5 de março de 2022

Descrença


...E quando damos por ela, os canalhas da guerra usam sempre a violência da invasão como finalidade. Com Hitler, a nazificação, com Putin, a "desnazificação", ou o que isso queira dizer. Por pura semântica ou mero eufemismo, a guerra é assim um pau-para-toda a colher, porque quando há maldade, pura ou disfarçada, as palavras e o seu valor não têm nenhuma significância e mais do que elas, as palavras, as pessoas, as mulheres, idosos e crianças.

Neste contexto, os valores de humanidade e os direitos nacional ou internacional valem absolutamente nada. Uma ONU anacrónica  vale zero porque apenas uma nação se sobrepõe às demais. É urgente a sua refundação. O poder da loucura dos mandantes associado ao das armas, o juntar da vontade à capacidade, valerão sempre mais e impor-se-ão. 

Foi sempre assim ao longo da História e não estou a ver como possa ser diferente. Houve essa réstia de esperança e crença fundada sobre o sangue e destroços das guerras mundiais, mas reerguidas as cidades e esquecidas as vítimas, as lições são ignoradas e tudo volta à estaca zero. No fundo, a vontade de um homem sobrepõe-se à da humanidade porque milhões sempre obedecerão a um.

4 de março de 2022

Ao longo dos tempos - Carlos Cruzadas


Sob o pseudónimo de Carlos Cruzadas, Carlos da Silva Cruz, um bom guisandense nascido em Labercos - Lomba - Gondomar,  tomou-se de coragem e em edição de autor fez publicar um livro de textos e poemas a que deu o título de "Ao longo dos tempos - Letras, palavras e frases cruzadas"

De algum modo, um registo autobiográfico em que nos diferentes poemas e textos exprime com sensibilidade o seu pensamento e visão sobre os lugares onde nasceu, cresceu e vive e, para além deles, da visão poética das coisas e  do mundo e do seu lugar nele.

Noutros tempos, falamos de poesia e do poema permanente que é nossa freguesia de Guisande e mesmo na partilha da figura que em certa medida me ajudou a cultivar, a de Miguel Torga. De resto, não estará esquecido quando aqui há já uns anitos fomos em peregrinação a S. Martinho de Anta conhecer um pouco daquele reino fantástico de que falava o transmontano.

Assim, aos livros que noutras alturas tive o privilégio dele receber, soma-se agora este muito particular e certamente mais significativo. 

Fico à espera do próximo livro do Carlos Cruzadas. Quanto ao meu, para breve, e um segundo, esse com outro contexto e menos pessoal, se não correr mal será para meados do próximo ano. De resto já está em fase final.

Parabéns ao Carlos e um bem-haja! Deixo como remate um bonito poema do nosso patrono das coisas da poética, Miguel Torga.


Prospecção

Não são pepitas de oiro que procuro.

Oiro dentro de mim, terra singela!

Busco apenas aquela

Universal riqueza

Do homem que revolve a solidão:

O tesoiro sagrado

De nenhuma certeza,

Soterrado

Por mil certezas de aluvião.

Cavo,

Lavo,

Peneiro,

Mas só quero a fortuna

De me encontrar.

Poeta antes dos versos

E sede antes da fonte.

Puro como um deserto.

Inteiramente nu e descoberto.


3 de março de 2022

À Senhora da Boa Fortuna



Nossa Senhora da Boa Fortuna,

Virgem Imaculada, mãe bondosa,

Que na aflição a todos seguras;


És porto de abrigo, forte coluna,

Alma dócil, materna, carinhosa,

Com o Menino  em tuas mãos puras.


Dá-nos a graça do teu paraíso,

Do olhar materno, doce e sereno,

Como Mãe que pelos filhos vela;


Lá no alto, onde te invocam, no Viso,

És presença, bondade e amor pleno,

A encher de graça a simples capela.



A.Almeida

1 de março de 2022

Sem apresentaçõeszinhas, sem salamaleques

 






Sem apresentaçõeszinhas, sem salamaleques, sem peneiras, eis a simplicidade do "Cozido-à-Portuguesa". E como é vésperas de Cinzas, nada melhor, a condizer e a regar, um "Terras do Pó" sadino com perfume de Castelão.

Borboleta


Olha! Uma borboleta!

Procura flor, pela certa,

onde pousar,

onde comer.


Olha! Uma borboleta!

Amarela e preta,

sempre a voar

a planar,

a viver.


Olha! A borboleta!

Lá se foi, esperta,

voando

ao namoro

de outra flor.


A flor vazia, em solidão,

Lamenta. 

Mas, pela certa,

Virá, que emoção,

A ela, 

Outra, doce e bela

Borboleta.


A. Almeida

28 de fevereiro de 2022

Maldito seja!



No turpor da noite fria

Avançam as máquinas da dor,

Do ódio e da prepotência.


O descanso merecido dos heróis,

Homens, mulheres, crianças,

É quebrado e a noite esturpada

Com vómitos de fogo e sons de medo.


O exército de gente indiferente

Marcha à ordem de um homem só,

Numa fúria que esmaga casas e gente,

Deixando um rasto de sangue e pó.


Um homem pequeno, pequenino,

Num elmo negro de cobardia

Com o poder na ponta do dedo

De mandar fazer trevas o dia.


Se os tanques fossem ceifeiras,

Os mísseis foguetes de alegria,

Quem dera que assim fosse,

Como chuva benfazeja.

Mas não! Que maldito seja! 


A. Almeida

25 de fevereiro de 2022

PCP - No reino da foice, a clareza foi-se


A propósito da bárbara invasão da Rússia à vizinha e irmã Ucrânia, impressiona que em pleno séc. XXI o Partido Comunista Português ainda tenha posições dignas do tempo da guerra fria, não condenando directamente e sem mas, nem meios mas, a invasão da Ucrânia. Da China, outro país onde a Democracia não respira de todo, percebe-se que tenha uma posição alicerçada nos seus interesses económicos e estratégicos e por conseguinte não condene a Rússia. De resto tudo indica que esta invasão tinha à partida o "fechar-dos-olhos" da China, já que com a aplicação das sanções, será o gigante asiático a minorizar o impacto.  Daí que nada se espere e o discurso monocórdico é sempre o previsível. 

Já quanto ao PCP, ainda ontem em programa televisivo, um dos seus dirigentes, Bernardino Soares, numa posição que corresponde à do partido, por desfastio e para não desacertar o passo do mundo, condenou a invasão mas... sempre um mas, um todavia, um porém,  condena com mais veemência a Europa e sobretudo os Estados Unidos. É velho o preconceito dos comunistas contra os Estados Unidos, até mesmo um ódio de estimação, mas custa a perceber que um partido em regime democrático, critique suavemente e com muitas reservas um país gerido por uma oligarquia totalitária onde os conceitos de democracia são um faz-de-conta, totalmente subvertidos, onde se muda a constituição para se perpetuar o poder, onde a oposição é perseguida, aniquilida e condenada, e por outro lado se  tenha a lata de condenar um país democrático e que neste caso particular, que se saiba, neste caso não é invasor, de resto até numa posição de fraqueza.

Também concordo que a política externa dos americanos tem tido muitos erros e alguns graves, e não são inocentes em muitas merdas que têm feito, mas neste caso pretender  o PCP desagravar ou mesmo ilibar o invasor, de uma guerra sem a mínima justificação, e condenar quem está de fora parece algo surreal.

Assim, para o PCP  qualquer crítica aos antigos camaradas da guerra fria, é como comprar não um biquini com duas peças inseparáveis, mas apenas um monoquini: Utiliza a cuequinha para tapar o traseiro do camarada  mas não utiliza a outra peça, de modo a destapar as maminhas da democrática América.

Mas, como diz alguém, dali não se espera nada de novo, de resto é uma posição que não conta para o totobola de tão previsível que é. Como se costuma dizer, se uma árvore dá pêssegos, então é um pessegueiro. Ou, utilizando um provérbio tão caro ao camarada Jerónimo, a crítica à Rússia, a Cuba, Venezuela, China ou Coreia do Norte, para o PCP é como manteiga em nariz de cão. Numa lambidela lá se vai.