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19 de março de 2024

O meu pai não foi o melhor do mundo



Ao contrário do que toda a gente parece dizer por aí, neste dia que é do pai, eu não tive o melhor pai do mundo. Também não o serei. Somos uns exagerados, e como animais sociais vamos uns atrás dos outros, tantas vezes a repetir os mesmos clichês, os mesmos lugares comuns e o convencional ou politicamente correcto. Pastamos da mesma erva.

Mas não, eu não tive o melhor pai do mundo e pela simples razão de que não conheço os outros pais do mundo, a ponto de comparar o meu a cada um deles. De resto, poderia ser uma tremenda injustiça para com pais que foram realmente exemplos extremos de amor que em tantos casos ao longo da História deram literalmente a vida pelos filhos e levaram uma vida de penas e dores para lhes dar pelo menos o direito ao pão.

Agora o que eu tive, foi um pai, e basta-me isso. Nem melhor nem pior que os demais. Diferente como devem ser todos os pais. Porventura até teve mais defeitos que virtudes e não terá sido o melhor exemplo do pai modelo e várias vezes se terá demitido dos seus deveres de pai e marido. Mas sei também que não sei quais os motivos que o limitaram na sua paternidade, as lutas íntimas que travou, os obstáculos que lhe surgiram, as injustiças que lhe cometeram, nem quais os pecados que cometeu, se os confessou e se Deus o perdoou. 

Tenho do meu pai a imagem nítida de uma boa pessoa, honesta, inteligente e simples, até a ponto de ser enganado, roubado mesmo por outros mais "espertos", e basta-me que tenha sido apenas isso para ter a certeza que foi um bom pai e não o trocava por outro.

Um bom pai não é o que dá ao filho uma mota quando faz 18 anos, um carro novo, um relógio de marca, um computador da Apple, umas férias à grande e à francesa, casamento pago em quinta de luxo, lua-de-mel oferecida num qualquer paraíso terreno, chave na mão de um bom apartamento ou de uma moradia luminosa. Essse tipo de pai existe mas não vale nada, porque limita-se a dar o que pode dar, mesmo que a negar ao filho o valor da responsabilidade e a omitir a mensagem de que as coisas boas da vida devem ser conseguidas com mérito e suor próprios.

Se o meu pai nada me deu de material, porque não o podia fazer, e por isso tive eu que ganhar para comprar a minha primeira bicicleta, a minha motorizada, o meu carro velho, pagar o casamento, comprar terreno e construir casa, mas deu-me e transmitiu-me outros valores que tenho-os em maior conta que tudo o resto. Esses valores são imensuráveis e difíceis de descrever porque tantas vezes surgiram do nada, de pequenas centelhas que só mais tarde, já adulto, maduro e também na condição de pai, consegui decifrar.

Tive pois, um pai, simples como tantos outros, com defeitos e virtudes postas nos pratos da balança, ora a pender para um lado, ora para outro, porque o equilíbrio na vida é sempre uma labuta diária, constante. Basta-me isso!

Já partiu o meu pai, é certo, mas tenho-o presente quase diariamente nas minhas orações. Fico contente que toda a gente tenha o melhor pai do mundo. Eu também poderia alinhar e cantar em coro e afinado a mesma cantiga, mas, sem inveja de quem tem o melhor pai do mundo, fico-me pela simplicidade do meu.

15 de fevereiro de 2024

Quaresma - Caminho de introspecção

A Quaresma, um período, um caminho de quarenta dias, é o tempo que na liturgia católica antecede a celebração da Páscoa, oferecendo uma rica reflexão teológica e filosófica. Associada à penitência, reflexão e preparação para a celebração da ressurreição de Cristo, ela convida os fiéis a uma renovação da sua fé, à purificação espiritual individual para uma renovação do compromisso com os valores do Evangelho.

Filosoficamente, a Quaresma é um convite à introspecção e autoconhecimento, convidando-nos a examinar as nossas vidas, escolhas, relacionamentos e prioridades. Ela lembra-nos da natureza efêmera e transitória da vida humana, convidando-nos a viver de acordo com nossos valores mais profundos e procura de uma vida de significado e propósito.

Ao mesmo tempo, a Quaresma oferece esperança e promessa de renovação. Assim como a Primavera segue o Inverno, a Páscoa segue a Quaresma, simbolizando a vitória da vida sobre a morte, da luz sobre as trevas. É uma mensagem poderosa de que, mesmo nos momentos mais sombrios de nossas vidas, há sempre a possibilidade de renascimento, transformação e ressurreição.

14 de fevereiro de 2024

Tio Neca

Foi hoje a sepultar, em dia de cinzas, num simbolismo cristão e dobrado da nossa essência, a de condição de pó que à terra retorna, para em pó se transformar. Persistem a alma e a memória.

Não sei a quem, creio que ao Sr. Albertino, mas a alguém passou o testemunho do homem mais velho da nossa comunidade. É o ciclo da vida.

11 de fevereiro de 2024

Tio Neca - O simbolismo da partida

 


É meu tio, mas podia ser pai ou tio de qualquer um. A partida definitiva de alguém que tem nos seus ombros  e no seu nome o epíteto de "homem mais velho da freguesia", é e deve ser fortemente simbólica para a freguesia, para a comunidade. Afinal, de quantos compõem a comunidade, do mais velho ao mais novo bebé, todos nasceram depois dele. Por outro lado, de todos quantos nasceram antes e que conheceu, todos partiram à sua frente. Tem que haver nisto um simbolismo forte.

O tio Neca era um homem comum. Inteligente, bem disposto, de gargalhada fácil, e com boa memória até quase aos 100, capaz de recitar de cor longas lengalengas e leituras que aprendeu na escola e na tropa, e que desde que me conheço como seu sobrinho, sempre disponível para brincadeiras, nas malhas ou nas cartas. Não foi homem de grandes feitos ou aventuras. Pelo contrário, desde logo pela sua condição de solteiro, viveu sempre relativamente despreocupado, pacatamente tanto quanto possível, num dia-a-dia sem trabalho de horários e patrões, de criar e educar filhos e aturar ou ser aturado por esposa. Chegou a explorar a mercearia que na casa havia sido do pai, ali pela década de 1950, mas em tempo difícil em que o livro dos calotes andava sempre com as contas em débito, acabou por fechar. 

Ia vivendo dos rendimentos e da venda de uma boa parte do património que herdou dos pais e de muita poupança, inicialmente até em exagero, descontando para a Casa do Povo que lhe assegurou a reforma, mesmo que nos tempos no Lar já não cobrisse as despesas. 

Por si nunca foi homem de gastos, grandes ou pequenos, e não fossem os mais chegados da casa a pô-lo nos carris da normalidade, vestia sempre a mesma roupa e comia o que feito de véspera. Era apesar disso esquisito na comida e nem qualquer coisa o alegrava e com saudade e água na boca recordava amiúde a fartura na cozinha e mesa da casa dos pais, sempre abundante de broa saída a cada semana do grande forno, capoeiras cheias, salgadeiras fartas e panelas de três pernas sempre a fumegar na larga lareira com carnes de porcos de largas arrobas. 

A minha mãe e sua cunhada Eugénia compreendia-lhe os gostos e com frequência, para o desougar, preparava-lhe umas iguarias ainda com os sabores e aromas dos tempos antigos, no que se consolava mas com medida bastante porque a sua idade já não se compatibilizava com salgados e fumeiros. Para ele, ao contrário de qualquer judeu, carne de porco era sagrada, se possível salgada e fumada. Sopa, à lavrador e com muita substância, muito entulho, como dizia. Mas sim, era muito esquisito o que arreliava quem tinha a função de lhe por a comida na mesa. Por essa dificuldade em cozinhar aos seus gostos e escapar dos seus reparos, durante os últimos anos as refeições vinham da cantina do Centro Social de Lobão, mas raramente comia sem torcer o nariz e fazer cara feia à comida que classificava de branquita e desconsolada. Do muito que sobrava fartavam-se os cães e gatos.

É certo que quando vivia na companhia da sua irmã Celeste, portas meias com a de meus pais, tinha os seus momentos de alguma inquietação e mesmo arrelias, porque vivia nessa estranha condição em que lhe era simultaneamente irmão, filho ou mesmo uma espécie de marido no que tocava a orientar a casa e das necessidades do dia-a-dia. Tratava dos campos, das hortas, das podas, das regas, de algum gado, a lenha para a lareira, etc, etc. 

Mas apesar dessas singularidades de cão e gato, próprias de qualquer família, que iam das arrelias comuns, das zangas às rezas, era senhor do seu destino e por isso nunca se "matou" de trabalho. De resto, a morte na sua fatal tarefa só o procurou  agora, bem tarde, uns meses depois de ter soprado as velas do bolo do centésimo aniversário. 

Depois da partida da sua irmã acabou por ter que deixar, com natural tristeza, a parte da casa que durante muitos anos partilhou e teve como sua, mas encontrou abrigo na mesma casa, na parte de meus pais e amparado e cuidado pela minha mãe e sobretudo pelo seu sobrinho Adérito, em larga medida que  lhe foi como um filho, ali esteve independente, à sua vontade, uns bons anos até que já em tempo de pandemia e depois de um episódio que o levou de urgência ao hospital, acabou por ser encaminhado pelos serviços para o lar Hospital da Santa Casa da Misericórdia em Arouca onde esteve durante quase três anos, bem acompanhado, cuidado e com visitas regulares. Pode-se dizer que nada lhe faltou também pela sua condição de saúde sem grandes problemas e esteve sempre relativamente bem, apenas com alguma perda de mobilidade o que se compreende com a idade avançada.

A caminho dos 101 anos acabou por encontrar o seu destino. Uma infecção respiratória, que tem levado muita gente, até a um nada habitual excesso de mortalidade face à média, mas a verdade é que também foi. Estava, apesar de tudo, já a melhorar, mas foi, até com alguma surpresa dos médicos e cuidadores.

Está, pois, no lugar que acreditava que estaria, ao lado dos seus, dos avôs, dos pais e de quase todos os irmãos, ficando ainda a mais nova, a Laurinda, mas também esta já a caminho dos 100, bem cuidada pelas filhas mas já privada da memória e do conhecimento.

A vida é assim e a partida é uma fatalidade que a todos chega, em diferentes tempos e modos mas como diz o povo na sua sabedoria milenar, e de resto óbvia, "quem de novo não vai, de velho não escapa".

No resto, foi-se esse simbolismo do mais velho de todos e alguém certamente fica no seu lugar e será sempre assim nesta roda da vida no seu movimento perpétuo. Vai a sepultar na próxima Quarta-Feira, dia de cinzas, no que aumenta o simbolismo e significado da nossa condição de pó que como tal à terra há-de voltar.

Que Deus o tenha em descanso eterno e em paz!

30 de janeiro de 2024

Fonte de emoções

Há muito que me desacreditei da verdadeira utilidade ou motivo fundado das redes sociais, como o Facebook, e assim por entre pausas sanitárias lá vou ganhando fôlego para um novo mergulho e retomando a ligação, já não tanto para beber, que as fontes ou estão secas ou inquinadas, mas apenas como alguém idoso que à sombra de um beiral de uma casita de esquinas coçadas de algumas das nossas aldeias interiores e quase desertas, ainda aponta com sentido de utilidade a direcção certa para uma sítio ou curiosidade que um ou outro turista de roteiro nas mãos procura mas não encontra. - Ali à esquerda, ao fundo daquela vereda e depois a cerca de 100 metros a subir, corta à direita e vai descendo até encontrar do lado esquerdo! Não tem que enganar!

Em suma, já pouco de verdadeiro e de talento próprio que mereça a atenção, ali desagua, mas de quando em vez lá surge um vislumbre de que ainda há gente que para lá do seu umbigo partilha coisas interessantes e em resposta alguém expressa reconhecimento, acrescenta valor ou até se emociona. 

Ainda há dias, fora da lista de "amigos", alguém partilhava por cá um pedaço de prosa do José Saramago, a parte inicial do seu discurso aquando do recebimento do Nobel da Literatura, a descrever os seus avôs e os seus modos de vida e de pensamento parante a mesma, a ponto de dormirem com os porcos pequenos na mesma cama, não por questões de afecto mas tão somente para, preservando-os do frio, aumentar as suas possibilidades de sobrevivência e que depois de criados e vendidos seriam eles próprios pão-nosso-de-cada-dia dos criadores. A este pedaço de prosa, que poucos leem porque mal habituados a frases curtas e grossas, alguém respondeu "...que emocionante". 

Sim, de facto, até eu que não tenho em Saramago a leitura mais favorita, quando já havia lido o seu discurso, deliciei-me de princípio ao fim e também me emocionei, não pela qualidade da escrita mas por toda aquela cena, aquele quadro de vida, ser autêntico e com gente verdadeira. Era na Azinhaga do Ribatejo mas poderia ser aqui em Guisande, no Viso, no Reguengo ou em qualquer outro lugar no tempo dos nossos avôs e bisavós. A vida era de miséria e trabalho duro mas era plena e na mais profunda ligação entre o ser humano, a terra e os animais. Não tenho memória de lá por casa se ter dormido com porquinhos mas dormiu-se várias vezes no aido ao lado vacxa que estaria para parir.

Também eu, de talento escasso face à grandeza de Saramago, poderia aqui tentar descrever cenas desse tempo, de gente dessa cepa retorcida, em que nos poucos momentos em que o corpo não podia recusar o descanso, as noites eram passadas a olhar um tecto de estrelas e apesar da ignorância das letras e das ciências, o homem de antanho questionava Deus sobre todas as coisas e o sentido delas. Se antes de adormecer o corpo cansado era todo ele um poço de dúvidas, logo que volvidas poucas horas e o sol já a despontar pelos pinhais, a bater nas janelas ou por entre as folhas da árvores da horta, tinha na ponta da língua todas as respostas ao que era preciso fazer para mais um dia assegurar a sua sobrevivência e dos seus. Cuidava dos animais e dos filhos com o mesmo peso e medida e das coisas da terra tratava como um mestre, esclarecido e sem dúvidas. Se delas  persistia uma ou outra num momento de distracção dos afazares, à noite voltaria a questionar o Criador. 

A fonte das emoções jorra caudalosa mas são poucos aqueles que dela se abeiram com sede.

Atrás dos sonhos a coxear


Amiúde, porventura com uma frequência que mais que incentivar só banaliza, lá vamos ouvindo e lendo que não devemos deixar de ir atrás dos nossos sonhos e que importa sempre não desistir de lutar por eles. O que não falta nos livros são pensamentos sobre os sonhos, mais ou menos lineares ou filosóficos como o de Fernando Pessoa: "De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos" ou do António Gedeão com o intemporal "O sonho comanda a vida" no poema da "Pedra Filosofal".

Mas qual quê? Todos os sonhos ou só aqueles que é lícito pensar como exequíveis e no tamanho da nossa natural passada? É que também sempre fomos ouvindo como conselho que não é sensato dar passos maiores que as pernas, vender cabritos de cabras que não temos e que quem alto sobe mais dói a queda. Há ainda a fábula do sapo que queria ser boi a ponto de se insuflar até estourar. Como se não bastasse, ainda a realidade pura e dura sempre a dar lições mesmo que nem todos queiram aprender.

Além do mais, ouvir tais conselhos em ir atrás dos sonhos por parte de quem vive num mundo de fantasia, onde as nuvens são cor de rosa como as revistas que existem para falar deles próprios, não é lá grande pistola. Ou isso ou ler com todas as letras em livros de auto-conhecimento e auto-ajuda, como se os seus autores sejam gente experiente tanto na na caça aos sonhos como aos gambuzinos, desinteressada e metida a distribuir incentivos como a repartir fortunas ou a ensinar os truques e segredos de como as alcançar. Sempre fiquei de pé atrás quanto a maluquinhos que vendem a troco de tostões curas milagrosas, receitas milionárias, galinhas de ovos de ouro, heranças de príncipes tribais africanos, etc. Mas isto sou eu e poucos mais, porque no geral o que não faltam por aí é vítimas de sonhos, de aldrabices, contos do vigário, vendedores de banha da cobra, desde os mais suspeitos aos mais respeitáveis atrás de balcões de instituições, bancárias incluídas. Mas pior do que essa gente "preocupada" com os nossos sonhos é haver quem, mesmo acordada e de olhos abertos, se deixe embalar no dorso de unicórnios e cristas de dragões.

Os sonhos, para além dos aspectos e interpretações filosóficas e poéticas, são isso mesmo, sonhados a dormir ou  bem acordados, mas quase sempre longínquos e inalcançáveis que não por sortilégio de muito trabalho, de um grande prémio nos jogos da Santa Casa ou de ambos. Ora nos dias que correm poucos são os que chegam aos calcanhares dos mais ambiciosos sonhos apenas com vontade, trabalho e dedicação. No resto andamos todos a sonhar acordados, a fazer viagens a tudo quanto seja canto neste planeta esférico, a olhar as horas em relógios de ouro, a passar umas noites com as mais belas modelos, a pernoitar nas mais luxuosas suites, a ter segundas e terceiras casas em paraísos turísticos, um portefólio de máquinas como motos, carros, iates e jactos.

Ora, ora! Isso será apenas para alguns, pelo menos para o 1% das figuras que detêm 99% da riqueza mundial, onde talvez para além dos Musks, Gates, Bezzos e Zuckerbergs, estejam por lá o Ronaldo e o Messi. Para os restantes 99% resta-lhes, quando muito, irem sonhando os sonhos dos outros.

Não fora a importância da realidade e do ter ambos os pés bem assentes na terra, e também eu andaria ocupado a correr atrás de certos sonhos. Mas porque raio não sonho em ter fortuna material, casas, carros, motas, relógios e milhões no banco? Logo só me dá para sonhar em voar como as águias, correr como um alazão, saltar como o Spiderman, poder tornar-me invisível, viajar através do tempo, percorrer pelo universo como o Superman, etc, etc, como se fora um dos milhentos herói da Marvel. Que raio de sonhos! É que para estes não há receita que os transformem em realidade e por isso só mesmo sonhando, de preferência a dormir.

Em resumo, a mim, e creio que a todos, bastará ter saúde e ser feliz com o que temos, usando de honestidade e honradez e sem prejudicar os demais, mas haverá sempre quem ache isto sonhar rasteiro e sinal de falta de ambição e daí não surpreende que os sonhos de uns se concretizem com o atropelo e pesadelo de outros. Talvez por isso haverá sempre e cada vez mais no nosso modelo de sociedade ocidental uma legítima justificação dos meiso face aos fins, como parafraseava Maquiavel. Talvez...

29 de janeiro de 2024

O talento já foi chão que deu uvas


O talento pode ser definido como uma habilidade natural ou aptidão excepcional para realizar alguma atividade com destaque, muitas vezes demonstrando facilidade e excelência em comparação com os outros.

Além disso, o talento pode ser inato ou desenvolvido ao longo do tempo por meio de aprendizagem, prática intensiva e experiência. Ele pode manifestar-se em diversas áreas, como artes, desportos, ciências, e muitas outras, contribuindo para o sucesso e realizações individuais. O reconhecimento e cultivo do talento são fundamentais para o crescimento pessoal e profissional de uma pessoa.

Durante muito tempo a expressão do talento era ela própria, inconfundível, intrínseca. Quem o tinha, tinha e quem não, não. Mas desde há alguns anos e sobretudo agora com as ferramentas tecnológicas e a Inteligência Artificial a dar cartas, tanto ao nível do conhecimento em geral como na capacidade de produzir conteúdos gráficos, num instante somos todos artistas e criativos e um qualquer Zé da Esquina que nunca foi capaz da mais singela criação artística, ao nível de uma criança no Jardim de Infância, é agora poeta, desenhador, pintor, fotógrafo requintado, etc.

São, pois, tempos perigosos estes em que os vendedores da banha da cobra misturam-se a fazem-se passar por talentosos criativos. Os Photoshops vieram retocar e transformar o velho em novo e feio em bonito, mas até aí era necessária capacidade e mesmo talento para o processo. Apesar da perversão, são talentosos os pintores que falsificam quadros. Já com a AI (Artificial Intelligence) e com os inúmeros serviços que dela se aproveitam, basta pedir à lista o que se quer, desde um quadro com uma criancinha a dormir com um gatinho, uma paisagem deslumbrante ou exôtica até uma Taylor Swift em poses pornográficas, como tem sido noticiado, com milhões de visualizações, levando a indignações e reacções como a do CEO da Microsoft, Satya Nadella, que afirmou numa entrevista que considera “alarmante e terrível” a perspectiva de começarem a circular imagens geradas por Inteligência Artificial de nudez não consensual. 

Certo é que mesmo apesar das entidades governamentais e reguladores mostrarem que estão preocupadas com as perversidades da IA, a verdade é que a bomba já foi lançada e os estragos são e serão irreparáveis porque a experiência diz-nos que isto não vai parar. Poderia parar numa China, Rússia ou Coreia do Norte, mas não nos países onde a democracia não consegue cortar certos males pela raíz ou desfazer conceitos politicamente correctos. No fundo, para o bem e para o mal, temos que colher o que semeamos.

Neste contexto, neste mundo inundado de "merda talentosa", como diz uma certa cantiga (creio que de José Augusto), "Agora aguenta coração".

28 de janeiro de 2024

Herança dos afectos

Sou resultado de um tempo e de uma educação em que o lugar a carinhos e outras expressões de afectos filiais ou de outra natureza, eram escassos ou distribuídos com parcimónia. De um filho esperava-se que, logo que com passos firmes, cabeça com entendimento  bastante para compreender e aceitar ordens e corpo capaz de suportar tarefas,  fosse mais um criado de servir a casa e ajudar na parca economia arrancada da terra, mitigada nas tetas de uma vaca ou nos ovos que se confirmavam com o mindinho estarem no cu da galinha. 

Era assim no tempo dos nossos pais e antes deles, dos seus e nossos avós. Por conseguinte de uns para os outros foi passando esta herança de poucos recursos incluindo os afectos. Não surpreende por isso que a muitos, a juntar à fome, miséria e trabalho duro, se somassem valentes coças, daquelas que enegreciam o corpo mas que, paradoxalmente, a dar forma ao ditado de que "o que não mata engorda", ajudavam a formar gente dura e resistente ou, como modernamente se diz, resiliente.

Decorre destas ideias de que no geral somos fruto do tempo e das condições dele em cada época da nossa história e sociedade. Uma macieira dá maçãs e uma oliveira azeitonas. É, se quisermos, a ordem natural das coisas e mesmo da natureza.

Pela parte que me toca e creio que dos meus, nunca houve fartura, daquela que mesmo hoje em dia qualquer classificado como pobre, dispõe e até esbanja se não for da sua medida e agrado, mas também nunca se passou fome, nem necessário foi andar descalço, roto e despido, mesmo que as roupas de uns se acomodassem a outros. E também nunca houve maus tratos e coças para além das que hoje em dia faltam por defeito para repor algum sentido de disciplina e responsabilidade. Os afectos esses eram expressos pela sopa com pão colocada na mesa, pela roupa lavada e remendada, por um brinquedo, mesmo que simples, num momento especial, pelo aconchegar a roupa na cama em dia de frio, pelo lugar ao lado da fogueira em noites de frio, pelo rato de chocolate pelo Natal, por uma amêndoa na Páscoa. O resto, abraços e beijinhos, esses eram interiores e não havia tempo para eles. Sentiam-se mutuamente numa centelha espiritual mas raramente física.

Quanto à mão estendida para rectificar a indisciplina, lá sabem agora os novos o que isso é? De resto ainda por estes dias foi notícia de que as autoridades apreenderam nas nossas escolas algumas dezenas de armas entre os alunos (e nestas coisas apenas uma pontinha do icebergue). Além disto, notícias de agressões, como ainda agora no Vimioso, e de alunos a professores, tornaram-se banais e inconsequentes. As escolas, convenhamos, são tudo menos exemplos de disciplina e boas maneiras e mesmo no que ao ensino diz respeito, basta atentar nos resultados, com serviços mínimos ou mesmo negativos. É o que é. Um burro nunca há-de ser cavalo.

Mas onde queria chegar? À questão da herança dos afectos. Se nesses tempos passados foi como resumi, e cada um terá a sua própria memória e experiência, no geral os que assim foram moldados e cresceram raramente são expansivos na  manifestação para com os seus. Não porque não os tenham ou sintam, mas porque os consideram como supérfluos ou mesmo inúteis. De resto os sentimentos na sua essência são invisíveis quanto mais profundos. Se um filho não chora ao lado do caixão de um pai ou mãe é porque a sua dor é interior daquela que dilacera por dentro. Ao contrário, sem qualquer ligação afectiva, é ver algumas carpideiras agarradas aos mortos ou aos vivos num choro e numa dor patéticas e desproporcionadas porque fingidas ou encenadas.

Os tempos mudaram e a avaliar pelo que se vai vendo, nomeadamente pelas redes sociais, parece que hoje em dia é que as pessoas sabem amar e ser carinhosas. É só paixão, amor e carinho, abraços e beijos a filhos, a amantes e namorados, juras de amor, algumas patéticas porque inconsequentes. Mas vive-se disto, destas aparências, e para mal dos nossos pecados no geral não passa de uma teatralização onde se espera que as plateias aplaudam demoradamente. É certo que não será por aqui que virá o mal ao mundo e nestas coisas é como a presunção e água-benta que cada um toma a que quer, mas o artifício, como o fogo dele, é sempre efêmero, mesmo que deslumbrante e colorido por uns lapsos de segundo.

26 de janeiro de 2024

Há dias assim


Ele há dias em que damos connosco próprios a questionar do motivo do sentido da nossa existência, senão na vida, pelo menos naquele instante, tal é o peso da indiferença e o vazio que se sentem. Se estamos aqui já pensamos em estar ali, mas se lá chegados logo uma vontade de estar acolá e mais além e assim em todos os lugares e em lugar nenhum ou, numa divina ubiquidade, a de estar em todos simultaneamente. Mesmo se nos dispomos a fazer algo, físico ou mental, logo surge uma vontade de nada fazer ou porque isso implicará inspiração que não brota, forças que não sentidas ou então por falta da faísca que dá sentido e finalidade às coisas.

Se o tempo está com fraca cara, chuvoso e frio, a coisa quase se justifica à modorra e imobilidade, mas se o tempo está bom, ameno e soalheiro, ainda atentamos em dar uma caminhada, um passeio ou simplesmente ir ao jardim ou à horta ver as rosas a desabrochar ou a fruta a crescer, mas nesses momentos tudo nos parece na mesma e a natureza para nos maravilhar precisa de tempo, noite, dias, semanas e meses e não temos a paciência necessária para a ver dar frutos assim num repelão só porque nos apetece.

Há, de facto, dias assim, em que mesmo nada nos doendo nem preocupando, sente-se um vazio no corpo e na alma ou, então ao contrário, um sentimento de que estamos cheios de nada.

25 de janeiro de 2024

Alguém anda a roubar o meu naco

Segundo dados relativamente recentes da FAO - Organização para a Alimentação e Agricultura, uma agência especializada das Nações Unidas, Espanha e Portugal são os países que a nivel mundial mais carne comem. Estima-se que cada português consome em média 95 Kg de carne por ano, o que dá a bonita parcela de 260 gramas por dia, o que equivale a dois bons bife. Desta quantidade, quase metade corresponde a carne de porco e a restante entre a de origem bovina e de aves.

Faço as minhas contas e, mesmo contando com um ou outro exagero em dias festivos, não consigo chegar nem de perto a esses números e quantidades per capita, desde logo porque habitualmente o peixe entre com regularidade nas ementas cá em casa e mesmo quando carne pouco mais que 100 gramas já limpa de ossos. Além disso, por vezes, muitas, nem carne nem peixe e apenas um simples ovo ou umas pataniscas vegetais. 

Em resumo, as contas são fáceis de fazer e acreditando na FAO chego à conclusão que há muitos anos alguém anda a comer a quota parte a que tinha direito. Que há por aí muitos comilões a irem com frequência ao Zé de Ver, sei que há, mas assim a roubarem descaradamente a minha parte, o meu naco, ficando eu com a fama de comedor mas sem o proveito, é que não! 

As médias nas estatísticas têm esta particularidade, a de pagarem todos pela mesma medida e por elas até os vegetarianos comem carnes.

24 de janeiro de 2024

A palavra de um homem já não vale um molho de grelos

Neste último Sábado, não sei se repararam mas esteve um bonito dia de sol, como já não há algum tempo. Assim, porque isto de pedalar só é prazeroso se pelo menos com sol, lá tirei a bicicleta do sossego e lançámo-nos à estrada.

Ía ali por Cesar, já próximo das onze horas, quando me aproximei de um outro ciclista de fim-de-semana e porque se rolava no plano metemos conversa. Disse-me que já tinha subido e descido a Freita. Como os ciclistas tendem a exagerar  nas suas façanhas, respondi-lhe que também já tinha ido a Arouca e subido à Senhora da Mó, pelo que já trazia uns valentes quilómetros nas pernas e apanhado um frio do caralho. É certo que já subi à Senhora da Mó pelo menos uma meia-dúzia de vezes e mais do que isso à Freita, mas não nesse dia. 

Lá aceitamos como verdadeiras as gabarolices mútuas e com naturalidade continuamos a conversa, de onde era, idade, peso, etc, coisas relevantes para quem pedala. Disse-me que vivia ali pelos lados do Loureiro, de Oliveira de Azeméis, e seria um pouco mais novo e bem mais leve do que eu.

Já na estrada de Vale de Cambra para S. João da Madeira, ali por Pindelo, viu na berma um vendedor de frutas e legumes e ao ver uns bons molhos de grelos disse que ía parar para comprar. Achei estranho e fiquei curioso em como é que havia ele de transportar um molho de grelos até ao Loureiro. Talvez com a saca pendurada no volante, amarrada no quadro ou enfiada dentro da jérsey o que lhe daria um ar de barrigudo, mas que seria seguramente um empecilho. Mas lá parei com ele para assistir ao negócio, até porque também gosto de grelos, mas seguramente que não os compraria ali pela simples razão de não ver como os transportar e ainda longe de casa e com subidas pela frente.

Lá viu os grelos, pediu o preço, e dispô-se a levá-los e já os imaginava verdes, tenros e fumegantes a fazer companhia a uns rojões, mas quando ía para pagar deu conta que não tinha levado a carteira nem dinheiro. Então, porque pretendia ainda ir a tempo de a esposa os meter na panela ao almoço, questionou o vendedor se os poderia levar e que pela parte da tarde teria que ir a Carregosa pelo que passaria por ali e pagaria os grelos. Ora o vendedor, já estranhado por ver um ciclista em calças de licra a comprar grelos na berma da estrada, não lhe confiando na palavra, disse que não poderia fazer isso, que tivesse paciência. Que passasse ali depois do almoço, que ainda deveria ter, e que se quisesse até os reservava. O ciclista, desconsiderado e desacreditado na palavra e porque os pretendia comer ao almoço, desejoso com uma mulher prenha, virou costas e desistiu dos grelos. Pouco depois despedimo-nos. Ele cortou à esquerda  na variante e atalhou para Oliveira de Azemeis e eu para Cesar a caminho de casa.

Pela subida até ao Mergulhão, não pude, entre sorrisos e algum espanto, deixar de rever aquela cena, algo caricata mas que teve um significado profundo, o de que por estes tempos a palavra pouco ou nada vale. Noutros tempos a palavra dada era sagrada e honrada e até se pagaria com a vida se não cumprida, como aprendemos com o quadro histórico de Egas Moniz, aio de D. Afonso Henriques por quem dera palavra ao rei de leão e Castela, Afonso VII, para este levantar o cerco a Guimarães. O jovem príncipe recusou a vassalagem prometida e o aio ficou em incumprimento da sua palavra e honra e desse modo apresentou-se com a sua família de corda ao pescoço perante o rei castelhano, como penhor da sua promessa não cumprida.

 Mas isso foi noutros tempos e de gente que levava a palavra jurada a sério. Pelo contrário, nos tempos que correm a palavra de honra  já nada vale, nem sequer dois euros e meio, o preço de um molho de grelos.

12 de janeiro de 2024

O preço da independência e da honestidade

Tempos houve em que um pouco por todo o país e sobretudo em tempo de eleições autárquicas, entre um vasto caderno de encargos de promessas, como a clássica do instalar na terrinha um Posto Médico com doutores e enfermeiros, alguns candidatos também prometiam que nada ganhariam e que as suas remunerações pelos cargos seriam juntas e depois aplicadas em algo de importante para a freguesia, fosse para uma rua, para um parque infantil, para o clube de futebol ou mesmo para uma sede de uma qualquer associação de bem público. É certo que em rigor era e é pouco dinheiro, sobretudo para os titulares de cargos em pequenas aldeias, e por isso é que tal exemplo nunca foi seguido, parece-me, quanto a presidentes de Câmara e vereadores, porque aí a esmola era demasiado grande para dela se abrir mão, mas nas Juntas, como "grão a grão enche a galinha o papo", diz o povo na sua sabedoria milenar, certo é que alguns lá somaram uns milhares, de contos ou euros, pouco importa ao caso.

Para além da parte demagógica deste tipo de promessas, nunca percebi o verdadeiro alcance desta "generosidade", como se ela fosse necessária e de substância para provar a seriedade e dedicação desinteressada pela causa pública. A meu ver nunca foi precisa, porque a um trabalhador cumpridor e honesto é justo e até um direito universal que se pague o salário ou a remuneração que a lei lhe confere. Por conseguinte um autarca de Junta, seja presidente, tesoureiro ou secretário que por motivos eleitoralistas abre mão das sua remuneração legal a favor de qualquer outro propósito, não será mais honesto e dedicado que os semelhantes que dela não prescindem. 

Ademais, quem não for sério e honesto até pode abrir uma mão dessas verbas e pôr a outra noutras, sem que ninguém descubra ou desconfie das habilidades. Bastará que queira ir por aí. Quem é sério, é serio, e não basta mostrar que se pretende sê-lo ou parecê-lo. Em contraponto, quem usa essa promessa em campanha eleitoral pode até suscitar precisamente o contrário, o de passar por um artista, um habilidoso, um chico-esperto, ao usar esse isco para chamar ao seu anzol votos de gente com pouco sentido de escrutínio. Quem é honesto e competente não precisará dessas habilidades ou expedientes nem de dispensar aquilo a que tem direito.

Seja como for, certo é que com este tipo de posturas e promessas muitos autarcas lá arrecadaram uns votos extra, quiçá decisivos a definir vitórias em eleições.  

Em resumo, e é a esta ideia onde pretendo chegar, ninguém é mais ou menos dedicado pela causa pública, sério e honesto só porque recebe o que tem direito ou decide doá-lo a favor seja de quem ou do que for.

Um pouco neste contexto e pressuposto, estou de acordo com o escritor José Rentes de Carvalho, que aqui há já uns anos, a propósito do poeta Herberto Hélder (falecido em 2015) ter recusado o valor monetário do prémio Fernando Pessoa, porque embora pobre, "não pretendia perder a sua independência", disse que pensando no caso não chegava a conclusão satisfatória, pois era curiosa a noção da fragilidade da própria independência para o premiado acreditar que um prémio literário a podia pôr em perigo. Por isso, digo eu, e porque quem não deve não teme, a independência e honestidade não têm preço mas também não têm que ser à borla nem cimentadas no total despreendimento por vezes trapaceiro. O seu a seu dono dentro da legalidade, justeza e justiça.

11 de janeiro de 2024

Jornada Mundial da Juventude - O pós

A Jornada Mundial da Juventude 2023 teve lugar no nosso país e em Lisboa, entre o final de Julho e  princípio de Agosto passados. Parece que foi ontem mas já decorrido quase meio ano. Ainda ecoam na memória dos portugueses, e sobretudo dos jovens que participaram e se envolveram, o entusiasmo, alegria da partilha e vivência desses momentos em contacto geracional e mesmo inter-geracional com o papa Francisco.

Do mesmo modo e desse contexto, também para as largas dezenas de milhares de famílias que nas pré-jornadas acolheram por todo o país jovens peregrinos provenientes de toda a parte do mundo mas sobretudo da Europa. Foi assim na Diocese do Porto e na nossa comunidade inter-paroquial e em Guisande. Eu próprio e a minha família, acolhemos nessa semana última de Julho, duas peregrinas alemãs de origem vietnamita.

Passado já este quase meio ano e com a poeira do entusiamo assente, é possível analisar algumas coisas que, apenas a meu ver, ficaram aquém de algumas expectativas, pelo menos no contexto da experiência da família com os peregrinos e vice-versa. No global a experiência foi positiva mas, apesar disso, a partilha comum e convivência ao nível da família foi reduzida face ao programa delineado pelas equipas responsáveis (comités diocesano, vicarial e paroquial) o que fez com os espaços e momentos apenas destinados às famílias e jovens acolhidos fossem escassos. 

Em rigor e no geral as famílias foram principalmente agentes de alojamento, proporcionando a custo zero, dormida, comida, serviço de limpeza e transporte. Este ponto do transporte inicialmente foi publicitado apenas como mínimo, pontual e só mesmo para quem pudesse e quisesse mas na prática e na realidade não foi assim e as famílias tiveram que assegurar a maior parte das deslocações de entrega e recolha dos jovens, sempre de acordo com os seus horários.

Falando também pela minha experiência, desde que os jovens seguiram para Lisboa, nunca mais houve contacto de sua parte. Foi de minha iniciativa procurar saber se a viagem correu bem e se estavam a gostar. Depois disso, nenhum contacto de iniciativa dos jovens apesar de disporem dos canais adequados, como o número telefónico, o email e whatsapp. Chegados ao seu ponto de partida, ficaria bem fazerem um resumo da jornada e partilharem por sua iniciatiava com quem os recebeu. Mesmo agora pelas festas natalícias, ainda alimentei a esperança de receber uma mensagem ou um postal das duas raparigas, mas não. Poderia ser eu a fazê-lo? Podia, mas convenhamos que há alguns princípios que devem ser cumpridos e na nossa terra não fica bem andar com o carro à frente dos bóis.

Não há, todavia, qualquer arrependimento, até porque se havia expectativas num sentido de mais tempo para a convivência, pessoalmente nunca as tive a este nível do posterior contacto, agradecimento e reconhecimento. Eventualmente aconteceu com outros e de resto certamente que a percepção das experiências foi diferente de família para família.

Em resumo, as coisas são como são e no geral, admitamos, os valores da boa educação e do reconhecimento não são propriamente coisas que façam parte da bagagem desta moderna juventude. No geral nunca lhes faltou nada e no seu dia-a-dia dão tudo por adquirido e feitas as contas, nós, os que recebemos e estivemos durante uma semana ou mais ao seu inteiro dispôr, com cama, mesa, roupa lavada e transporte, é que temos que lhes agradecer e de os contactar. É cultural e quanto a isto não há volta a dar. Desvalorizando estas particularidades, fica para a história o que aconteceu e que, mesmo com esses ónus e encargos das famílias, os jovens levaram, pois levaram, uma boa e inesquecível experiência, de Guisande e certamente de todos os locais onde estiveram alojados. Afinal, nada lhes faltou!

9 de janeiro de 2024

Striptease

Isto de escrever para o público ler, seja ele composto de familiares e amigos, ou gente que nos tem em pouca conta, ressabiados, mesmo inimigos ou gente de toda a espécie, a farinha com que se amassa o público anónimo, tem que se lhe diga porque acarreta responsabilidades, comprometimentos e até riscos. Bem o sei e não é de agora esta conclusão, mas também pouco me incomoda porque se fosse a ter em conta apenas os inconvenientes há muito que teria deixado de escrever ou então apenas para uma espécie de querido diário de adolescentes, destes a que se coloca uma fechadura com segredo para que permaneça quanto possível como coisa escondida, íntima.

Quem passa os pensamentos e ideias próprias para o papel e os publica, seja em livro, jornal ou mesmo nesta janela aberta ao mundo da internet, redes sociais, blogues, etc, é como fazer um constante striptease expondo-se aos olhos dos observadores curiosos e afins ou, num inglesismo moderno e parolo, aos voyeurs. Há quem veja estas coisas apenas por mera curiosidade e sem lhes dar demasiado significado mas também os que com fascínio, admiração ou até excitação.

Neste palco público, mesmo que por linhas tortuosas, meias palavras, metáforas ou analogias, quem escreve acaba por pintar o seu auto-retrato e a quem observa nem é preciso formação em leitura de personalidade para perceber aquilo que é, das coisas mais triviais como o gostar de uma feijoada à transmontana até às mais intimistas como apreciar numa mulher determinadas bençãos físicas, o pensamento religioso, filosófico, passando pela simpatia clubista, partidária, ideológica, etc.

Em todo o caso, importa ter em conta que não devemos negar, esconder ou dissimular aquilo que somos e na convicção de que não devemos ter vergonha, receio ou baixa estima da nossa forma de ser, de estar e pensar. Pelo contrário, mal daquele que age apenas em função dos outros e das suas considerações, preconceitos e julgamentos. Mas há, e muita, gente dessa, incapaz de expressar publicamente uma ideia, uma opinião, um pensamento, como se constantemente castrados, condicionados, envergonhados, sempre cautelosos em cada passo dado, em cada palavra proferida. Gente que se auto açaima, com medo dos demais mas sobretudo de si próprios. Desse tipo de gente nada se espera, nenhum contributo, por mais simples e banal, para o exercício da liberdade própria e colectiva. Fôssemos todos dessa massa e não haveria na história do homem e da humanidade as grandes criações artísticas, filosóficas ou tecnológicas que no seu todo contribuiram ao longo do tempo para o progresso civilizacional. Ainda bem que gente houve e há a pensar, a contestar, a experimentar, a criar, a ser progresso.

Posto isto, entre um constante striptease com todos os prós e contras e um remetimento íntimo e castrado, creio que os prós são mais que muitos e densos o suficiente para desequilibrarem a balança que pesa e mede as decisões. Podem, pois, por enquanto, passarem por este palco onde há striptease, incluindo dança do varão, onde há lugar à opinião e pensamento próprios, mesmo que vulgares, rudimentares, goste-se, concorde-se ou não.

5 de janeiro de 2024

É a vida! É necessário que haja acomodados

Uma certa figura pública da área da televisão, por quem tenho algum apreço, colocava no seu facebook uma questão em que procura reflectir sobre os desafios da mudança a nível profissional, tanto para quem quer subir como para os que estando já no alto do colectivo pretendem autonomizar-se. Respondi:

É como na política: "Pessoas que se encontram no mundo corporativo, grandes empresas, multinacionais e querem deixar para desenvolver projetos de menor dimensão onde possam ter mais responsabilidade e autonomia ou querem arrancar com projetos próprios", se algo não lhes correr bem, raramente têm que lidar com o desemprego e problemas de estabilidade financeira. Os políticos e quem passou por cargos públicos, esses é garantido. Já quem de baixo procura subir fica mais susceptível à "queda". 

Quanto ao resto, a generalidade das pessoas, tem mesmo que se acomodar no emprego, mesmo que não goste do que faz ou como faz. É a vida! Tudo o que foge desta regra são as excepções que a confirmam, que mais não seja para emprestar um certo lirismo à coisa, motivo a filosofias e argumento para livros de auto-ajuda e estima. Bom ano!

Resumindo: Atribui-se a Salazar a sentença de que "É necessário que haja pobres!". Não concordando, mas admitindo que é uma inevitabilidade do nosso sistema capitalista, direi sobre este propósito e sobre a questão da tal figura pública, que é necessário que os haja, não pobres mas acomodados. Não os houvesse nas profissões perigosas, desgastantes, pesadas e sujas, quem suprimiria esses trabalhos? Só quem tem como gente real o Pai Natal e o Peter Pan é que porventura acredita que quem ganha bem em serviços leves, limpos, aliciantes e bem remunerados se sujeitará a eles.

É a vida!

31 de dezembro de 2023

Luz sobre as trevas

E pronto! Com este dia derradeiro de 2023, terminado está mais um ano que, no início do mesmo, milhares, milhões de pessoas em todo o mundo quiseram, de copo na mão, augurar como próspero, repleto de saúde, paz e amor. Infelizmente, para além do lado ritual que se repete vez após vez, os anos, todos eles acabam por ser iguais. Porque serão sempre de prosperidade, saúde, paz e amor para muitos mas o contrário para outros, porventura mais. Assim continuamos com guerras violentas no coração da velha Europa, no Médio Oriente e noutros pontos do planeta, e com regimes a dar passos para que ela se torne ainda mais global. 

Bastariam as diatribes da natureza e das suas forças indomáveis para já nos castigarem suficientemente de tragédias, mas o homem teima em acrescentar a esse cardápio o pior lado de si próprio, o da sua natureza humana.

Posto isto, por mais votos sentidos, sinceros ou meramente formais e rotineiros que façamos às derradeiras pancadas do relógio à meia-noite, e já sob o estourar e estrelejar de foguetes, tudo será mais do mesmo em que a tragédia andará a par dos deslumbramentos da humanidade no seu lado bom.

Mesmo assim, sim, votos de que o lado bom da vida e das pessoas, o da luz, se sobreponha ao seu lado negro, o das trevas.

21 de dezembro de 2023

Perfeitos na imperfeição

Não sou perfeito e ainda bem! E todos nós! Afinal a natureza é ela própria imperfeita, se não na sua essência pelo menos na forma como cada um de nós, ínfima criatura, a vê, a define e julga. 

Somos em grande parte uma súmula de egoísmo, o querer sol na eira e chuva no nabal. Incomoda-nos que no dia de uma nossa festa chova mas não nos ralamos se tal acontecer no divertimento do vizinho. Vemos com a nossa miopia o pequeno defeito nos semelhantes mas nem com lentes de aumento os descobrimos em nós. 

No resto, se admiramos com deslumbramento as belezas da natureza e da sua criação, no mundo animal e vegetal, porque raio tem que haver terramotos a rasgar a terra e a derrubar as nossas criações, tempestades a fustigar mares e terra e vulcões a vomitar fumo, cinza e lava? Porque não apenas amena calmaria e doces bonanças ou, se mesmo necessárias essas diatribes, porque não mais suaves, benevolentes?

Resulta de tudo isto que a perfeição talvez seja precisamente o equilíbrio destas duas realidades. Quanto a mim têm razão os orientais com a filosofia taoista do Yin-yang, que expõe a dualidade de tudo quanto existe no universo e por arrasto na natureza, da terra e nossa. Por ela são descritas as duas forças fundamentais que se opõem e complementam entre si.

Somos assim perfeitos na imperfeição, satisfeitos na insatisfação, murchos na erecção.

15 de dezembro de 2023

Sem crescimento, sem multiplicação

Há dias, a propósito da tradicional benção dos bebés de colo e de mulheres grávidas na missa da Imaculada Conceição, 8 de Dezembro, data para muitos considerada como o Dia da Mãe, ficamos a saber, pelo menos a ter em conta quem acedeu ao convite e participou, que a nossa freguesia de Guisande tem apenas uma mulher grávida e uma criancinha nascida neste ano da graça de 2023. Mas no dia seguinte, Sábado, afinal apareceu mais uma bebé, que ali foi baptizada.

Em resumo, mais coisa menos coisas, os dedos de uma só mão são suficientes e sobram para contar os bebés que nascem em Guisande em dois anos. Creio que não exagero ou então ando a leste de quanto ao que por cá vai decorrendo no desígnio bíblico do "crescei e multiplicai-vos".

Já o tenho escrito por aqui e não vou de novo esmiuçar razões para este problema de baixa natalidade, que nem sequer é só nosso, da freguesia e do país. É sobretudo da Europa, da nova, porque da velha era gente à fartazana, agora a desertificar-se de naturais, abrindo assim espaço, políticas e metas para poder abrir as portas ou as pernas para uma imigração sobretudo muçulmana, desmesurada e com pouco escrutínio de integração no mercado do trabalho, mas também cultural, social e mesmo religiosa porque invariavlemente a querer impor-se e sobrepor-se. Adiante!

Resulta daqui, que este rio caudaloso de motivos e realidades desagua num mar tempestuoso e de muitas incertezas. A nossa freguesia está a perder população, por isso com falta de crianças, gente nova e daí o inevitável envelhecimento da população. É certo que nos últimos anos construiram-se uma meia dúzia de novas habitações, supostamente com gente jovem capaz de alargar a família, mas por outro lado e em contraponto, são mais as casas que vão fechando, porque velhas e sem moradores ou então casas onde só vivem velhos, viúvos e viúvas, desamparados na sua solidão.

É o que é! Deste modo qualquer projecto ou ideias de grandeza para esta terra choca paradoxalmente com este encolher anual da população. Ademais, dos que vão resistindo poucos são os que mostram vontade e capacidade em qualquer esforço de inversão. Assim seguimos irremediavelmente condenados à extinção, como em tantas aldeias no nosso interior desertificado. Certamente que já não estarei por cá nessa altura mas por ora parece-me uma fatalidade incontornável. O contrário, mas contra-natura, só mesmo com uma nova invasão árabe ou africana.

14 de dezembro de 2023

Blackout ao Natal mágico

Estamos tão dependente dela, para ajudar a matar o pouco tempo que nos sobra do lufa-lufa do quotidiano, que não a dispensamos. A televisão tornou-se companheira e substituta de gente e em muitos lares é a única voz que se ouve na solidão de quem vive só, por opção ou por fatalidade. 

Pessoalmente sou fraco consumidor de televisão. Apenas algum serviço noticioso, comentários e análise das actualidades, depois alguns documentários, alguma música clássica um ou outro episódio de uma qualquer série, sobretudo de comédia. Filmes, raramente e apenas os climaxes finais. O futebol nunca me prendeu, mas porque definitivamente sem paciência para essas chuvas no molhado, deixou, quase definitivamente, de fazer parte do cardápio e apenas um ou outro resumo da coisa já acabada só para me sentir informado o bastante.

Mas tantas vezes chego à conclusão que em rigor nem vejo televisão porque o mudar de canal (dizem que zapping) é constante na procura do que poderá ter interesse e naquelas duas centenas de canais, ou por aí, poucas vezes dou de caras com algo que me prenda a atenção e, pasme-se, por vezes paro nos canais chineses. E se encontro algo de interesse, tantas vezes constato de seguida que é algo que já se viu, sim, porque na nossa televisão as coisas repetem-se vezes sem conta como o "Sozinho em Casa" na proximidade do Natal.

Em todo o caso, e era aqui que queria chegar, por estas alturas em que está na mira o Natal, e que nas televisões começa bem cedo, com bombardeamento de anúncios de produtos de mercearia, relógios, perfumes, carros, chocolates, etc, etc. Creio que, passe o humor negro, nem em Gaza há um bombardeamento tão persistente. Por conseguinte imagino, sem que ponha em prática, como seria bom desligar as nossas televisões no dia 1 de Dezembro e só as voltar a ligar já perto do Carnaval. Uma espécie de blackout sanitário. Poderia custar nos primeiros dias, como qualquer desabituação, mas depois os benefícios seriam sentidos. Assim como uma espécie de desintoxicação.

Mas é esquecer, porque na realidade o que estou a dizer ou a imaginar, para a larga maioria das pessoas consumidoras, a coisa cheira a heresia. Então como havia de ser nas salas de espera de centros de saúde, hospitais, cafés, restaurantes, etc, etc? Como é que a juventude sem a Netflix e semelhantes? E de que maneira os adeptos fanáticos iriam passar o mês sem assistir a jogos do Porto e Benfica e às análises na CMTV com os broncos do Rudolfo Reis, Fernando Mendes e outros que tais? E os idosos, sozinhos em casa, sem ouvir as missas e aquelas coisas intermináveis nos domingos à tarde num desfile de cantores pimba e venda de chouriços? E com que depressão ficariam se inibidos de assitir ao "Preço Certo" e às piadolas do Fernando Mendes? E em que companhia fariam as domésticas o almoço, sem Gouchas, Cláudios, Sóninhas, Gabriéis e outros da mesma igualha, a falarem da vida deles próprios e de vidas alheias? Poderia lá ser! Era o fim do mundo!

Continuemos, pois, a estimar a nossa querida televisão até porque como nela nos dizem repetidamente, que este Natal vai ser mágico!

13 de dezembro de 2023

No país das replicações - Estamos nesta

Anda por aí uma febre desmesurada, que não é de agora, mas tão nossa, genuinamente portuguesa, a de copiar e replicar coisas e eventos que vemos e invejamos no vizinho ao lado, na freguesia, vila, na cidade ou no estrangeiro. 

Nesta onda do "também nós podemos e somos capazes", são mais que muitas coisas que têm sido replicadas. Senão veja-se: São os baloiços, implantados em tudo quanto é portela, monte ou serra; Os passadiços, essas estruturas em madeira começaram a ganhar e a galgar terreno e como serpentes estão já em todo o lado, tanto em escarpas imponentes e desfiladeiros só acessíveis a águias e abutres como a bordejar insignificantes ribeiras e charcos.

Mesmo as pontes que para nada servem senão para entretar e pôr à prova medos ou coragem de turistas, também já são negócio de milhões e se Arouca tem miseráveis caminhos de cabras promovidos a estradas e aldeias sem redes de água e de esgotos tem uma dessas maravilhas da engenharia das coisas suspensas.

Também os eventos de entretenimento ditos de época estão na moda e assim temos viagens, festas e feiras romanas, medievais, napoleónicas, mercados recriados como os que se fazim nos tempos dos nossos bisavós e outras que tais em várias aldeias, vilas e cidades; Mesmo por cá na nossa Feira, de vaidades, não fazemos a coisa por menos e desde a interminável churrascada da Viagem Medieval no Verão à sombra do castelo que se desmorona no Inverno,  temos ainda o mundo do faz-de-conta chamado Perlim, a entreter crianças e adultos, também a condicionar trânsito e acessos a quem tão somente quer ali pacatamente à baixa tomar chã e comer fogaça.

A criançada também não está dispensada destas réplicas e já não faltam, por tudo quanto é sítio, parques temáticos, vilas natais, feiras e feirnhas, mercados e mercadinhos de Natal, dos mais sofisticados com arenas de gelo aos mais simples; Depois, mesmo que a perder espaço, porque o Natal já pouco tem de religioso, há ainda os presépios, simples à moda napolitana com figuras de barro sobre cascos de cortiça atapetados de musgo, aos mecanizados ou com figuras ao vivo.

As iluminações, essas coisinhas a piscar, coloridas e brilhantes, em que as autarquias gastam balúrdios do orçamento a enfeitar pinheiros naturais e artificiais, a arcar ruas, praças e largos, a delinear cruzeiros, capelas e igrejas, são já atracção em várias cidades e para elas organizam-se excursões com dezenas de autocarros cheios de curiosos. Em Vigo, Espanha, por tanta afluência de locais e sobretudo portugueses, a assistir a esse céu brilhante tem sido um inferno para os moradores, com ruas entupidas de multidões, mesmo a ponto de obstacularizar o normal fluxo do trânsito e até mesmo situações de emergência médica; Por cá e para cá há excursões e filas de trânsito para entrar em Águeda e em Óbidos, propagandeada como Vila Natal, no que tem sido um quebra-cabeças e dores de cornos e filas intermináveis nas bilheteiras e nas ruas apertadas para sentir essa coisa tão larga e comercial traduzida como espírito de Natal; 

Estamos nesta! 

Mas a coisa não se fica por aqui e mesmo no entretenimento desportivo as provas de corridas, com designações parolamente a abusar dos inglesismos, são um negócio da china e é ver os calendários nas empresas que as organizam, promovem ou controlam para ver que do Minho ao Algarve, dos Açores à Madeira, são mais que muitas e todas a reunir rebanhos de atletas, dos verdadeiros e vitaminados aos aspirantes, dos que acabam as provas em passo de lebre como se quenianos ou etípoes, aos que as terminam com horas de atraso e sofrimento nas pernas e no rosto mas com a mesma publicitada satisfação de um épico dever cumprido. Desde Lisboa ao Porto, do litoral ao mais humilde lugarejo no Portugal interior desertificado, todos querem ter a sua prova de corrida ou trail.

Estamos e continuamos nesta!

E tudo isto é positivo? Ou negativo? Nem sim nem não, antes pelo contrário, até porque tudo se resume a ganhar e gastar dinheiro, esse binómio que dizem que faz movimentar as rodas do mundo e a engrenagem da sociedade, mas é sobretudo um exagerado exagero e a prova provada que hoje em dia, muito à conta das modas, das tendências (trends) e redes sociais que as ampliam e dão espaço aos egos colectivos e individuais, damos um excessiva e desmesurada importância às coisas, mesmo às que a não tem, a ponto de nos surpreendermos com a mais insignificante, corriqueira ou normalíssima delas. 

Estamos nesta! 

Compreendo que assim seja e será, mas para quem tem já muito caminho trilhado e já viu de tudo e de muito, começa a faltar a paciência para estas novas réplicas de replicações. Andamos por aí a apregoar que a China não sabe mais que copiar o que os outros fazem, desde um isqueiro a um avião, passando por relógios e mercedes, e nós, pobres tugas, nesse campeonato de copiar e replicar damos cartas e deixamos os chineses, eles próprios, de olhos em bico.

Estamos nesta!