15 de janeiro de 2025

Mais do que poupança, o valor da proximidade

 

A propósito dos encargos do Estado  com as juntas de freguesia e assembleias de freguesias, em que se tem vindo a espalhar a ideia de que o sistema de união de freguesias permite poupanças significativas, e que de resto esteve na origem da Lei Relvas, porque apenas em pressupostos de poupança, é praticamente uma falsa questão ou mesmo falácia, porque senão uma mentira, os valores diferenciais em causa são pouco significativos ou mesmo ridículos.

Por exemplo, tomando como comparação a nossa União de Freguesias, basta pegar na Tabela dos Abonos dos Eleitos Locais, para este ano de 2024 e fazer as correspondentes contas: Sabemos que a nossa União estará ainda no patamar de 5 a 10 mil eleitores (creio que ainda não ultrapassou esse número), que temos um presidente em regime de tempo inteiro, por isso com um vencimento de 12 + 2 meses a 1556,86 euros e ainda acrescentado de despesas de representação de 467,06 euros por 12 meses.

Por sua vez, o secretário e tesoureiro vencem 262,24 euros por 12 meses e os 2 vogais apenas têm senhas de presença nas reuniões de junta, creio que ainda duas por mês e por 11 meses, considerando um mês de férias. O valor da senha de presença é de 22,95.

Por sua vez, os 13 elementos da Assembleia de Freguesia, considerando 4 reuniões ordinárias ao ano têm por cada presença uma senha de 16,39 euros.

Os 2 vogais da Junta têm igualmente senhas pela participação na Assembleia de Freguesia.

Grosso modo, não falhando as contas, as despesas anuais de abonos com os membros da nossa União, Junta e Assembleia de Freguesia andarão pelos 36 mil euros.

Fazendo as mesmas contas mas considerando a situação das quatro freguesias desagregadas, a poupança conseguida com a União é apenas de cerca de 8 mil euros. Ora parece-nos que 8 mil euros de diferença, 10 que fossem, parece irrisório e que por si só não é argumento para se ter feito a união de freguesias.

Não obstante, destas contas, se é certo que existe uma poupança mesmo que irrisória, verifica-se uma perda significativa, que é importante e que deve ser tomada em conta porque dela resulta precisamente a tal perda de proximidade entre eleitos e eleitores. Veja-se que no actual quadro de união de freguesias existem 18 eleitos, 5 na Junta e 13 na Assembleia de Freguesia. Pois bem, na situação das quatro freguesias desagregadas, os eleitos são 40, mais do dobro, e desses há 4 presidentes, 4 secretários e 4 tesoureiros, ou seja, eleitores locais em maior número em cada freguesia e que por isso contribuiem para uma maior proximidade e mais gente ao serviço, capaz de melhor se desdobrarem nas diferentes necessidades e contacto com as populações. Por exemplo, na actual União, Guisande tem apenas uma vogal, sem competências de importância. Com a desagregação a JUnta passa a ter presidente, secretário e tesoureiro próprios. Quem pode negar esta realidade e dos ganhos inerentes a um maior desdobramento de proximidade?

É difícil perceber? Daqui que tenho dito e escrito que a vantagem da desagregação não é tanto pela contabilidade e números, em que mesmo nestes não há perda,  mas essencialmente pelos factores de proximidade e representatividade directa, alocada a cada freguesia.

Quanto às contas, para além das que fui indicando, para os mais rigorosos, podem ser feitas a partir do referido quadro e do tal escalonamento da união entre 5 e 10  mil eleitores e com o presidente a tempo inteiro e em regime de exclusividade.

13 de janeiro de 2025

Guisande a ser Guisande - O que importa dizer


Se alguma coisa serve o facto de termos já uma idade de quem não vai para novo, é a experiência acumulada, pelo muito já visto e revisto, que nos permite ter uma forma de encarar as coisas com o distanciamento analítico, crítico mas cauteloso e saudável. Ou seja, entre outras coisas, saber que nem sempre as coisas são o que aparentam ser, o que é verdade hoje revela-se amanhã como uma mentira, a promessa feita hoje sob juramente desaparece na mesma hora com a rapidez de manteiga em nariz de cão. 

Também,  por isso, habituámo-nos a ser duvidosos como S. Tomé, a ver para crer, até porque, pela natureza humana, somos de fé frouxa, mesmo perante o puxão de orelhas evangélico na forma do "feliz do que acredita sem ver".

Chegado aqui, não sou de deitar foguetes antes da festa, não contar com o ovo no cu da galinha, não anunciar vitórias com a batalha a decorrer, nem dar por adquirido o que baseado em pressupostos e fundamentos ainda por solidificar.

Neste contexto, e no assunto da desagregação de freguesias, de que me tenho escusado de abordar de forma directa, há todas as razões para se acreditar que na próxima sexta-feira, dia 17 de Janeiro, a freguesia de Guisande será desagregada, como todas as outras  que foram incluídas na proposta do Projeto de Lei N.º 416/XVI que aprovará a reposição de freguesias agregadas pela Lei N.º 11-A/2013, de 28 de Janeiro, concluindo o procedimento especial, simplificado e transitório de criação de freguesias aprovado pela Lei N.º 39/2021, de 24 de Junho.

Em meados de Dezembro último, as notícias deram conta que a actual União de Freguesias de Lobão, Gião, Louredo e Guisande não seria contemplada no processo de desagregação, ao contrário das nossas vizinhas de Canedo, Vale e Vila Maior e Caldas de S. Jorge e Pigeiros.

Apesar da vontade de desagregação manifestada de forma inequívoca pelas freguesias de Gião, Louredo e Guisande ter sido aprovada em sede própria de Assembleia de Freguesia e confirmada na Assembleia Municipal, o processo terá padecido de um "vício formal", simples de resolver se todas as partes estivessem a respeitar as decisões deliberadas, como até aconteceu noutras uniões, mas suficiente para, por parte de quem desejava manter o actual contexto, explorar fragilidades, protelar e atrasar.

Numa equação simples, quem de 4 tira 3 unidades, sobra 1 unidade. Tácito, objectivo e sem lugar a sofismas. Mas, pelos vistos, era necessária que a posição da unidade remanescente fosse devidamente justificada ou clarificada, numa certa redundância. Ao contrário, foi feita a apologia das virtudes da manutenção da união de freguesias. Legítimo, digo eu, sob um ponto de vista pessoal de quem assinou esse texto louvatório, mas em contra-mão com a decisão tomada em sede de Assembleias de Freguesia e Municipal.

Com tal  pouca vontade e colaboração de quem pretendia um desfecho diferente, por isso contra, o desenvolvimento do processo e do cumprimento de todos os requisitos regulamentares definidos ficou a padecer desse tal "vicio formal". Com isso e com uma mudança de sentido de voto de uma das partes, que em política é fértil, certo é que as notícias deram conta, com alarido, e acredito que com satisfação para alguns, que a nossa união de freguesias ficaria fora do conjunto das desagregações.

Felizmente, e nestas coisas por vezes parece haver um sentido, mesmo que metafórico, de justiça divina, reuniram-se, não sem novos obstáculos e votos contra, as condições para desfazer o tal "vício formal", para limpar o grão de areia da engrenagem. Assim, com toda a justiça e ainda a tempo, o processo foi  revisto, considerado e integrado no Projecto de Lei. De resto, outras freguesias também conseguiram ver sacudidos esses "pintelhos" já na recta final.

Assim, resumindo, na próxima sexta-feira, dia 17 de Janeiro, no Parlamento, a desagregação da nossa actual união de freguesias  será, como todas as outras, submetida a aprovação, esperando-se que, chegado aqui o processo e previamente filtrado pela Comissão, não surjam obstáculos inesperados e que a coisa seja aprovada com naturalidade, até porque os partidos, nomeadamente PSD e PS, estão favoráveis no sentido da aprovação.

Mesmo que assim seja e consumada a aprovação, o processo seguirá depois para a promulgação ou veto do presidente da república. Há alguns dias aventou-se a ideia de que o presidente, por vezes imprevisível, iria vetar, mas este veio posteriormente a dizer que não teria razões objectivas para o fazer. 

Assim, mas novamente esperar e ver para crer, há a expectativa de que o processo não seja adiado ou vetado por Marcelo Rebelo de Sousa, o que implicaria um adiamento para as eleições de 2029 ou até mesmo ficar definitivamente pelo caminho, digo eu. 

Para finalizar este ponto da situação, que decorre da minha análise, reitero o que já escrevi noutro lado: Não sou de opinião de que as pequenas freguesias a desagregar, como Guisande, venham, só pela desagregação, a ser beneficiadas em relação à situação em contexto de uniões. Todavia, tenho a certeza de que também nada perderão com isso, pela simples razão de que em quase 15 anos de experiência, os benefícios directos da união, que fossem impactantes e diferenciadores, foram zero, ou até mesmo negativos, se não em todas, na maior parte das uniões, nomeadamente no aspecto de perda de identidade e proximidade dos eleitos com os eleitores para além de uma posição de subalternidade das pequenas em relação à maior de cada união.

Além do mais, a questão do valor da eventual desagregação para qualquer freguesia, como a de Guisande, vai muito para além da contabilidade, conforme já o escrevi antes neste meu espaço. Abrange valores identitários e de amor à terra que só não são compreendidos e valorizados  por quem não é de cá ou, sendo, tenha pouco ou nenhuma ligação afectiva e prefira a união, seja legitimamente ou por interesses partidários,  pessoais ou calculistas.

Não obstante, esta vontade de desagregação, sobretudo de Guisande, nunca foi nem poderia ser pessoal ou mesmo partidária, porque terminado o processo não pode haver vencidos nem vencedores. Apenas, de um lado a posição de quem entendia ser mais vantajoso este actual contexto, e do outro, a vontade de desagregação de quem preferia retomar novamente os seus destinos. 

Queira-se ou não, no processo da união, Lobão, pela sua posição, peso eleitoral e populacional, manteve sempre a preponderância e era a maior entre as demais. Ora isso percebe-se pelo facto de ali ter mantido a sede e de já em três mandatos o presidente ter sido sempre da área geográfica de Lobão, e com certeza que continuaria a ser assim no futuro. Por conseguinte, percebe-se o porquê de Lobão, por si só, não ter esse desejo de desagregação, porque tão somente nunca sentiu perder identidade, preponderância, nem qualquer sentimento de prejuízo de proximidade, antes com um sentimento de superioridade face às demais freguesias parceiras. 

Se o processo for agora concretizado e avançar, concerteza que não será fácil. Os resultados de uma mudança positiva e diferenciadora poderão não ser imediatos e concerteza haverá dificuldades e obstáculos, porventura logo no processo de listas e candidaturas. Esta, todavia, é uma questão que se colocará a seu tempo, pelos interessados nestas coisas, desde logo os partidos, mas desde já, e por mim fora de qualquer pretensão,  parece-me que a melhor solução seria de uma lista independente e única, a agregar todos os interesses e elementos dos vários quadrantes políticos, de modo a facilitar o recomeço de um novo ciclo, em que importa unir a população, e que certamente vai ser exigente. 

Para finalizar, de um modo ou outro, importará que as pessoas que vierem a assumir as funções, sejam capazes de resolver as dificuldades, que existirão, e sempre de forma diferenciadora e valorativa em todos os aspectos da gestão.

Por agora, não há muito mais a dizer. Esperar e ver!

10 de janeiro de 2025

A questão não é só contabilística


Li, há pouco, na SIC Notícias, que Aveiro é um dos distritos que vai sofrer mais alterações com a separação de freguesias (se tal vier a concretizar-se, digo eu).

Diz a notícia: "Se o processo avançar, a região verá o fim de 17 uniões de freguesia e a criação de 40 freguesias. Em dois dos casos, em Ovar e em Santa Maria da Feira, as populações estão ansiosas pela autonomia. Já os autarcas têm dúvidas de que a separação seja totalmente benéfica para as localidades mais pequenas."

Quanto às supostas "dúvidas" dos autarcas, relativamente às "localidades mais pequenas", de que fala a notícia, mas das quais não consegui descortinar quais são nem quais os autarcas duvidosos, apenas lanço esta questão:

Antes da agregação, por isso há já mais de 10 anos, a freguesia de Guisande já tinha orçamentos anuais a rondar ou mesmo a passar a casa dos 100 mil euros. Ora, exceptuando o primeiro mandato da união de freguesias, porque mais curto e desvirtuado com o pagamento de dívidas transmitidas, sobretudo de Guisande, desafio quem quer que seja, nomeadamente os tais "autarcas que se mostram duvidosos", a demonstrarem, tintim por tintim, onde é que em Guisande, em 7 anos - já não contando com este ano, último do actual mandato, porque incompleto - onde é que foram gastos 700 mil euros, correspondendo, grosso modo, aos tais 100 mil euros/ano? Claro, mesmo contando com custos proporcionais de pessoal e contas correntes.

Mesmo que fossem 90 mil por ano, onde foram aplicados 630 mil euros?

Admito que possa estar equivocado e que tenha sido possível, porque o dinheiro é coisa que se some como a água e gasta-se sem se ver onde, mas seria importante ver confirmada essa contabilidade para assim se perceber se qualquer uma das pequenas freguesias que vierem a ser desagregadas, por oposição a "beneficiadas", serão prejudicadas.

Fica-se à espera da resposta.

Em resumo, não sou de opinião de que as pequenas freguesias a desagregar, venham, só por isso, a ser beneficiadas em relação à situação em contexto de uniões. Todavia, tenho a certeza de que também nada perderão com isso, pela simples razão de que em quase 15 anos de experiência, os benefícios directos da união, que fossem impactantes e diferenciadores, foram zero, ou até mesmo negativos, se não em todas, na maior parte das uniões, nomeadamente no aspecto de perda de identidade e proximidade dos eleitos com os eleitores.

Além do mais, a questão do valor da eventual desagregação para qualquer freguesia vai muito para além da contabilidade. É mais do que isso e só não o compreende nem valoriza quem tem estado contra o processo.

Juntas de Freguesia - Indispensáveis mas de missão difícil



- Os Desafios da Gestão Financeira nas Juntas de Freguesia

Estaremos todos de acordo quanto à importância do papel das juntas de freguesia na gestão dos seus territórios e apoio às populações, dentro e no âmbito das suas competências. 

Todavia, no papel de cidadãos, nem sempre valorizamos o seu papel e regra geral, pouco dados a cidadania, apenas as vemos como entidades com obrigações de servir e tudo fazer. 

Concerteza que importa haver um sentido crítico e construtivo, porque é possível fazer bem em vez de mal, optimizar em vez de esbanjar e definir critérios que procurem um equilíbrio entre o que importa, que é fundamental e estruturante e o que é efémero, passageiro, aqui uma tentação permanente dos autarcas, muito focados no retorno e impacto nas redes sociais.

A gestão de uma Junta de Freguesia enfrenta hoje, como de sempre, desafios significativos, principalmente no que diz respeito à administração dos recursos financeiros disponíveis face às múltiplas necessidades da população. 

Aqui procuro fazer uma reflexão sobre as principais dificuldades encontradas e a complexidade de gerir expectativas com recursos limitados, num contexto comum a todas as freguesias, mesmo que todas com dimensões, territórios, populações, recursos e necessidades diferentes.

- A realidade orçamental

O orçamento de uma Junta de Freguesia é tipicamente constituído por transferências do Estado e das Câmaras Municipais, mas com receitas próprias limitadas. Grande parte destes recursos é imediatamente absorvida por despesas fixas, chamadas despesas correntes, tais como:

- Custos com pessoal (salários, seguros, contribuições sociais);

- Despesas correntes (água, electricidade, telecomunicações, software de gestão, material de escritório);

- Manutenção básica de instalações, equipamentos e veículos;

- Compromissos contratuais estabelecidos.


-O equilíbrio entre as necessidades e os recursos:

Após assegurar as despesas fixas, o montante remanescente para investimento e desenvolvimento é frequentemente insuficiente para responder a todas as necessidades da freguesia, que incluem, entre outros:

- Obras de beneficiação e manutenção do espaço público;

- Limpeza e higiene urbana;

- Apoio ao movimento associativo local;

- Programas sociais e culturais;

- Resposta a situações de emergência;

- Melhoramento de infraestruturas.


-  gestão do equilíbrio

Assim, qualquer executivo da Junta, com maiores ou menores recursos, vê-se assim forçado a, entre outros aspectos:

- Estabelecer prioridades rigorosas;

- Adiar intervenções necessárias mas não urgentes;

- Procurar parcerias e apoios externos, nomeadamente em diálogo permanente com a Câmara Municipal;

- Gerir expectativas da população e ter uma acção pró-activa e esclarecedora;

- Optimizar os recursos existentes, humanos e de equipamento;

- Encontrar soluções criativas para problemas complexos.


- O desafio da comunicação com os cidadãos:

Um dos maiores desafios actuais das juntas de freguesia reside no método e na forma de comunicação com os cidadãos, que frequentemente:

- Desconhecem as limitações orçamentais da autarquia;

- Não compreendem a complexidade da gestão pública;

- Exigem respostas imediatas para todos os problemas;

- Têm dificuldade em aceitar a necessidade de estabelecer prioridades;

- Comparam a sua freguesia com outras, sem considerar diferentes realidades orçamentais, dos volumes de receitas própria, das remessas do Estado e por outro lado, das despesas.


- Soluções ou caminhos para uma boa gestão:

Para melhorar esta situação, é fundamental:

- Aumentar a transparência na comunicação com os cidadãos, explicando claramente as limitações orçamentais

- Promover a participação dos cidadãos na definição de prioridades, nomeadamente em acções como orçamento participativo;

- Desenvolver estratégias de captação de recursos adicionais;

- Implementar medidas de eficiência e optimização de recursos;

- Estabelecer parcerias com outras entidades para maximizar resultados, incluindo protocolos com freguesias vizinhas.

Em resumo, a gestão de uma Junta de Freguesia é um exercício permanente de equilíbrio entre necessidades ilimitadas e recursos limitados. O sucesso desta gestão depende não só da competência técnica e administrativa dos seus responsáveis, dos eleitos políticos e dos colaboradores, pertencentes ao quadro de pessoal ou tarefeiros, mas também da compreensão e colaboração de todos os cidadãos.

É uma missão impossível? Quase! De resto, pela sua nataureza de uma entidade marcada por opções e ideologias políticas, haverá sempre lutas e obstáculos à gestão que nem sempre são racionais e numa perspectiva de bem comum mas antes de interesses pessoais e partidários. É pois, de extrema importância, que uma Junta administre com maioria na Assembleia de Freguesia ou com entendimentos multi-partidários mas sérios e consistentes para se conseguir estabilidade. Sem isso, a tarefa já por si difícil será quase impossível sob um ponto de vista de eficácia.

-

Américo Almeida


9 de janeiro de 2025

Amor à nossa terra - As diferentes dimensões

Procurando a definição do que é o amor à terra em que nascemos, de onde irradiam as mais fundas raízes, onde os nossos ancestrais lutaram e deram corpo a fazer de terras incultas campos férteis e de colinas e montes de tojo e urze, bosques produtivos, confesso que sinto-me sozinho, até mesmo desamparado na jornada. Mas exagero. Há, ainda bem, bons exemplares, bons guisandenses, em quantidade e qualidade, não só dos que marcham comigo desde essas passadas gerações, mas mesmo nos mais novos. Estes, em particular, são poucos mas bons, mesmo que ainda não assumam plenamente esse amor à terra, às suas coisas e gente, do passado e do presente e nem sempre apareçam quando é preciso dizer presente porque, mal geral, mesmo meu, admito, frequentemente procuramos estar de bem com Deus e com o diabo, umas vezes por tolerância e compreensão outras por calculismo, cobardia e conveniências pessoais ou corporativas.

Mas o amor à terra, no caso a Guisande, é o quê em concreto? A resposta é muito simples e simultaneamente complexa e pode definir-se de vários modos e que, para melhor entendimento, de acordo com o meu entendimento, divido nas seguintes dimensões:

1 - Dimensão identitária e cultural:

- A terra natal, a nossa aldeia, molda nossa primeira compreensão do mundo;

- As tradições locais, os modos de falar, os usos e costumes formam nossa identidade básica;

- A memória colectiva da comunidade torna-se parte da nossa história pessoal;

- Os rituais e festividades da aldeia criam um sentido de pertença, de orgulho;


2. Dimensão sensorial e afectiva:

- As paisagens familiares criam um mapa emocional na nossa mentalidade e moldam as nossas percepções de lugar, de espaço, incluindo os cheiros, da terra, das plantas, da cozinha, os sons característicos, da natureza, dos animais, das coisas, como o toque do sino; O clima e as mudanças sazonais que conhecemos intimamente e que marcam os nossos ritmos pessoais e sociais.


3. Dimensão social:

- Os laços familiares profundos e multi-geracionais, recebidos como legado ou herança dos nossos ante-passados:

- Os relacionamentos de proximidade com vizinhos e toda a teia de relações, no lugar ou no conjunto da comunidade;

- Conhecimento mútuo, apoio recíproco, sentido de comunidade e história compartilhada entre famílias.


4. Dimensão espacial:

- O conhecimento íntimo da geografia local, a familiaridade com cada caminho, cada curva, cada ponte, cada muro, cada pedra;

- A conexão com lugares específicos que guardam e nos remetem para memórias pessoais ou comunitárias;

- Sentido de protecção e segurança no espaço conhecido, como o nosso reduto, o nosso refúgio.


5. Dimensão temporal:

- O ritmo mais lento e natural da vida, a ligação com o passado através de mitos, lendas e histórias locais. A presença constante das tradições, mesmo que renovadas pelos imperativos dos tempos.

- O ciclo das estações marcando o tempo, as sementeiras, as colheitas, as festividades locais e religiosas.


6. Dimensão ecológica:

- Relação próxima com a natureza local e o conhecimento dos ciclos naturais;

- O conhecimento profundo e compreensão do território e seus recursos, a fauna e a flora, as águas, as nascentes, os ribeiros, os moinhos, as represas, as levadas, etc.

- A ligação profunda e afectiva com a terra através da agricultura, no respeito pelo que representaram na subsistência de famílias.


7. Dimensão psicológica:

- Sentido de enraizamento e pertença;

- Estabilidade emocional através da familiaridade e suas relações;

- Construção da identidade pessoal e comunitária;

- Segurança ontológica - sentido de existência e lugar no mundo.


8. Dimensão narrativa:

- As histórias locais que são passadas de geração em geração;

- Os mitos e lendas próprios de cada lugar, até de família, da comunidade;

- As narrativas familiares entrelaçadas com o espaço;

- A biografia pessoal e familiar inscrita no território.


Em resumo, este amor à terra natal numa aldeia como Guisande é particularmente intenso porque:

- A escala humana permite um conhecimento profundo do lugar;

- A proximidade cria laços sociais e afectivos mais fortes;

- O isolamento relativo intensifica o sentido de comunidade;

- A permanência das famílias cria continuidade e perpetuação histórica;

- O ritmo mais lento, que em meios urbanos, permite uma conexão mais profunda;

- A relação directa com a natureza fortalece o vínculo com o território.

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Resulta de todas estas considerações que é um amor que se manifesta como:

- Saudade profunda quando ausente;

- Orgulho das particularidades e tradições locais, muitas delas singulares, únicas;

- Desejo de preservar e proteger;

- Sentido de responsabilidade pela comunidade;

- Conexão emocional com o território, com o espaço;

- Vontade de transmitir todos estes valores às próximas gerações.


Amo a minha terra. E amo porque, mesmo não mais do que outros, e vale o que vale, prezo-me por conhecer Guisande, cada caminho e rua, cada curva, cada árvore, cada nascente, cada represa, cada regato, cada moinho em ruínas, cada pedra que em forma de marco definia o território.

Conheço o património comum, as capelas, a igreja, as suas singularidades, parte do seu passado e presente. Conheço em cada lugar cada casa, a quem pertencem e quem nelas mora ou morou. Conheço as famílias, chamo as pessoas pelos nomes, conheço os pais e os filhos, Claro que não de todos, especialmente os mais novos, até porque a memória já me prega partidas, mas a maior parte. 

Claro está que não pode ter amor à terra quem nada disto compreende nem nada conhece, e mesmo que nascido por cá, não conheça mais que a frente da rua onde vive e a casa onde habita. Saindo dela para fora tudo lhes parece igual, seja aqui, em Lobão, Fiães, Lourosa ou Ermensinde. Não podem, pois, amar a sua terra nem compreender o que isso implica e que atrás procurei detalhar.

Para terminar esta reflexão ou, que para muitos não passará de uma mera lengalenga, seria bonito que tudo isto fosse praticado e valorizado em todos os momentos e lugares, em defesa da nossa terra, da nossa aldeia, de Guisande. Todavia, infelizmente, para usar as palavras do companheiro Carlos Cruz, por ora vai “reinando a indiferença”. Mas importa preservar e perseverar!


-Américo Almeida

1 de janeiro de 2025

Farrapada


Por cá, dizemos que a coisa é "farrapada". Há quem diga "farrapo velho", "roupa velha", "farrapo", "farrapado", "farrapeira", migas", etc.

Todos sabemos que este tradicional prato resulta do aproveitamento no dia seguinte dos restos da "caldeirada de natal".

Sei também que mesmo dentro da nossa freguesia ela é preparada de diferentes modos. Há quem apenas aqueça numa panela e a sirva.

Cá por casa, dos restos reduzem-se as batatas a bocados pequenos e o bacalhau é todo limpo e lascado e as couves também reduzidas em bocados. De seguida, junta-se broa de milho, desfeita também aos bocados pequenos, e numa sertã, aos poucos, é feito o aquecimento e devidamente volteada para ficar uniforme. Daqui resulta uma "farrapada" enxuta, solta, uniforme que, servida em largas travessas de barro, se come com agrado, acompanhada de um bom vinho tinto.

É importante que a "farrapada" seja mesmo resultante da caldeirada da véspera, pelo que tem que se cozinhar em quantidade adequada a que sobre. Confeccionar para acrescentar no próprio dia é batota com as batatas e não é a mesma coisa, pois não.

Concerteza, como disse, será diferente noutras casas e cada um gostará à sua maneira. Por mim, esta é a melhor de todas.

27 de dezembro de 2024

Falta um ano para daqui a um ano

Se não me engano,

Falta, inteiro, um ano

Para daqui a um ano.

Haverá tempo para o Natal,

Nascimento, renascimento.

Também para o Ano Novo,

De novo necessário ao calendário,

à celebração e ao espumante.

Depois o Carnaval,

Sempre igual, carnal,

Em folia estonteante.

Cinzas e Quaresma,

Penitência, caminhada

Rumo à Páscoa, à ressureição.

Haverá rosas nos jardins,

Aromas de jasmins,

Pêssegos e cerejas.

Pelo S. Tiago

Virá o pintor

A pintar os bagos.

E logo, em riso,

A festa do Viso.

Haverá tempo a vindimas

E a colheitas.

Mas também virá o tempo

Para a revelação,

Dos que darão

O rosto pela traição,

Os zelosos traidores,

Os que cometeram o pecado,

Os que venderam o legado

De quem os precedeu,

Os que sempre souberam

Defender o que era seu,

Como homens inteiros;

Os que não se venderam.

Por 30 dinheiros.

Falta um ano para daqui a um ano!