21 de outubro de 2022

Quadro cinzento



No céu da velha Europa

Há névoas a amortalhar a plenitude

Da liberdade conquistada,

De cada homem, mulher, criança,

Como se toda fora vã a esperança,

A de viver, somente viver.

Já não há neste jardim a quietude

De uma rosa fresca cheirada,

De uma carícia desejada,

De um sol morno pela manhã,

De um retempero fraternal.

Há uma ânsia desmedida

A de ceifar a vida, a esborratar

A frescura de um desenho infantil,

Devastando as coloridas flores mil

Pintando um triste e vil excremento

Num quadro só de cinzento.

20 de outubro de 2022

Sem pressa



Que adianta ao homem ter pressa

Numa constante busca do incerto,

Quando, afinal, o que lhe interessa

É de si próprio estar bem perto?


A ânsia, perturbada, desmedida,

É uma névoa espessa de fatalidade,

Que num ápice nos absorve a vida

A devolver-lhe toda a efemeridade.


Um após outro, seja firme cada passo

Num caminhar sentido, de peregrino;

Não haja esmorecimento ou cansaço,

Mas tão somente o esperado destino.

19 de outubro de 2022

Fonsecas de Cimo de Vila

 



A minha mãe, Eugénia, é filha de Américo José da Fonseca, de Cimo de Vila, e de Lúcia Alves, do Outeiro. 

Quanto à sua mãe, minha avó, Lúcia Alves Moreira, faleceu quando ela era ainda tenra criança. Já o seu pai, meu avô,  nasceu em Março de 1919 e faleceu em Julho de 2001, sendo um dos vários filhos de Raimundo José da Fonseca (meu bisavô), do lugar do Carvalhal, freguesia de Romariz, e de Margarida da Conceição (minha bisavó), do lugar das Quintães da freguesia de Guisande. 

Este meu bisavô materno, Raimundo José da Fonseca, nasceu em 17 de Outubro de 1884 e faleceu em 17 de Novembro de 1929, muito jovem, apenas com 45 anos.

Por sua vez, era neto paterno de Manuel José da Fonseca e de Margarida Rosa de Jesus e neto materno de Manuel Ferreira da Silva e Ana Maria d´Oliveira (todos estes meus tetra-avôs maternos)

A minha bisavó materna era filha de António Caetano de Azevedo e de Maria da Conceição, do lugar das Quintães - Guisande. Quando casaram em 9 de Maio de 1907 ele tinha 22 e ela 21 anos de idade.

O meu bisavô Fonseca trabalhava com o pai e com alguns irmãos, sendo  afamadas mestres e oficiais de pedreiro e cantaria, tendo realizado em vários locais diversas obras de cantaria e escultura da mais fina traça. Terá sido ele a realizar a fonte existente na sacristia da nossa igreja matriz bem como a capela mortuária da Casa do Moreira, existente no nosso cemitério e ainda o jazigo de meus avôs paternos, com uma imagem de Nossa Senhora esculpida em mármore sob uma espécie de capela em granito assente em quatro colunas. Similar a este modelo tem de sua autoria um trabalho no Cemitério Paroquial de Fermedo - Arouca.

Naturalmente que tenho muitas memórias dos tempos de criança ligadas a este ramo familiar materno e por conseguinte ao lugar de Cimo de Vila onde tinham casa a minha bisavó - que depois passou para a filha Laurinda - o meu avô e o irmão deste, o Joaquim, cuja casa acima está na fotografia.

Esta casa, ali à face da Rua de Cimo de Vila, está naturalmente velhinha, mas dela tenho várias e boas memórias porque por lá passei muito tempo da minha infância, já que a minha mãe, presa aos trabalhos da casa e do campo, e por essa altura já com três filhos pequenos (eu, o meu irmão mais velho, o Joaquim, e o Manuel, que me segue na idade), deixava-nos ela entregues à minha bisavô Margarida e muitas vezes às suas primas, que ali naquela sua casa trabalhavam como costureiras. Recordo-me, pois, de muitas vezes ali subir à parte de cima daquela espécie de torre e passar as horas entretido a brincar com paninhos e botões e a desfolhar revistas da Crónica Feminina ao som de um pequeno rádio.

Não raras vezes, acompanhava a Ti Ilda Fonseca, prima de minha mãe, bem como a minha bisavó, a que chamávamos mãe Guida, ao Souto D´Além, já a caminho de Cimo de Aldeia - Louredo, onde enquanto apanhavam tojo e carqueja eu brincava  a construir casinhas de pedras e musgo. Outro sítio recorrente de brincadeiras infantis, era o campo da porta e na eira ali bem junto àquele canastro do lado sul da casa. A marginar esse campo, existia um rego que pelo Verão trazia a água da abundante fonte de Cimo de Vila, onde eu montava rodízios de bugalhos e largava barquitos de papel que acompanhava como timoneiro atento já quase até à descida para as Barreiradas, quando o dito "rio" dobrava o muro da Cancela que acompanhava.

Claro está que o largo fronteiro, era palco de habituais brincadeiras e chutos na bola com vários rapazes do lugar, e toda aquela zona envolvente, com a tal casa das primas de minha mãe, a do meu avô e a da minha bisavó, e ainda o amplo campo da Cancela, onde os meus pais também tinha uma parte por herança, eram no conjunto uma espécie de presépio bucólico e do qual tenho fortes lembranças, mesmo que já gastas pelo tempo, tal como a casa.

Muitas coisas mudaram de lá para cá por parte desta cepa de Fonsecas. Faleceu a minha bisavó (já era eu adolescente), o meu avô, os meus segundos tios, a Laurinda Fonseca e o marido Alexandre, e antes deles o Joaquim Fonseca e a esposa Albertina e já alguns filhos destes como o Hilário e o Alexandrino e mais recentemente a Conceição e a Alzira (esta há poucas semanas). Desse ramo dos Fonsecas de Cimo de Vila ainda andam por cá a Ilda, a Celeste, a Idília, a Madalena e o Abel - julgo não ter esquecido mais alguém - , todos irmãos, primos de minha mãe, por isso meus segundos primos. De todos os Fonsecas de Guisande, têm ali em Cimo de Vila a sua origem.

Somos oito irmãos e nem todos ficaram com o apelido de Fonseca. Pela minha parte herdei-o logo a seguir ao nome. De resto, Américo Fonseca, como o meu avô materno e também meu padrinho.

Somos, pois, Fonsecas, com raízes conhecidas em Romariz, porventura mais além, mas os apelidos são como os pássaros, andam por aí de lado para lado, sem poiso certo mesmo para fazer o berço dos filhotes. Uma vezes, como as andorinhas, até regressam ao mesmo ninho, outras vezes, na maior parte delas, vão e não voltam.

As memórias, essas também parecem ter asas e permitem-nos voar e ver as coisas de cima, como uma velha casa, um largo, um lugar. Cerrando os olhos, avivando a chama das memórias, ainda será possível ouvir crepitar na fogueira do tempo, por ali, naquele lugar, os gracejos e algazarras da criançada, que por esse tempo em Cimo de Vila era em mais quantidade do que agora em toda a freguesia. Outros tempos, naturalmente.

Se recordar é viver, também é voar sobre as velhas memórias.

Maria levantou-se e partiu apressadamente

Como Maria, urge levantar

E partir apressadamente,

Para ao destino se chegar

Todo missão, plenamente.

Não fiquemos sós, parados

No meio da vã indiferença,

Tristes, vazios, cansados,

Mas antes de alma intensa.

Pés ao caminho, que é novo,

Importa partir p´ra chegar.

Os jovens serão esse povo

Num futuro já a despontar,

Vamos partir, bem depressa,

Somos jovens, povo, gente,

Com fé. Pouco mais interessa,

Importa é caminhar em frente.

Apressadamente, já eu decidi

Fazer o caminho na diferença;

Chegar e dizer:- Eis-me aqui!

Faz-me, ó Jesus, tua pertença!

18 de outubro de 2022

Os lápis de cor



Era uma vez um rapazinho de família pobre e humilde que gostava muito de desenhar, mas só tinha um simples lápis, de cor cinzento, que o seu pai, que era carpinteiro, lhe emprestava.

Gostava ele de desenhar cães e gatos que o seu avô lhe ensinava à noitinha, à luz da vela, enquanto a sua mãe preparava o simples jantar.

Quando completou 6 anos, entrou o menino para a escola primária e a sua família, mesmo com muitas dificuldades, conseguiu pagar os livros onde aprenderia a ler, os cadernos onde escreveria, uma lousa onde faria as contas, um afiador de lápis, uma borracha para safar os erros, e ainda uma bela caixinha com 6 lápis de cor.

Foi uma alegria para esse rapazinho quando recebeu a caixinha com 6 belos lápis, pois já podia fazer os seus desenhos com as suas 6 cores.

Os seus cães, até ali cinzentos, passaram a ser castanhos, verdes, vermelhos, azuis, amarelos e lilás. Às vezes até os pintava às bolinhas e às riscas.

Os gatos eram verdes e vermelhos conforme a sua imaginação.

Mas um dia, o menino pobre conheceu outro menino da sua classe, que era filho da professora, por isso um menino rico.

Ora o rapazinho pobre descobriu que o rapazinho rico tinha também uma caixa de lápis-de-cor mas não apenas com 6, mas com 12 lápis.

Lá estavam entre outras cores, os lápis cor-de-laranja, cor-de-rosa, verde claro, verde-escuro. Tinha, pois, mais 6 lápis com cores diferentes das suas.

Então o menino pobre ficou um pouco triste e ficou a imaginar que com todas aquelas 12 cores conseguiria fazer cães e gatos de cores diferentes e até mesmo desenhar o arco-íris, que aprendera que tinha 7 cores.

Mas tudo se resolveu, pois o menino rico tornou-se amigo do menino pobre e sempre que na escola a professora mandava fazer um desenho, eles partilhavam os lápis e assim fizerem belos desenhos, bem coloridos com todas as cores.

O menino pobre ensinou então o menino rico a desenhar belos cães e lindos gatos e assim ambos viviam naquela amizade bonita e colorida, que durou toda a escola primária.

Ainda hoje, já homens crescidos, são amigos.

Moral da história: Haverá sempre meninos pobres e meninos ricos, mas todos serão felizes, menos pobres e mais ricos se partilharem entre si os seus bens, mesmo que seja apenas uma simples caixa de lápis de cor.


(Pequeno conto infamtil que escrevi e que foi lido por uma criança (a Leonor) durante a  sessão de apresentação do meu livro infantil no passado dia 1 de Outubro, no Centro Cívico de Guisande)

As memórias da casa chanfrada - Toninho do Viso




Há casas assim, que mesmo de portas e janelas fechadas estão permanentemente, dia e noite, escancaradas às nossas memórias. Entramos nelas com pézinhos de lã, como fantasmas, damos umas voltinhas e voltamos a sair sem ter feito ranger o velho soalho ou fazer chiar os gonzos das portas.

Esta casa, a da fotografia, todos a conhecem. Fica ao fundo do monte do Viso. Chamo-lhe eu a casa chanfrada, não porque lá viva ou tenha vivido gente com umas quartas-feiras a menos; bem pelo contrário, sempre lá viveu gente ajuizada, de nome, honrada e de trabalho. 

Casa chanfrada porque tão somente tem uma das suas esquinas recortada com um chanfro, como se o mestre pedreiro ali fosse ao canto e..zás, lhe cortasse uma talhada e, por conseguinte, dessa esquina resultou uma face adicional na qual, em cima e em baixo rasgaram portas, sendo que a de cima, a do Andar, dá para uma elegante varanda, a que o nosso povo designa de sacada. Já agora, a encimar as duas portas do Andar, duas belas padieiras com florões bem talhados na pedra.


Manuel Alves da Silva

Do que me lembra, pertenceu a casa a Manuel Alves da Silva, depois a seu filho António Alves da Silva e já depois da partida da sua esposa, Maria da Conceição Ferreira Fontes, em Abril de 2020, com 94 anos, pertence ainda à herança, mas dela usufrui sobretudo a filha Micas, e é sabido que se há alguém com um passado e ainda presente de trabalho laborioso nas coisas da terra é a esposa do Manuel Tavares. De resto, pela fotografia acima, veem-se ainda ali espigas a dourar num final de Outono, mas poderia ser um montão de espigas de dentadura a sorrir, vindas das ribeiras, prontas a desfolhar ou um carrego de bandeiras de milho ou feijão a secar. Aquele fundo do monte foi sempre assim, desde que me conheço, uma eira do povo, mas sobretudo da Micas. 

António Alves da Silva, nasceu em 29 de Março de 1928. Era filho de Manuel Alves da Silva (foto acima) e de Carolina Pereira de Jesus. Era neto paterno de António Alves da Silva e de Margarida Rosa de Jesus (esta de Duas Igrejas). Era neto materno de António Rodrigues Caldeira e de Joaquina de Jesus. casou em 15 de Abril de 1950 com Maria da Conceição Ferreira de Fontes.

O pai do Antoninho, na imagem acima, nasceu em 14 de Março de 1898. Era filho de António Alves da Silva, da Barrosa, e de Margarida Rosa de Jesus, esta natural de Duas Igrejas. Era neto paterno de Manuel Alves da Silva e de Maria Soares. Era neto materno de António Ferreira de Passos e de Rosa Maria de Jesus (de Duas Igrejas).

Por parte do seu avô paterno era bisneto de José Francisco da Silva e de Rosa Maria de Jesus e por parte da esposa do seu avô paterno era bisneto de Manuel Ferreira de Passos e de Rosa Maria de Jesus.

De resto eram assim, noutros tempos, os largos dos lugares. No monte do Viso, atrás da capela, era uma eira comunitária do tamanho do mundo onde secavam palha, espigas e milho já malhado a assolhar dourado estendido em lençóis. 

Pois bem, só por si, esta estreita fachada orientada para sudeste, tem muita história, porque, pessoalmente, me remete para as tardes de Domingo, em que o antigo proprietário, o saudoso senhor Antoninho (António Alves da Silva), abria aquelas portas de par em par  e enchia o lugar com o som da sua aparelhagem em que punha a rodar um velho disco de uma qualquer sinfonia de Beethoven, Mozart ou Wagner. 

Era uma das suas paixões, a música clássica e os respectivos discos. Outra, era conhecido o seu gosto por café, que o levava várias vezes ao dia à Corga de Lobão, onde normalmente o tomava. Talvez se apaixonasse por esta mulata bebida quando com seus pais esteve no Brasil, daí, para alguns, ter ficado com o apelido de "Toninho da Brasileira".

Não sabia do actual destino dessa boa colecção de discos de vinil, mas informou-me a neta que ali continua intacta à guarda da família. Quanto a tocar, porventura não, ou esporadicamente, mas as orquestras ainda soam sinfonicamente na memória como que orientadas pela batuta do maestro do tempo.

Escusado será dizer que entrei várias vezes nessa saleta onde o senhor Antoninho se deliciava a ouvir a sua música intemporal. Nesse aspecto partilhava com ele o gosto e paixão pela música clássica. 

- Ó Almeida, sobe cá acima. Anda aqui ouvir uma coisa! - Desafiava-me por vezes quando ali passava depois do almoço de Domingo. E sabia, naturalmente discutir essa música, os nomes dos grandes compositores e sua obras.

A reboque desse gosto comum pela música, chegou-me a emprestar, com recomendações de mil cuidados, porque o não concedia a mais ninguém, alguns discos para eu passar na saudosa Rádio Clube de Guisande. Recordo-me particularmente do disco com o oratório Messiah de Georg Friedrich Händel, com o tão popular Hallelujah, que passei por alturas da Páscoa.

Mas para além desta particularidade relacionada à música clássica, a casa chanfrada traz-me muitas mais memórias. Desde logo, o referido senhor Antoninho durante anos teve ali uma barbearia. Não era propriamente um desenrascado Fígaro, como o da ópera de Rossini (O Barbeiro de Sevilha), que  naturalmente deveria ter na sua colecção de discos, mas era o quanto bastasse a ser o barbeiro do Viso. 

Mas se é verdade que o senhor Antoninho tinha sensibilidade para a música clássica, não posso dizer tanto da sua arte de barbeiro. Por várias vezes saía de lá, eu e as demais crianças do lugar, com golpes de tesouradas no pescoço e nas orelhas e até mesmo na véspera da minha comunhão solene deu-me uma golpada inadvertida no belo remoinho que por esse tempo tinha no cabelo junto à testa. As fotografias que guardo dessa solenidade, são testemunhas dessa sinfonia de tesouradas. Mas, verdade se diga, em defesa do mestre barbeiro, as crianças eram irrequietas e ali presas naquela toalha que parecia uma camisa de forças, o melão não lhes  parava quieto pelo que se punham a jeito para uns deslizes do Ti Antoninho.

Se encontrava um piolho, bicho que por esses tempos era um caseiro habitual nas cabeçolas da rapaziada, o Senhor Antoninho aniquilava-o logo ali, esmagando-o com a  unha do polegar contra a própria cabeça do dono. Morria o piolho e ali já ficava sepultado na cova aberta, tal era a pressão feita no couro cabeludo.

Por outro lado, para rapar  a parte detrás dos pescoços e junto às orelhas, usava aquelas velhas máquinas manuais de corte de cabelo, que mais pareciam um corta relva, que pressionava com força. Sentir aquele tcheq-tchec-tcheq, pela cabeça acima era uma aflição danada. Depois, para terminar o trabalho, umas valentes chapadas encharcadas de Pitralon para queimar e desinfectar os cortes e arranhões. 

Feito o trabalho, revirados o assento e o encosto da cabeça para o cliente seguinte, que tanto poderia ser o meu tio Neca, como o Ti David ou o António Santiago, e retirado o lençol com que nos amortalhava, assim, aliviado e sem saudade daquele castigo capilar, deixava eu a barbearia para trás. Lampeiro, como a fugir, não fosse ser chamado para algum retoque, subia o monte com o pescoço vermelho como o de um peru e a cabeça e rosto a arderem num formigueiro desgraçado. Dali a pouco meses repetir-se-ia o calvário, porque, regra geral, pelo menos três vezes ao ano. Pela Festa do Viso, Natal e Páscoa.

Mas era assim, e as barbearias, como a do Viso do Ti Antoninho, por esse tempo não tinham contemplações com esquisitices de limpeza. A barba era aparada à navalhada e só de ver o barbeiro a afiar aquela espada numa tira de couro oleada já dava tremuras. Pela prateleira frontal, onde estavam dispostos pentes, tesouras e navalhas, ali eram penduradas tiras de papel de jornal onde a cada passagem da navalha pelas fuças, o barbeiro nelas depositava, um a seguir ao outro, montes de espuma com barba. 

O chão, esse parecia um posto de tosquia de ovelhas, como um relvado de cabelos de todos os tons, lisos, encaracolados, de crianças, jovens e velhos. Era varrido à vassourada apenas quando acabava o dia. 

Finalmente, ainda outra memória: Por muitas vezes, quando eu criança descia o monte mandado pela minha mãe à loja (mercearia) a Casaldaça, o Sr. Silva (Manuel Alves da Silva), pai do referido senhor Antoninho, debruçado na janela central de cima, atirava-me uma moeda de 1 escudo e pedia: - Ó Merquito, traz-me uma maço de cigarros Sporting! Compra rebuçados com o troco!

Nessa altura havia cigarros com nomes dos principais clubes. Não sei qual seria o clube do Sr. Silva, mas é de supor, pela marca dos cigarros, que o Sporting. A verdade é que se não fora os belos cromos com as vistosas camisolas  encarnadas a vestir jogadores como o Eusébio, o Coluna, o Simões, o José Augusto e o Águas, entre outros, e eu não seria benfiquista mas sim sportinguista à custa de comprar tantos maços de tabaco às riscas verdes-brancas para o Sr. Silva do Viso e dos rebuçados que o pouco troco me permitia lamber.

Mas, fechando a cancela a estas memórias, toda essa saudosa gente boa, o Sr. Silva, a sua mulher, a Dona Carolina, o seu filho António, tratado por Antoninho ou Toninho, ou mesmo a mulher deste, a Ti São, já todos partiram e hoje já só subsistem em algumas das nossas memórias. Nas dos familiares, certamente,  mas nas minhas, seguramente.

Por tudo isto, a casa chanfrada continua ali a avivar-me esses tempos, episódios e figuras passadas. 

Mas volvidas décadas, desaparecidas umas pessoas e envelhecidas outras, mantém-se sempre gracioso aquele cisne, na sua pose cimentada, ali ao fundo da balaustrada da escada da casa, a fazer-nos lembrar a música do bailado do Lago dos Cisnes, de Tchaikovski, que certamente na sala de cima tantas vezes o Sr. Antoninho pôs a tocar no velho gira-discos.

Se há alguém que terá ouvido todas aquelas sinfonias, óperas e concertos, o cisne será certamente um deles. 

É perguntar-lhe!

Finalmente, mesmo que já não fazendo parte das minhas memórias, importa dizer que nesta casa chegou a funcionar pelos anos 1940 uma escola destinada a raparigas. Isto antes da construção da escola primária do Viso. Mesmo com a escola do Viso em funcionamento, na parte da tarde sobretudo os alunos da 4.ª classe ali tinham aulas para reforçar ou complementar os estudos, como preparação para o exame da 4.ª classe que por essa altura era coisa séria.


17 de outubro de 2022

Festa do Viso - Antecipada

Na página do Facebook da Comissão de Festas do Viso, ainda nada está divulgado quanto ao assunto - e parece-me que deveria estar - mas quem foi à missa neste fim de semana foi posto ao corrente de um comunicado com uma decisão tomada conjuntamente com a Comissão de Festas 2023 e o pároco Pe. António Jorge.

Em resumo, a título excepcional, foi tomada a decisão de antecipar numa semana a data da realização da nossa festa em honra de Nossa Senhora da Boa Fortuna e Santo António, vulgo Festa do Viso. Assim, do tradicional primeiro Domingo de Agosto, que em 2023 calhará no dia 6, a festa ocorreria nos dias 4, 5, 6 e 7  daquele mês. Sendo antecipada, terá lugar a 28, 29, 30 e 31 de Julho.

Quanto ao motivo, prende-se com o facto de que nos dias em que teria lugar a nossa festa, ocorrerão as Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa, um acontecimento mundial e de extrema importância para o mundo católico. O papa Francisco estará presente com uma grande parte do clero nacional, bem como se espera o envolvimento de centenas de milhares de jovens provenientes dos quatro cantos do globo. Naturalmente que também estarão presentes muitos dos jovens da nossa paróquia. O nosso próprio pároco manifestou interesse e vontade em participar. Totalmente compreensível.

Posto isto, por quem decidiu, foi considerado que o motivo para antecipar a data da festa é importante e justificável e por isso com carácter excepcional.

Naturalmente que, nesta como noutras coisas, para mais quando se trata de alterar pressupostos que são vigentes de há largas dezenas de anos, a decisão nem a todos agradará. 

De minha parte tenho naturalmente a minha própria opinião, mas para o caso é totalmente irrelevante, até porque a decisão já está tomada.

Assim sendo, é seguir em frente!