2 de junho de 2023

Pó da terra


O homem num desígnio bíblico

É de pó feito, transformado,

E à terra em pó tem seu retorno

Como fraqueza de humanidade.

Mas será um destino ciclíco,

Num recomeço renovado

Ou apenas um inerte abandono

À terra por toda a eternidade?


A. Almeida


O poema aborda a condição humana em relação à mortalidade e à sua conexão com a terra. Através de uma análise técnica e poética, podemos explorar os elementos presentes no poema e sua significância.

A estrutura do poema é marcada por duas estrofes curtas, ligadas, e versos breves, o que contribui para transmitir uma sensação de concisão e contundência. O uso de rimas num esquema ABCD, ABCD, e a métrica regular procuram conferir um ritmo cadenciado à leitura, enfatizando os contrastes presentes no conteúdo.

O poema inicia-se com a afirmação de que o homem é feito de pó e que, eventualmente, retorna à terra. Essa imagem evoca a ideia bíblica da criação do homem a partir do pó da terra e sua consequente morte e decomposição. A primeira estrofe também sugere uma reflexão sobre a transitoriedade e fragilidade da condição humana, ressaltando a inevitabilidade do fim.

Na segunda estrofe, surge a indagação sobre o destino do homem após seu retorno à terra. O termo "ciclíco" indica a possibilidade de um recomeço ou renovação, sugerindo a ideia de um ciclo sem fim. Essa interpretação pode estar relacionada à noção de renascimento ou reencarnação presente em algumas tradições espirituais.

No entanto, a última linha da estrofe sugere uma outra possibilidade: a de um "inerte abandono à terra por toda a eternidade". Essa expressão poética evoca a ideia de um fim definitivo e a noção de que, após a morte, o homem estaria abandonado à terra, sem qualquer tipo de existência ou consciência.

A análise técnica e poética desse poema permite-nos perceber a forma como o autor explora contrastes e questões existenciais. O uso de imagens bíblicas, como a criação do homem a partir do pó e seu retorno à terra, adiciona uma dimensão simbólica e religiosa ao texto. A ambiguidade presente nas possibilidades de um destino cíclico ou um abandono inerte cria uma tensão entre a esperança e a resignação diante do inevitável ciclo da vida e da morte.

Em suma, este poema apresenta essencialmente uma reflexão sobre a condição humana, explorando a transitoriedade, a mortalidade e diferentes perspectivas sobre o destino após a morte. Através de sua linguagem poética e imagética, o poema convida o leitor a refletir sobre a natureza efêmera da existência humana e as questões relacionadas à vida, morte e eternidade.

1 de junho de 2023

Contradições



Para quê ser todo sorrisos

Se meus lábios estão presos?

Importará ser criança meiga

Se não sei como ela brincar?

Meus passos vão indecisos,

Na noite há medos acesos;

Sou um rio preso na veiga

Que demora a chegar ao mar.


Para quê tentar ser doce

Se a amargura me inunda?

Porquê esperar suave cetim

Se não sou mais que  rudeza?

Sou a modos, como se fosse

Uma inquietação profunda

A contradizer tudo em mim,

Onde até a dúvida é certeza.


A. Almeida


"Contradições" é um poema que explora o tema das contradições internas e a luta entre diferentes aspectos da personalidade. ma e sua expressão lírica.

O poema é composto por quatro estrofes, ligadas duas a duas, cada uma com quatro versos, seguindo uma estrutura regular de quartetos com um esquema de rimas ABCD, ABCD, ABCD, ABCD.  A combinação de versos curtos e a presença de pausas criam um ritmo marcado e uma cadência pausada.

A primeira estrofe apresenta a contradição entre a aparência externa e a realidade interna. O eu lírico questiona a necessidade de parecer alegre e inocente quando, na verdade, seus lábios estão presos e ele não sabe como ser uma criança brincalhona. Essa contradição revela uma tensão entre a persona que se mostra para o mundo e a essência interior.

Na segunda estrofe, o eu lírico expressa a indecisão e os medos que o acompanham durante seus passos incertos. A imagem do rio preso na veiga, que demora a chegar ao mar, representa a sensação de restrição e a dificuldade em alcançar a plenitude ou a liberdade desejada. Essa estrofe reforça a ideia de limitação e frustração.

A terceira estrofe aborda a contradição entre a tentativa de ser doce e a presença constante de amargura. O eu lírico se pergunta por que esperar por suavidade quando é envolto pela rudeza. Essa dicotomia entre a doçura desejada e a amargura presente cria um conflito interno que o eu lírico enfrenta.

A quarta estrofe revela uma contradição profunda dentro do eu lírico, em que até a dúvida se transforma em certeza. Essa afirmação sugere uma inquietação constante e uma tendência à contradição interna. O poema termina destacando a luta entre diferentes aspectos da personalidade, enfatizando a complexidade e a ambiguidade do eu lírico.

"Contradições" procura um retrato da experiência humana de viver com conflitos internos e a dificuldade de se adequar a expectativas externas. O poema utiliza imagens vívidas e metáforas fortes para expressar a tensão entre a aparência e a realidade, entre o desejo e a limitação.

A repetição das palavras "para quê" no início de cada estrofe enfatiza a busca de respostas e a reflexão sobre a relevância de certos comportamentos ou expectativas. As contradições apresentadas no poema refletem a complexidade da existência humana e a luta constante para conciliar diferentes facetas da personalidade.

A linguagem poética é marcada por uma dicotomia entre opostos, como sorrisos e lábios presos, criança meiga e desconhecimento de como brincar, doçura e amargura, suavidade e rudeza. Essas contradições intensificam a sensação de conflito interno e a dificuldade em encontrar.

A. Almeida

31 de maio de 2023

Deve ser em Guisande

 


Nesta como noutras coisas, cada cabeça sua sentença. Independentemente de se gostar ou não do design e grafismo escolhidos, parece-me que sob um ponto de vista formal o cartaz da nossa festa, que foi apresentado publicamente no último Domingo, desconsidera alguns aspectos que tenho como importantes. Desde logo, mesmo que conhecida por Festa do Viso, é acima de tudo e antes de mais a Festa em Honra de Nossa Senhora da Boa Fortuna e de Santo António. Assim, creio que a esta designação devia ser dado maior destaque e não apenas uma anotação de forma discreta em roda-pé.

Por outro lado, posso estar a ver mal, mesmo com óculos, mas em todo o cartaz não vejo qualquer referência a Guisande. Ora em qualquer cartaz de evento, para além da designação do mesmo e da data, é fundamental que tenha o local. E antes e mais do que ser do Viso, a festa é de Guisande. Seria e será sempre imprescindível que tenha a referência à freguesia e até mesmo ao concelho, porque hoje em dia estas coisas podem ser divulgadas bem ao longe e importará saber-se onde fica o Viso, até porque pelo país fora há outras festas do Viso. De facto, em várias localidades portuguesas há o culto a Nossa Senhora do Viso, pelo que também por aí são conhecidas como as festas do Viso.

Ainda alguns outros pormenores, menores mas também importantes, como indicar "21H - Rancho de Lobão". Qual deles? É que lá existem dois e até já foram três. Será o Rancho Regional da Vila de Lobão ou o Rancho Folclórico de S. Tiago de Lobão? Também o Rancho de Sanguedo, designa-se como Rancho Folclório Santa Eulália de Sanguedo. É sempre bom chamar "os bois pelos seus nomes". Dentro da mesma falta de atenção, também parece-me que a missa marcada para Segunda-Feira, não costuma ser assim tão "solene" como isso. Ou neste ano terá novamente sermão, a Banda Marcial do Vale a acompanhar e foguetes a estourar a "Santos"? Ainda no que toca a solenidade, a missa vespertina de Sábado, na igreja matriz, será também solene? Talvez importe aqui, para não vulgarizar, distinguir o conceito de "solenidade" aplicado a uma missa. As missas em si são todas iguais no seu fundamento mas a solenidade festiva que se lhe empresta, essa ou tem ou não tem. 

Finalmente ainda um pequeno reparo: A forma escrita "Em honra da Nossa Senhora..." não é a certa. A forma mais correcta seria "em honra de Nossa Senhora". A preposição "de" é usada para indicar posse ou pertença, e  indica que a honra está relacionada a Nossa Senhora.

Palavra de honra, e juro de forma solene,  que isto são apenas reparos construtivos.

...Para quando der jeito

A Rua de Trás-os-Lagos aqui em Guisande esteve várias semanas condicionada com as obras de instalação de redes públicas de água e esgotos, num destapa, tapa, destapa, e até nem se compreende que as mesmas não tivessem sido realizadas há já vários anos aquando nas demais ruas, a não ser por motivos meramente economicistas da empresa concessionária.

Certo é que as ditas obras aparentemente já terminaram há várias semanas e da parte de quem tem essa responsabilidade ainda não foi reposto o pavimento. Se não de toda a plataforma da rua, como se espera, pelo menos das valas que foram abertas. E já agora limpar o resto dos materiais nas bermas.

Assim, sobretudo os moradores, vamos circulando diariamente aos solavancos, ora com poeira, ora com lama e com os carros a sofrerem nos eixos. 

Não me parece, de todo, correcta esta situação que só demonstra irresponsabilidade e uma gestão de timings sem qualquer controlo, num dolce far niente, porque são obras não para se fazer mas para se ir fazendo, quando calhar, quando der jeito, bem à portuguesa. Afinal de contas, a quem incomoda? Apenas a meia dúzia de moradores? Todos os demais estão a leste da preocupação e reponsabilidade.

Esperam-se, pois, mais umas largas semanas, quiçá meses. Estamos a contar.

Querida avó - Querida neta - 2

Querida neta, cá arrecebi o teu amail. Ainda me atrapalho com estas coisas do computador e tenho que ler as instruções que me escreveste, mas lá conseguir abrir a caixa de entrada. Raio da caixa esta que não tem tampa.

Olha, como sabes que não andei na universidade como tu, e só fiz a terceira classe à custa de muita porrada do professor Lúcio e do teu bisavô, ainda dou muitos erros mas o que me socorre nalguns é o tal tradutor do amail. Estas ferramentas modernas fazem de tudo e até um cego consegue ver e um mudo falar.  

Olha, fiquei triste por saber da morte do Zeca do Caneiro. Pobre homem, não era mau diabo apesar de não gostar de tomar banho nem cortar a barbucha. Deus Nosso Senhor, que é pai de todos, o enxergue ao seu lado mas que o S. Pedro lhe dê primeiro um valente banho. Já lhe rezei dois terços e quando cá vieres levas 10 euros para uma missa aí em Guizarães. Gostaria de mandar rezar mais mas o raio das missas aí estão caras comó diabo. Bem que podiam ser mais em conta como aqui com o padre Tobias. Assim as almas do purgatório têm que penar mais tempo por falta de missas.

Querida neta, é  um segredo mas estou a tricotar umas meias de presente para quando fizeres 27 anos. Ainda andei tentada a tricotar umas cuecas para no frio do inverno ficares com o cu bem agasalhadinho mas a vizinha Francelina, quando lhe contei, disse que era asneira porque a juventude de agora não quer tapar o traseiro, mas andar com ele destapado. Modernices e poucas vergonhas é o que é. Quando eu tinha a tua idade para fazer as necessidades perdia 10 minutos a destapar a barrica. Desculpa lá, mas sabes que sou um bocado desbocada.

Olha cá na aldeia sempre vão fazer obras na capela de S. Tomé, mas, a jeito do santo, primeiro ver para acreditar. Que a capela está uma miséria, está. Até chove na careca do S. Domingos e a serra do S. José está cheia de ferruge. O padre Tobias diz que vai ser preciso fazer um peditório à freguesia porque o saldo em caixa não chega p´ra nada. O presidente da Junta sugeriu que se fizessem uns leilões de orelheiras e pernis de porco para arrecadar dinheiro pelo menos para as pinturas e vedações mas o padre Tobias disse que para isso tinha que decapitar e amancar mais de 100 porcos e nunca mais seria noite para além da carne salgada fazer mal aos paroquianos. A freguesia está farta de peditórios mas vai ter que se virar para mais um. Também vão fazer umas rifas e o primeiro prémio será três livro de rifas pró próximo sorteio e o segundo prémio dois livros de rifas e por aí abaixo.

Olha, se gostares de brócolos passa cá a casa que eles já estão bem cheios. O Dr. Mirandela diz que são bons para prisão de ventre e para mais uma carrada de coisas.

Querida neta, já escrevi muita coisa e sabes que escrevo devagar, por isso fico-me por aqui. Vou tirar a ficha do computador e ver o “Preço Certo”. Depois de jantar vou ver se me alembro de rezar mais dois terços pelo Zeca do Caneiro.

Muita saúde aí para casa e o teu pai que não abuse dos brufenes que ainda é novo e é preciso sofrer pelos pecados do mundo como sofreu o santinho do padre Pio!

29 de maio de 2023

Querida avó - Querida neta - 1

Querida avó, espero que este email te encontre de boa saúde e que já não te doam as costas. Por cá em Guizarães  vai indo tudo bem e na família vai-se indo. Apenas a mãe anda com uma tosse danada que mais parece a fanfarra de Vila da Açorda. Diz que deve ser restos da covid. O pai também anda a abusar dos brufenes e dos benurons com as dores do ácido úrico mas recusa-se a fazer dieta. Sabes como o teu filho é teimoso...Tem a quem sair !(lol).

Olha, foi bom teres conseguido tirar a formação para saber usar o email no computador que o pai te ofereceu no Natal. Bem vês que assim é bem mais fácil escrever-te a contar as novidades da terra e da família. És uma avô esperta e espevitada e não ficas atrás da Isabel II que, coitada, também já foi à vida. Só acho que também devias aprender a usar o Facebook  e o Whatsapp pois assim podias publicar fotos de gatinhos e de postais de flores e passarinhos  para partilhares com as tuas amigas. Quando eu estiver de férias da empresa vou ver se tiro umas horas para te ensinar. Vais ver que é fácil. A tua amiga, a Zeferina, tem Facebook e um dia destes mostrou-se na padaria de Travassos a comer um "jesuíta" e a beber um copo de Fanta, com a Amélia do Oiteiro. A danada até tem conta no Tinder mas é melhor não te dizer o que isso é porque ainda de atentas.

Não sei se soubeste, porque não tens Facebook, mas faleceu o Zeca do Caneiro. Ainda no dia anterior estava vivo e na manhã seguinte encontraram-no morto à entrada do barracão. Devia ter ido deitar comer ao Ringo porque ainda tinha nas mãos umas costelas de porco rapadas. Deve ter-lhe dado qualquer coisa, coitadito. Mas bem sabes que já andava nos 97 e a dizer que ía chegar aos 100 para lá irem a casa os presidentes da Junta e da Câmara tomarem chã a tirar fotografias para o Facebook. Se quiseres vir à missa do 7.º dia passo aí na quarta-feira para te trazer. Mas depois confirmo porque o padre Rufino ainda não marcou a hora. É capaz de ser às 7. 

Olha, quem não anda contente é o Albino do Costeira. Apanhou uma multa da Câmara de Santulheira por ter aumentado 13 centímetros a altura do muro com o vizinho e não ter metido projecto. Não se conforma até porque o muro do Armando é mais alto do que o dele. Mas diz que o que mais o arrelia, para além dos 500 euros da coima, é que sabe que o Fernando da Noronha anda a fazer obras na casa para o filho e que clandestinamente construiu uma garagem para o seu Mercedes, mesmo encostadinha ao rio Salgueiro, e que no PDM até está a calcar a reserva agrícola e ecológica, mas que nisso a Câmara não liga. Também diz que o João da Costa, do lugar de Covelinho anda a fazer um grande barracão  em chapa verde para criar avestruzes e porcos pretos na leira da ribeira de baixo, também em reserva agrícola e ecológica e que os fiscais por lá não passam ou se passam desviam o olhar para a capela de Santa Luzia, padroeira dos cegos e vesgos, e fazem disso vista grossa. E olha que a coisa deve ter uns 100 metros quadrados e uns 4 de altura. Anda danado o homem e com razão, parece-me.

Outra coisa, avó: Não te esqueças que tens consulta de ortopedia no dia 22. Toma banho, lava-te por dentro e por fora e põe-te pronta por volta das 8:00 horas que a Tia Nanda passará por aí para te levar. Também ligaram da Minisom a dizer que o teu novo aparelho já está pronto. Vais ver que ficarás a ouvir melhor e assim escusas de fazer confusão com o que ouves na televisão e rádio Se estiverem a faltar medicamentos para as tensões, para sangue grosso e para dormir, avisa para pedir mais no posto médico.

Por agora é tudo, avó. Fica bem e não andes na horta a cavar ou a arrancar ervas com o nariz no chão com ares de javali. Não tens necessidade disso. Depois não te queixes que andas com as costas e os joelhos num sofrimento de via sacra.

Fica bem, avó! ...não te esqueças da cena da consulta que a Tia Nanda não gosta de esperar nem chegar tarde e já sabes que para arranjar estacionamento no hospital da vila  é mais difícil que arranjar um lugar no céu.

Entretanto volto a escrever!