28 de outubro de 2022

Estas coisas só acontecem aos vivos


E de repente, sem grandes alaridos, são mais que muitos a contactarem preocupados para saberem da minha estadia no hotel do SNS. Não só familiares, naturalmente, mas muitos amigos. 

Não é caso para tanto, e tudo esteve sempre bem, mas fico naturalmente satisfeito com a preocupação por muitos demonstrada. Sabe bem ter amigos sinceros. Bem hajam.

Quanto ao hotel do SNS, recomenda-se sobretudo pela excelência do pessoal, nomeadamente dos enfermeiros (em rigor das enfermeiras), do pessoal auxiliar e dos médicos, embora estes pouco se vejam.  E tudo gente jovem. E além disso, porque quase todos vestidos da mesma maneira, quase indiferenciados, não sabemos a quem chamar doutora ou enfermeira, Os médicos parece que usam agora umas batas iguais às que usam os serralheiros. Modernices e as batas brancas já são ali raras, talvez porque se sujem , tanto mais depois de 12 ou mais horas de serviço.

Não vi por ali profissionais seniores, como agora se diz.  Esses, porventura  já com menos paciência para as tropelias e desconsiderações do Ministério, deram à sola para sítios mais bem calmos e melhor remunerados. Vi por ali muita gente a fazer mais de doze horas, no fundo a queixarem-se tanto como os doentes com dores de costas, ossos partidos ou falta de ar.

Em rigor, todos aqueles dedicados profissionais também estão ali eles próprios em urgência, não nas macas nem ligados a ventiladores ou a soro, mas feridos na sua dignidade.

Gente boa, preocupada, simpática e atenta. Não fazem mais porque os meios são insuficientes e os hóspedes são muitos e não se pense que só velhinhos ou meias idades, mas também alguns jovens, naturalmente que por diferentes motivos.

Dos quase três dias ali internado, colhi sensações, emoções e realidades com significado fundo, que se os for a escrever, darão um livro.

Mas isto é coisa de quem gosta de adornar as palavras e as ideias a descrever emoções, sentimentos e estados de alma. No geral, um hospital e o seu serviço de urgências não se compadecem com lirismos.

O SNS é tão importante e necessário quanto a dimensão da sua doença e dos seus problemas crónicos,  porque os que lhe têm tratado da saúde (os sucessivos governos) têm sido, em regra, maus profissionais. Quando assim é, o SNS é ele próprio um doente em permanente serviço de urgências.

25 de outubro de 2022

Na dor e alegria, presente.

Cada um, e de modo especial a família, sentirá como lhe aprouver. Pessoalmente achei significativo que o nosso pároco, Pe. António Jorge, mesmo depois de uma queda que o maltratou, e por isso em confessado e nítido esforço e desconforto físico, fizesse questão de ser ele a celebrar ontem a missa de exéquias pela Maria Isaura da Conceição, e assim de algum modo partilhar a dor dos familiares, reconhecendo e considerando simultaneamente o papel e acção que alguns elementos da família sempre souberam dar à paróquia e à comunidade.

Ora isto nem sempre acontece em diferentes situações da nossa vida e quotidiano, e tantas vezes, mesmo com trabalho e dedicação desinteressada, até mesmo com prejuízo próprio, no final das contas ainda somos rotulados com o mesmo carimbo com que despachamos os maus da fita.

Por isso sabe bem este apoio e esta proximidade, tanto mais num momento de dor. Certamente que a família o sentiu, de modo particular, permita-me, o António.

Bem haja, Pe. António!

24 de outubro de 2022

O oleiro do tempo

Deixem-me, amigos, que vos diga,

O tempo, esse nunca volta p´ra trás,

Um ano, um mês, sequer um dia.

Os anos têm um peso que fustiga,

Que da frescura viçosa dum rapaz

Transforma-a em doce melancolia.


O tempo é assim, um laborioso oleiro

A moldar o barro de que somos feitos,

Inacabados desde o momento primeiro

Como vasos a girar na roda, imperfeitos.

23 de outubro de 2022

Nota de falecimento



Faleceu Maria Isaura da Costa Conceição, de 60 anos de idade (5 de Maio de 1962 a 23 de Outubro de 2022), do lugar do Viso - Guisande.

Nesta hora de pesar, expresso sentidos sentimentos a todos os seus familiares, de modo particular a seus irmãos, nomeadamente ao António, de algum modo, desde há muitos anos, no papel de irmão, cuidador e pai.

Cerimónias fúnebres amanhã, Segunda-Feira, 24 de Outubro, pelas 17:00 horas, na igreja matriz de Guisande, indo no final a sepultar no cemitério local. O corpo estará em velório a partir das 15:00 horas.

Missa de 7.º Dia no próximo Sábado, 29 de Outubro, pelas 17:30 horas na igreja matriz de Guisande.

Que descanse em paz! Deus a tenha em sua companhia!

21 de outubro de 2022

Quadro cinzento



No céu da velha Europa

Há névoas a amortalhar a plenitude

Da liberdade conquistada,

De cada homem, mulher, criança,

Como se toda fora vã a esperança,

A de viver, somente viver.

Já não há neste jardim a quietude

De uma rosa fresca cheirada,

De uma carícia desejada,

De um sol morno pela manhã,

De um retempero fraternal.

Há uma ânsia desmedida

A de ceifar a vida, a esborratar

A frescura de um desenho infantil,

Devastando as coloridas flores mil

Pintando um triste e vil excremento

Num quadro só de cinzento.

20 de outubro de 2022

Sem pressa



Que adianta ao homem ter pressa

Numa constante busca do incerto,

Quando, afinal, o que lhe interessa

É de si próprio estar bem perto?


A ânsia, perturbada, desmedida,

É uma névoa espessa de fatalidade,

Que num ápice nos absorve a vida

A devolver-lhe toda a efemeridade.


Um após outro, seja firme cada passo

Num caminhar sentido, de peregrino;

Não haja esmorecimento ou cansaço,

Mas tão somente o esperado destino.

19 de outubro de 2022

Fonsecas de Cimo de Vila

 



A minha mãe, Eugénia, é filha de Américo José da Fonseca, de Cimo de Vila, e de Lúcia Alves, do Outeiro. 

Quanto à sua mãe, minha avó, Lúcia Alves Moreira, faleceu quando ela era ainda tenra criança. Já o seu pai, meu avô,  nasceu em Março de 1919 e faleceu em Julho de 2001, sendo um dos vários filhos de Raimundo José da Fonseca (meu bisavô), do lugar do Carvalhal, freguesia de Romariz, e de Margarida da Conceição (minha bisavó), do lugar das Quintães da freguesia de Guisande. 

Este meu bisavô materno, Raimundo José da Fonseca, nasceu em 17 de Outubro de 1884 e faleceu em 17 de Novembro de 1929, muito jovem, apenas com 45 anos.

Por sua vez, era neto paterno de Manuel José da Fonseca e de Margarida Rosa de Jesus e neto materno de Manuel Ferreira da Silva e Ana Maria d´Oliveira (todos estes meus tetra-avôs maternos)

A minha bisavó materna era filha de António Caetano de Azevedo e de Maria da Conceição, do lugar das Quintães - Guisande. Quando casaram em 9 de Maio de 1907 ele tinha 22 e ela 21 anos de idade.

O meu bisavô Fonseca trabalhava com o pai e com alguns irmãos, sendo  afamadas mestres e oficiais de pedreiro e cantaria, tendo realizado em vários locais diversas obras de cantaria e escultura da mais fina traça. Terá sido ele a realizar a fonte existente na sacristia da nossa igreja matriz bem como a capela mortuária da Casa do Moreira, existente no nosso cemitério e ainda o jazigo de meus avôs paternos, com uma imagem de Nossa Senhora esculpida em mármore sob uma espécie de capela em granito assente em quatro colunas. Similar a este modelo tem de sua autoria um trabalho no Cemitério Paroquial de Fermedo - Arouca.

Naturalmente que tenho muitas memórias dos tempos de criança ligadas a este ramo familiar materno e por conseguinte ao lugar de Cimo de Vila onde tinham casa a minha bisavó - que depois passou para a filha Laurinda - o meu avô e o irmão deste, o Joaquim, cuja casa acima está na fotografia.

Esta casa, ali à face da Rua de Cimo de Vila, está naturalmente velhinha, mas dela tenho várias e boas memórias porque por lá passei muito tempo da minha infância, já que a minha mãe, presa aos trabalhos da casa e do campo, e por essa altura já com três filhos pequenos (eu, o meu irmão mais velho, o Joaquim, e o Manuel, que me segue na idade), deixava-nos ela entregues à minha bisavô Margarida e muitas vezes às suas primas, que ali naquela sua casa trabalhavam como costureiras. Recordo-me, pois, de muitas vezes ali subir à parte de cima daquela espécie de torre e passar as horas entretido a brincar com paninhos e botões e a desfolhar revistas da Crónica Feminina ao som de um pequeno rádio.

Não raras vezes, acompanhava a Ti Ilda Fonseca, prima de minha mãe, bem como a minha bisavó, a que chamávamos mãe Guida, ao Souto D´Além, já a caminho de Cimo de Aldeia - Louredo, onde enquanto apanhavam tojo e carqueja eu brincava  a construir casinhas de pedras e musgo. Outro sítio recorrente de brincadeiras infantis, era o campo da porta e na eira ali bem junto àquele canastro do lado sul da casa. A marginar esse campo, existia um rego que pelo Verão trazia a água da abundante fonte de Cimo de Vila, onde eu montava rodízios de bugalhos e largava barquitos de papel que acompanhava como timoneiro atento já quase até à descida para as Barreiradas, quando o dito "rio" dobrava o muro da Cancela que acompanhava.

Claro está que o largo fronteiro, era palco de habituais brincadeiras e chutos na bola com vários rapazes do lugar, e toda aquela zona envolvente, com a tal casa das primas de minha mãe, a do meu avô e a da minha bisavó, e ainda o amplo campo da Cancela, onde os meus pais também tinha uma parte por herança, eram no conjunto uma espécie de presépio bucólico e do qual tenho fortes lembranças, mesmo que já gastas pelo tempo, tal como a casa.

Muitas coisas mudaram de lá para cá por parte desta cepa de Fonsecas. Faleceu a minha bisavó (já era eu adolescente), o meu avô, os meus segundos tios, a Laurinda Fonseca e o marido Alexandre, e antes deles o Joaquim Fonseca e a esposa Albertina e já alguns filhos destes como o Hilário e o Alexandrino e mais recentemente a Conceição e a Alzira (esta há poucas semanas). Desse ramo dos Fonsecas de Cimo de Vila ainda andam por cá a Ilda, a Celeste, a Idília, a Madalena e o Abel - julgo não ter esquecido mais alguém - , todos irmãos, primos de minha mãe, por isso meus segundos primos. De todos os Fonsecas de Guisande, têm ali em Cimo de Vila a sua origem.

Somos oito irmãos e nem todos ficaram com o apelido de Fonseca. Pela minha parte herdei-o logo a seguir ao nome. De resto, Américo Fonseca, como o meu avô materno e também meu padrinho.

Somos, pois, Fonsecas, com raízes conhecidas em Romariz, porventura mais além, mas os apelidos são como os pássaros, andam por aí de lado para lado, sem poiso certo mesmo para fazer o berço dos filhotes. Uma vezes, como as andorinhas, até regressam ao mesmo ninho, outras vezes, na maior parte delas, vão e não voltam.

As memórias, essas também parecem ter asas e permitem-nos voar e ver as coisas de cima, como uma velha casa, um largo, um lugar. Cerrando os olhos, avivando a chama das memórias, ainda será possível ouvir crepitar na fogueira do tempo, por ali, naquele lugar, os gracejos e algazarras da criançada, que por esse tempo em Cimo de Vila era em mais quantidade do que agora em toda a freguesia. Outros tempos, naturalmente.

Se recordar é viver, também é voar sobre as velhas memórias.