9 de agosto de 2023

Capelinha do Senhor do Bonfim - Apontamentos históricos


Todos nós guisandenses conhecemos de há muito a capelinha ao Senhor do Bonfim, erigida ali no limite entre os lugares da Barrosa e Reguengo, mas em rigor, porque nela não está lavrada, desconhecemos a data da sua construção. Já quanto à origem ou motivo, foram transmitidos oralmente alguns testemunhos, mesmo que com poucas certezas.

Tendo em conta o testemunho recolhido pessoalmente pelo André do Reguengo junto da D. Maria Isaura Borges, da Casa do Loureiro, nascida em 1917 e falecida em 2015, casada que foi com o Dr. António Ferreira da Silva e Sá, o mandante da edificação da Capelinha ao Senhor do Bonfim teria sido um Raimundo, também conhecido por Raimundinho. Posteriormente,  terá sido dada a informação por um dos filhos da D. Isaura que trataria de um avô do avô da mãe.

Em todo o caso, deve haver aqui alguma confusão (um dos problemas da oralidade) pois sendo certo que existe pelo lado do ramo paterno um Raimundo, antepessado da D. Maria Isaura, da Casa do Loureiro, este seria seu bisavô e não trisavô. Para ser um trisavô (avô do avô) do ramo de Raimundo teria que ser Domingos José (avô paterno) ou Manuel José (avô materno).

Inicialmente, ainda antes de ter logrado obter a certidão de nascimento, fiz as seguintes considerações: Tomando em conta o ano de nascimento da D. Maria Isaura (1917), recuando no tempo e considerando gerações médias de 25 anos, como era comum na época, poderemos especular com alguma proximidade à realidade que esse seu trisavô Raimundo poderá ter nascido por volta de 1817. Se mesmo usando a média de 30 anos, resulta que poder-se-ía estimar ainda por volta de 1797. Ou seja, quase seguramente entre o intervalo temporário de 1797 e 1817.

Entretanto, após aturadas diligências e buscas, consegui chegar à certidão de nascimento do tal Raimundo, que no final desta artigo transcrevo, e a mesma confirma a estimativa feita. Ou seja, na realidade o Raimundo, suposto mandante da edificação da capelinha ao Senhor do Bonfim, nasceu a 23 de Novembro de 1809, por isso dentro do tal intervalo temporário estimado de 1797 a 1817.

Em segundo lugar, tendo em conta que a promessa de construção da capela terá ocorrido no contexto de uma viagem marítima aflitiva e atribulada por tempestade no Atlântico, em que do Brasil, onde foi emigrante, regressava a Portugal, podemos supor que teria entre 50 a 60 anos de idade, o que somado a 1809 poderemos igualmente extrapolar que a construção da capela terá ocorrido entre 1859 e 1869. Grosso modo será da época da construção da capela do Viso, precisamente de 1869, dedicada à Senhora da Boa Fortuna e a Santo António.

Continuando no campo da especulação, à falta de documentos escritos e testemunhos orais consistentes, pelas datas e circunstâncias, a construção da capela do Viso poderá perfeitamente ter tido mão, motivação e financiamento desse antepassado da Casa do Loureiro, até porque a invocação de "Boa Fortuna", para além de outras interpretações, remete para o de uma grande graça ou sorte alcançada. Além do mais, para tão grande aflição na viagem, com risco de naufrágio, e tamanha fortuna alcançada pelo seu bom fim, parece-me que o pagamento da promessa apenas com a pequenina capela seria coisa de pouca monta para quem supostamente seria tão abastado e com fortuna trazida do Brasil.  Não custa, por isso, acreditar que para além da promessa ao Senhor do Bonfim também fosse feita uma à Senhora da Boa Fortuna.

De resto, por esses tempos, não fosse gente endinheirada, não estou a ver como a pequena e pobre freguesia de Guisande, marcadamente de pequenos lavradores e famílias que subsistiam do que a terra dava, e na sua larga maioria ainda a pagar rendas, tributos e quinhões a meia dúzia de proprietários mais abastados, conseguisse reunir dinheiro para tal construção, já que a capela do Viso é de generosas dimensões e edificada de forma sólida, com boa cantaria e ainda com três altares, coro e púlpito. É, pois, uma mera especulação mas com indícios de alguma sustentação. Quem sabe se algum dia poderemos vir a encontrar fontes e documentos que confirmem ou desmintam esta hipotética mas plausível relação?

Quanto a este tal Raimundo, conforme certidão de nascimento abaixo transcrita, era  filho de Domingos José Francisco de Almeida (natural de Mafamude - Vila Nova de Gaia) e de Maria Felizarda de São José Loureiro da Silva, da Barrosa, Guisande. 

Por conseguinte este Raimundo, seria irmão do Pe. José Gomes de Almeida, ou também referido como Pe. José Gomes Loureiro, ou mais popularmente como Abade Loureiro, nascido em 22 de Setembro de 1807 (mais velho 2 anos do que seu irmão) e que foi pároco nas freguesias de Pigeiros e de S. Jorge de Caldelas (Caldas de S. Jorge) - Vila da Feira. Também consegui aceder à certidão de nascimento deste José.

Por conseguinte, este Raimundo, que a ter em conta o nome do irmão clérigo, seria suposto ter como nome completo  Raimundo Gomes de Almeida, mas vim a confirmar, na certidão de nascimento de meu bisavô paterno, que lhe era afilhado, que era Raimundo José de Almeida. Era, como o irmão abade, neto paterno de Domingos Pereira de Almeida e Vasconcelos e de Clara Angélica Rosa e neto materno de Manuel Gomes Loureiro e Tomázia Rosa da Silva Jesus.

Este Raimundo foi ainda padrinho de um outro Raimundo, do lugar do Reguengo, nascido no dia 14 do mês de Julho do ano de 1833, este filho legítimo de Manuel Caetano Henriques e de Maria Joaquina, neto paterno de Caetano José Henriques e de Custódia Maria, do mesmo lugar, e neto materno de Manuel de Pinho e de sua mulher Anna Ferreira do lugar do Casal, freguesia de Gião. 

Em resumo, há neste artigo nomes, datas e factos concretos mas também algumas considerações que resultam de mera estimativa ou especulação. Mas com base e a partir do tal testemunho da D. Maria Isaura da Casa do Loureiro, é legítimo considerar os dados até aqui expressos. Ou seja, que a capelinha do Senhor do Bonfim terá sido mandada edificar por Raimundo José de Almeida, da Casa do Loureiro, da Barrosa, na sequência de uma promessa em situação de aflição, e que tal terá sido concretizada na segunda metade do século XIX, aproximadamente por ocasião da construção da capela do Viso em invocação à Senhora da Boa Fortuna, em 1869.


Transcrição da certidão de nascimento de Raimundo José de Almeida

Raimundo (*), filho legítimo de Domingos José Francisco de Almeida e sua mulher Maria Felizarda de São José Loureiro da Silva, do lugar da Barrosa, desta freguesia de Guisande, neto paterno de Domingos Francisco de Almeida e Vasconcelos e de sua primeira mulher Clara Angélica Rosa, moradores que foram na freguesia de São Cristóvao de Mafamude, mieira com a freguesia de Santa Marinha de Gaia e agora nas Vendas Novas da freguesia de S. Tiago de Lourosa, e materno de Manuel Gomes Loureiro e de sua mulher Tomázia Rosa da Silva de Jesus, do dito lugar da Barrosa desta freguesia de Guisande.

Nasceu no dia vinte e três (23) do mês de Novembro do ano de mil e oitocentos e nove (1809). Foi por mim, José dos Santos Figueiredo, abade desta mesma freguesia, baptizado no dia vinte e sete (27) do dito mês e ano.

Foram padrinhos Manuel Francisco de Almeida, do lugar do Boco, freguesia de Lourosa, tio do mesmo baptizado, e Tomázia Rosa da Silva de Jesus, avó materna do mesmo baptizado, e testemunhas o sobrinho Domingos Francisco de Almeida e Vasconcelos, avô paterno, e o sobrinho Manuel Gomes Loureiro, avô materno do mesmo baptizado, que aqui assinarão, dia, mês e ano (...)

(*) O nome completo: Raimundo José de Almeida


Outra consideração factual:

Tendo em conta os nomes acima referidos, resulta que eu próprio sou descendente de antepassados da casa e família dos Loureiros da Barrosa, já que o meu bisavô paterno, Raimundo Gomes de Almeida, que nasceu em 19 de Janeiro de 1849 e faleceu com 56 anos de idade no dia 10 de Dezembro de 1905, era neto paterno de  Domingos José Francisco de Almeida e de Maria Felizarda de São José Loureiro da Silva (meus tetravós), estes do lugar da Barrosa, Guisande, e neto materno de Manuel José de Matos e de Maria Rosa de Jesus (meus tetravós), do lugar da Lama, Guisande. 

Ou seja, este meu bisavô era filho de um dos irmãos do tal Raimundo (por isso sobrinho) de que temos vindo a falar, no caso, filho de Domingos José Gomes de Almeida (meu trisavô paterno) e de Joaquina Rosa de Oliveira, do lugar da Barrosa (minha trisavó paterna). Acabei também por descobrir que este meu bisavô paterno era afilhado do referido Raimundo José de Almeida.

Mais se conclui, e pela ordem natural das coisas, que em rigor somos todos parentes uns dos outros o que se comprova se formos a estabelecer as nossas árvores genealógicas, o que não é de todo tarefa fácil, senão mesmo impossível.

Creio que por tudo quanto foi escrito, mesmo sem todos os factos, temos já um conjunto de apontamentos que enriquecem a história da origem da nossa popular capelinha do Senhor do Bonfim.


A.Almeida - 08-08-2023


Actualização: 10-08-2023

Já depois de escrito e publicado o artigo acima, consegui aceder à certidão de óbito do até aqui falado Raimundo José de Almeida, tido como suposto (não confirmado) mandante da edificação da capelinha ao Senhor do Bonfim. 

Nesta certidão, para além da confimação de alguns dados biográficos, como a filiação, sendo filho de Domingos José Francisco de Almeida e de Maria Felizarda de São José Loureiro da Silva, fica-se a saber que faleceu em 23 de Janeiro de 1897, por isso com 87 anos de idade e que foi casado com Joana Rosa de Almeida e que vivia no lugar da Lama, na freguesia de Guisande.

Até aqui, tudo certo só que a ter em conta o que relata a mesma certidão de óbito, este Raimundo não deixou filhos, logo não poderia ser avô de quem quer que fosse, incluindo a D. Maria Isaura. Portanto, a ser Raimundo, terá que ser outro.

Assim sendo, tomando como fidedigna a informação contida na certidão, cai pela base a suposta relação deste Raimundo José de Almeida à construção da capela ao Senhor do Bonfim. 

A manter-se ainda como válido o testemunho oral colhido junto da D. Maria Isaura, apesar de posteriormente já não se recordar do nome, a ter existido e a ter Raimundo como nome, então, eventualmente só de outro ramo do qual ainda não encontramos ligação e esta terá que ser analisada da actualidade para cima, ou seja saber o nome dos pais e avôs da D. Maria Isaura e por aí acima, como quem diz, recuado no tempo.

Ora, por enquanto, apesar de buscas, ainda nada consegui encontrar desta relação. Por conseguinte, até novas evidências, esta história da origem da capelinha ao Senhor do Bonfim continua por resolver e a pertencer ao campo da especulação.


Outros aspectos:

A capelinha conforme existe na actualidade, não corresponde em termos de aspecto ao que seria a sua forma original. Na verdade já sofreu obras, nomeadamente pelo início da década de 1980, sendo as mais notórias o revestimento das fachadas em azulejo bem como refeita a cobertura já que esta originalmente seria em estrutura de madeira e telha. Para além disso foi pintada a imagem de Cristo no cruzeiro interior em pedra, o qual, apesar da boa intenção do artista, ficou de facto com uma qualidade artística de baixa qualidade. Também a porta não corresponde à original que naturalmente seria em madeira.

A propósito destas obras, recordo-me de na altura ter tido uma conversa com o então pároco, Pe. Francisco, o qual torceu o nariz ao revestimento em azulejo, dizendo ter preferido que se mantivessa o reboco original ou então, se em azulejo, que fosse branco mas sem padrão. Também o revestimento do roda pé foi de mau gosto. Também não apreciou que fosse colocado um painel da Sagrada Família, na fachada sul e que, no mínimo deveria ser monocromático, apenas em tom azul, como é tradicional e que melhor combinaria com o tom azulado do restante revestimento.

O revestimento da cobertura em azulejo depressa ficou em mau estado e posteriormente foi substituido por pastilha cerâmica em tom cinza. Pessoalmente, creio que seria valorizada a capelinha se fosse novamente instalada uma cobertura em telha mantendo a configuração de "quatro-águas" e que corresponderia à imagem original.

Por outro lado, aquele poste eléctrico ali encostado do lado norte é uma aberração estética e que deveria ser mudado.