29 de março de 2024

Inventário das coisas da paróquia - 1911

 


Em Maio de 1911, no pós rebuliço anti-clerical decorrente da instauração sangrenta da República (1 de Dezembro de 1910), foi mandado fazer o inventário dos bens imóveis e móveis pertencentes à paróquia de S. Mamede de Guisande. Era presidente dessa Comissão Paroquial Administrativa Republicana o Sr. Custódio Baptista de Pinho, da Casa da Quintão.

O inventário parece minucioso quanto aos objectos, paramentos e alfaias, mas na realidade é muito ligeiro em alguns aspectos que mereceriam uma melhor descrição, nomeadamente nos bens imóveis, como a igreja, a capela, a então casa dos mordomos ou das sessões, que antecedeu o actual salão paroquial, bem como o cemitério.

Note-se que apesar da residência paroquial ser na altura relativamente recente, porque edificada por 1907, na realidade não consta como bem da paróquia apesar do "exame minucioso" que a Comissão Paroquial disse ter feito. Não encontrei explicação justificativa, mas creio que deveu-se ao facto da residência ter sido construída com dinheiro de paroquianos e eventualmente ainda não se encontrar registada a favor da paróquia. Por outro lado, nesse contexto de instauração da República e do forte clima anti-clerical, havia o risco da residência ser reclamada pelo Estado para a transformar numa escola pública. Poderá, pois, ter sido uma salvaguarda por parte dos elementos da Comissão Paroquial ao não a inventariarem como da Igreja. De resto, nesse contexto, a residência foi mesmo adquirida a título particular, em 1917, pelo então pároco, o Pe. Abel Alves de Pinho, precisamente para evitar esse perigo de tomada de posse pelo Estado.

Mas  sobre este assunto da residência paroquial, sua construção, sua compra e posterior venda, há questões interessantes a ela relacionadas pelo que darão para futuros apontamentos.

De seguida passamos à transcrição do referido inventário, complementado com algumas nossas notas explicativas.


Termo de Abertura

Na qualidade de presidente da Comissão Paroquial Administrativa Republicana desta freguesia de Guisande, concelho da Feira, vou numerar para nele se inventariarem todos os haveres, móveis, alfaias do culto e quaisquer outros objectos pertencentes a esta paróquia.

Secretaria da Junta de Paróquia da freguesia de Guisande, aos sete dias do mês de Maio de mil e novecentos e onze.

O presidente da Comissão: Custódio Baptista de Pinho.

Inventário de todos os haveres, móveis, alfaias de culto e outros utensílios pertencentes à paróquia de Guisande, concelho da Feira, organizado pela Comissão Paroquial Republicana no dia nove de Maio de mil novecentos e onze.

1.º – Um edifício destinado a igreja matriz, com uma torre, dois sinos, quatro altares e as seguintes imagens distribuídas pelos referidos altares: Nossa Senhora do Rosário, Senhora da Conceição, Coração de Jesus, Santa Gertrudes, Santa Rita, mártir S. Sebastião, Senhora das Dores, S. Mamede, Santo António, um Senhor Crucificado e quatro crucifixos; Um vaso  do sacrário de madeira dourada; Seis jarras grossas em cada um dos quatro altares com igual número de ramos; Vinte e seis castiçais de pau e dois de metal; Oito toalhas ordinárias (1); Uma caldeirinha de metal também ordinário; Um turíbulo e naveta de metal (2) ; Umas  âmbulas de metal ordinário  (3); Um baptistério; Uma cruz paroquial de metal; Dois padrões; Uma estola paroquial (4); Quatro dalmáticas (5); Três capas de asperges (6); Seis casulas (7); Um véu de ombros; Quatro golas de corporais; Quatro sanguíneos (8); Dezoito opas de lã e seda; Dez lanternas; Dois estandartes de  (…); Duas bandeiras; Dois pálios usados de seis varas cada um; Uma umbela (9); Uma cadeira paroquial, ordinária; Dois missais; Uma estante; Dois gavetões ordinários de guardar utensílios; Dois manustérgios (10); Três lâmpadas; Quatro bancos, dois dos quais são bastante ordinários; Um baldaquino (11); Quatro jogos de sacras; Três alvas (12); Três assentos e cinco mochos; Uma campainha e dois meninos Jesus. 

(notas explicativas: 

(1) o termo ordinário refere-se a coisa simples, sem grande valor.

(2) naveta: recipiente que acompanha o turíbulo, onde está depositado o pó de incenso.

(3) âmbulas: vasos sagrados usados na consagração

(4) estola: peça da indumentária de um sacerdote

(5) dalmática: peça da indumentária de um sacerdote

(6) asperges ou pluvial: paramento de um sacerdote

(7) casula: peça indumentária usada pelo sacerdote em celebrações solenes

(8) sanguíneo: pano que o sacerdote estende sobre o altar no início da consagração

(9) umbela: espécie de guarda-sol em tecido decorativo

10) manustérgio: pano que o sacerdote usa para limpar/enxaguar os vasos/cálices

(11) baldaquino: um dossel ou pequeno resguardo para a exposição do Santíssimo

(12) alva: peça da indumentária do sacerdote)


2.º – Um pequeno adro pertencente à igreja paroquial, vedado por uma parede e pela frente do cemitério.

3.º – Um cemitério paroquial, próximo à igreja, vedado por um muro com grade na frente e dois portões de ferro.

4.º Uma pequena casa térrea com dois portões para o adro paroquial próximo do cemitério, das sessões da Junta de Paroquial.

(nota: edifício que existia no local onde foi edificado o actual salão paroquial).

5.º – Um edifício destinado a capela de Nossa Senhora da Boa Fortuna, com uma sineta, três altares, uma imagem da Senhora da Boa Fortuna e mais dois santos, sita no lugar de Cimo de Vila  ao cimo do Monte do Viso.

6.º – Uma pequena sacristia anexa à mesma capela, onde se encontram duas mesas ordinárias.

7.º – Um ressaio de terreno pertencente à referida capela e que lhe serve de adro. 

(nota: ressaio, o mesmo que rossio ou terreiro).

8.º – Cinco livros de escrituração; Um copiador e, finalmente, o livro do inventário presente. 


Nada mais se encontrou no exame minucioso a que se procedeu, pelo que se deu por encerrado o presente inventário que vai ser assinado por toda a comissão presente, depois de lido em voz alta.

Guisande, 9 de maio de 1911.

O presidente da Comissão: Custódio Baptista de Pinho

O vice-presidente: Joaquim Alves de S. Tiago

O vogal tesoureiro: José Ferreira Coelho

Vogal: António Pereira de Magalhães

Secretariou: Joaquim Ferreira Pinto 


(nota: Joaquim Ferreira Pinto, secretariou e escreveu o respectivo livro de inventário)