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26 de agosto de 2023

Com um brilhozinho nos olhos

 

























Quem com o nosso actual pároco, Pe. António Jorge, conversar e vier à tona das palavras as suas anteriores paróquias, antes de em nova missão o seu Bispo o ter mandado cá para a nossa de S. Mamede de Guisande, conjuntamente com as das Caldas de S. Jorge e Pigeiros, perceberá que é com um brilho no olhar que ele recorda e fala dessas terras e gentes que serviu durante uns bons anos.

Mas perceberá também que esta coisa de serviço a Deus e à Sua Igreja, tem destas singularidades e num instante o sacerdote é chamado a uma nova missão e tem que largar tudo e todos, vivências e convivências, terras e comunidades, a que por razões naturais se afeiçoou como bom pastor às suas ovelhas, mesmo às mais negras do rebanho. Até sítios que se menos espirituais, pelo menos benfazejos ao corpo, que também precisa de retemperos, como o Quinta da Lama, que, experiente, me recomendou.

Isto significa que não é fácil, porventura não tanto para o sacerdote, imbuído de base na sua formação no espírito de missão e lealdade à Igreja e seus bispos, e por estes a Deus, mas sobretudo ao homem. É que, não raras vezes, somos levados a esquecer que por detrás de um sacerdote há um homem comum, com os defeitos e virtudes como os demais, ferido das fraquezas próprias da humanidade e a elas sujeito. 

Por conseguinte, ao ver com os próprios olhos, in loco, algumas daquelas terras e comunidades que paroquiou o Pe. António Jorge, bem como a riqueza das suas paisagens e património, incluindo o de carácter românico, como os mosteiros de S. Martinho de Mancelos,  o imponente S. Salvador de Travanca ou a mais singela igreja velha de S. Salvador de Real, não custa acreditar que aquelas almas que por ali fazem vida, sejam igualmente de gente boa e generosa e de braços abertos a quem chegou em nome de Deus, como foi o caso do Pe. António Jorge. Também a sua separação  do pároco deve ter sido dura.

Perceber e distinguir estas realidades é compreender melhor o espírito de missão do sacerdócio mas igualmente o de humanidade e da dureza da despedida, do desprendimento de coisas, lugares e gentes. É certo que, com as boas estradas e bons carros, ali chega-se num repente, mas a saudade não se mata apenas com visitas ocasionais. Ajuda, mas tantas vezes, porém, com isso apenas se aumenta o peso da mesma.

Para finalizar, significa tudo isto que o melhor contributo a alguém na situação do Pe. António Jorge, nosso pároco, é fazer-lhe sentir que pode contar connosco e que também aqui, mesmo que sem as belas e graníticas igrejas românicas, também há gente tão boa quanto a de Real/Vila Meã, Mancelos, Travanca, ou outras paróquias do Vale do Odres e Tâmega com quem comungou no dia-a-dia espiritual e social. Creio que ele conta com isso e com todos, mesmo que cada um só possa dar os talentos próprios.  Cabe a Deus fazê-los render na justa proporção.

Paradoxos do tempo





Há neste nosso Portugal, em todo o lado mas sobretudo no profundo, no interior, resquícios de outros tempos, de outras formas de ser e viver, que expostos ao diafragma dos olhares destes dias, apresentam-se como nostálgicos, mas em muitos casos como simbólicos e verdadeiros paradoxos, como que dedos indicadores em riste, a acusar quem durante décadas deixou que isto acontecesse. 

Poderia o passar dos tempos ser de renovação constante e serena, sem revoluções ou, como agora é tão na moda dizer-se, de adequação, valorizando-se em nome do respeito pelos esforços de passados e antepassados, mas não. Nada, ou muito pouco se fez, porque a voragem de visões políticas com equações que nunca tiveram em conta as pessoas e muito menos as suas terras e aldeias, não se compadeceram com lirismos e assim elas padeceram e pereceram. Atenuaram-se aqui e ali uma ou outra ferida, mas no geral elas são profundas e já cicatrizes e por isso irreversíveis à delicadeza da pele dos tempos. Não é um jogo de palavras ou um fácil trocadilho de circunstância, mas a realidade.

Esta placa, na fotografia acima, ainda caiada e vigorosa na sua função de aviso, foi deixada ali na berma de um ramal de caminho de ferro, hoje em dia uma ruína, um simples passadouro de cabras ou lagartixas. Os poucos humanos que por ela passam, a correr ou de bicicleta, é para aproveitar o traçado para uma corrida de exercício físico e a maior parte deles nem se dará à canseira de ver para além do sítio onde põem os pés ou a roda dianteira. E parar para tirar umas fotografias é estragar a merda da média ou então estar a quebrar o ritmo. É pouco, é muito pouco!

A correr, por estes dias, percorri por essa, dita agora ecovia, uns quase 20 quilómetros (a ir e voltar), e se o olhar se foi enchendo de paisagens  e da aspereza delas, como são em grande parte as desse reino maravilhoso de Miguel Torga, a alma condoía-se por essa pobreza do abandono e da incúria.

Esta placa é assim uma pura inutilidade quanto ao alerta que faz, porque ali nem passam pessoas, mesmo animais, poucos e desassossegados pela dureza das fragas, alguns pássaros livres, mas seguramente por ali já não palma a terra e os carris o comboio que outrora ligava Vila Real a Chaves, ali pelos vales e encostas do Corgo e do Tâmega. De resto, dos carris, já nem sinais deles. 

Já não há comboio, nem locomotiva num lufa-lufa, nem gente a caminho das aldeias, vilas e cidades transmontanas e os apeadeiros e estações são apenas lúgubres ruínas e se neles se ouvem ecos, são seguramente de fantasmas. E serão muitos esses espíritos que por ali ainda vagueiam, mortificados por perceberem ao que isto chegou. Em grande parte, é simbólico que uma grande fatia do nosso pequeno território não seja mais que terra de fantasmas. Mas para os ver e sentir os seus ecos, é preciso sair das autoestradas e dos IP,s e entrar em ruas estreitas e vielas cagadas por algum gado que ainda é a razão de ser de alguns idosos resistentes ao apelo do litoral, e pouco mais.

Vamos ver no que a coisa dará, mas já não haverá plano de resiliência, ou seja lá o que isso for, que nos valha. O mal já foi feito há muito. 

Deslumbramento...




Seguramente a nobre e bonita freguesia de Canedo tem uma das mais caras festas de arraial do nosso concelho por este querido mês de Agosto, como cantava o saudoso Dino Meira, Tem uma fartazana de artistas da rádio, tv e disco, a quem se paga milhares, tem uma majestosa procissão com mais de 30 andores, que chama mirones de todo o concelho e arredores, alguns andores com santos e santas repetidos, numa devoção redobrada, alguns até decorados com motas, e seguramente alguns milhares de euros gastos em deslumbrantes e exóticas flores.

Dizem que é um deslumbramento! Também concordo que é, mesmo que, quem sabe se pela idade, já pouco dado a deslumbramentos e, verdade se diga, a mais do mesmo, desta vez me tenha ficado pela visita à bonita igreja, esta, felizmente afastada do habitual rebuliço festivo que se vivia no alto do monte da Senhora da Piedade numa cacofonia de sons de carrocéis e bandas filarmónicas apertadas em pequenos coretos.  Além do mais, digo eu, há sempre outras coisas para nos deslumbrarmos. Haja olhos e algum discernimento para ver paradoxos e incoerências em certos deslumbramentos.  Todavia, para mal dos nossos pecados, temos também, nós os de cá, telhados de vidro.

20 de agosto de 2023

Por terras de Sever e do Gresso

 


Reunido no seu todo o habitual grupo, de novo rumamos neste Sábado a terras de Sever do Vouga, a descobrir os segredos profundos do rio Gresso, também por ali tratado por Branco. O início da caminhada poderia ser em qualquer outro ponto, mas no nosso caso foi ali à sombra da capela de S. Geraldo que começamos a subida que nos havia de levar até às cascatas desse curso de água e depois no ponto mais a norte do percurso inverter o trajecto mas ainda seguindo-o marginalmente.

O rio Gresso é um afluente da margem direita do rio Vouga, no qual desagua na albufeira de Ribeiradio, junto à aldeia dos Amiais. O seu vale é profundo e fortemente encaixado por entre penedias revestidas a musgo e à sombra de frondosos carvalhais. Esta não é de todo a melhor época do ano para ver o seu impetuoso caudal a esmagar-se naqueles penedos e formando clamorosas cascatas. Estamos no pico do Verão e as suas águas, que começam ali a norte pela encosta da serra do Arestal, entre as aldeias de Folhense e Linhares, são escassas e ainda por cima desviadas por levadas que outrora faziam girar as mós de mais de uma dezena de moinhos, mas que agora, entregues estes à ruína, deixam a água a correr viva para ainda regar sequiosos milheirais ali por aquelas encostas de Sanfins de Rocas do Vouga.

O percurso vale essencialmente pelos troços de subida ou descida do rio, em parte com pontes e estruturas de apoio e segurança, a que chamamos de passadiços, mas todo ele é uma descoberta de pormenores e recantos, incluindo pomares de mirtilos ali a oferecerem-se, que devem ser sempre tidos em conta nestas caminhadas de fruição da natureza.

Havemos, concerteza, de voltar, sobretudo para ver o Gresso a espumar-se de raiva com abundantes águas, que costuma ter por meses mais chuvosos.

O retempero do corpo e da alma foi em Couto de Esteves, onde o Júnior nos presenteou com um dos melhores cabritos e vitela, assados em forno a lenha, que o grupo já teve oportunidade de se deliciar. E, sem falsas modéstias, já temos um fantástico historial de bem comer em locais de eleição, por estas bandas ainda tão desconhecidas da nossa malta litoral. Como se não bastasse, tudo regado com espumante de garrafa de cu-largo, vinda de propósito das terras do Demo, cantadas na prosa de Aquilino.

Boa jornada, a fazer transpirar, mesmo que o sol estivesse envergonhado, mas sobretudo a deixar o desejo de que chegue o próximo Sábado onde, com jeitinho, rumaremos ao Caramulo porque há lá caminhos e paisagens a devorar e carvalhais a oferecerem sombras. E, quem sabe, uma visita ao Fernando e à Margarida a ver o que têm na panela e no forno que possa vir à mesa. Quem sabe...

De seguida alguns dos muitos olhares, mesmo que o raio da machina tenha ficado sem fôlego ainda antes do final. Coisas das tecnologias.