfatiza a importância da vontade e da constância. A busca de objectivos significativos muitas vezes requer determinação e persistência, e essas qualidades são vistas como nobres. Isso se relaciona com conceitos filosóficos como a virtude aristotélica, que valoriza a busca da excelência e a formação de hábitos virtuosos.

Conquista e Realização: O poema sugere que a verdadeira conquista não está apenas no resultado final, mas também na jornada em si. A ideia de que "o sabor que se obtém da vista" é uma recompensa pelo esforço e pelo suor investidos e pode ser vista como uma expressão do valor da experiência e do processo, em vez de apenas do resultado.

Procura da Excelência: A mensagem central do poema está relacionada com a busca da excelência e da realização pessoal. Ele encoraja as pessoas a não desistirem de seus desejos de conquistar mais e de alcançar seus objetivos, desde que isso seja feito com integridade e dignidade. Isso pode ser interpretado como uma chamada para que as pessoas procurem o melhor de si mesmas nas suas vidas.

Em última análise, o poema pode ser visto como uma reflexão filosófica sobre como viver uma vida virtuosa e significativa, alcançando objetivos elevados, mantendo a integridade e a ética, e valorizando a jornada tanto quanto o destino. Ele ressalta a importância da vontade, da constância e da honra no processo de autodescoberta e crescimento pessoais.

27 de agosto de 2023

Avançando


Sim, claro, ainda me lembro disso,

Mesmo que trinta e cinco passados;

Eu e tu, ali juntinhos, enlaçados,

Nesse sim ao amor, ao compromisso.


É prosseguir, porque só avançando,

Rumo ao destino, mesmo que incerto,

A cada passo ficaremos mais perto

E o caminho só se faz caminhando.


A.A. /P.G. -27-08-1988/27-08-2023

10 de agosto de 2023

Incerteza



Vivo neste cuidado até me cansar

Numa permanente busca do perdido,

Até que logrando, feliz, encontrar,

Me dê, enfim, como bem merecido.


Mas na vã incerteza de tal labuta

Fico quase perdido, em sofrimento,

Em saber se venci ou perdi essa luta

Ou se dela tive algum merecimento.


Um rio, se nasce para o mar corre

E nada se encontra se não perdido;

Então, sem nascimento, quem morre,

E sem luta quem se dá por vencido?


Talvez seja assim o meu destino:

Uma ânsia continuada de indagar,

Ir ao encontro do toque do sino,

A saber se por festa ou por chorar.


A.Almeida - 14-03-2023

3 de agosto de 2023

Enxadas em vez de espadas


Que bom seria que estes novos cavaleiros

Vaidosos, de vestes e armaduras fingidas,

Lutassem valentes em batalhas sem setas,

Sem desígnio de lema de "morres ou matas".


Mas, que pena, meu Deus, vê-los foleiros,

Cómicos enfarruscados, de tinta nas feridas;

Nobreza, era lutar a limpar ruas e valetas

E de enxadas no campo a cavar batatas.

2 de agosto de 2023

Colheita


Na borda daquele caminho, além,

Num terrão que o sol beija todas as manhãs,

Há uma macieira, não sei se plantada por mão ou vento.


Mas, meu Deus, como sabe tão bem,

Quando no fim do Verão colho nela as maçãs,

Em ansiada canseira em dia e hora marcadas p´lo tempo.


Há frutos assim, que se desejam colher,

Como a chegada cansada ao fim de um trilho,

Ou se no ventre  lançada a semente na mulher,

Que germine pura e, no tempo, se colha um filho.


A.Almeida - 25072023

Um mundo ao contrário


Tenho um mundo todo meu, imaginário

Por onde vagueio absorto, dormente;

Tudo nele é estranho, ao contrário:

Nasce-se da terra, morre-se no ventre.


É de nuvens macias a casa onde moro,

Os regatos e os rios nascem no mar,

As fontes são olhos em eterno choro,

As flores têm lábios e sabem beijar.


Mas nesse mundo estranho, imperfeito,

Vives a meu lado nessa igual desarmonia,

A envolver-me como amante em seu leito 

À luz do sol, porque o luar só nasce de dia.


Tenho um mundo só meu, imaginário,

Por onde corro livre, sem destino;

Sou actor de uma peça sem cenário,

Onde nasci velho e morrerei menino.


A.Almeida - 01082023

31 de julho de 2023

Onde habita o segredo


Para lá das portas onde habita o segredo

Há labirintos intrincados, imaginários;

Teu corpo é prisão que me tem em degredo

Onde vou penando por pecados solitários;


Não sei quantos quartos tens fechados

E neles quantas camas já remexidas,

Com lençóis húmidos de corpos suados

Onde se encontraram ou perderam vidas.


Mas há em mim esta constante tentação

De te ter toda aberta, acolhedora, pura,

Possuir a chave mestra da fechadura,

Aceder à profundidade do teu coração.


Não sei que segredos guardas, zelosa,

Como a mais bela pérola a rude ostra,

Como espinhos a envolver a suave rosa,

Como seguro jogador a fazer a aposta.


Não sei que segredos tens escondidos

Nem em que gavetas e cofres encerrados,

Tão pouco se os tens, porque já perdidos,

Ou se apenas, sem pena, desencontrados.


A.Almeida - 31072023

Sofreguidão


Possa eu condensar todas as histórias,

Como espremer o sumo de uma laranja,

Beberei a doçura de tantas memórias

Num trago só, quanto a sede abranja.


Vigorado nessa densa, doce frescura,

O meu ser, todo eu ficarei então assim,

Saciado de uma sede sôfrega, pura,

De condensar-me no princípio e fim.


A.Almeida - 30072023

25 de julho de 2023

Céu cinzento


Há em mim memórias, 

umas boas, outras más,

uma brisa de aromas e cores

que me levam como folha outonal

a uma viagem sem labéu

antes do final adormecimento,

do retorno à terra, ao pó.


Pinto as minhas  histórias

com o vermelho das romãs,

o roxo das minhas dores,

também com o verde do matagal,

o azul do mar e do céu 

quando não calha estar cinzento,

como os dias em que estou só.


A. Almeida - 24052023

16 de julho de 2023

Não venhas tarde

Não! Não venhas tarde,

Como alguém diz a cantar;

Em meu corpo um fogo arde

Que só tu, amor, podes apagar.


Vai, pois, mas vem depressa

Bem antes, amor, do fim do dia.

Não vá que, por maré,  aconteça

Chegares e a cama estar vazia.


Mas se vieres tarde demais

Juro que vai haver sarilho,

Porque não sou dos pardais

Que se contenta com o milho.


Não! Não venhas tarde,

Não procures o contratempo;

Com muito ou pouco alarde

Importa que venhas a tempo.


A.Almeida - 16 Julho 2023