24 de janeiro de 2024

A palavra de um homem já não vale um molho de grelos

Neste último Sábado, não sei se repararam mas esteve um bonito dia de sol, como já não há algum tempo. Assim, porque isto de pedalar só é prazeroso se pelo menos com sol, lá tirei a bicicleta do sossego e lançámo-nos à estrada.

Ía ali por Cesar, já próximo das onze horas, quando me aproximei de um outro ciclista de fim-de-semana e porque se rolava no plano metemos conversa. Disse-me que já tinha subido e descido a Freita. Como os ciclistas tendem a exagerar  nas suas façanhas, respondi-lhe que também já tinha ido a Arouca e subido à Senhora da Mó, pelo que já trazia uns valentes quilómetros nas pernas e apanhado um frio do caralho. É certo que já subi à Senhora da Mó pelo menos uma meia-dúzia de vezes e mais do que isso à Freita, mas não nesse dia. 

Lá aceitamos como verdadeiras as gabarolices mútuas e com naturalidade continuamos a conversa, de onde era, idade, peso, etc, coisas relevantes para quem pedala. Disse-me que vivia ali pelos lados do Loureiro, de Oliveira de Azeméis, e seria um pouco mais novo e bem mais leve do que eu.

Já na estrada de Vale de Cambra para S. João da Madeira, ali por Pindelo, viu na berma um vendedor de frutas e legumes e ao ver uns bons molhos de grelos disse que ía parar para comprar. Achei estranho e fiquei curioso em como é que havia ele de transportar um molho de grelos até ao Loureiro. Talvez com a saca pendurada no volante, amarrada no quadro ou enfiada dentro da jérsey o que lhe daria um ar de barrigudo, mas que seria seguramente um empecilho. Mas lá parei com ele para assistir ao negócio, até porque também gosto de grelos, mas seguramente que não os compraria ali pela simples razão de não ver como os transportar e ainda longe de casa e com subidas pela frente.

Lá viu os grelos, pediu o preço, e dispô-se a levá-los e já os imaginava verdes, tenros e fumegantes a fazer companhia a uns rojões, mas quando ía para pagar deu conta que não tinha levado a carteira nem dinheiro. Então, porque pretendia ainda ir a tempo de a esposa os meter na panela ao almoço, questionou o vendedor se os poderia levar e que pela parte da tarde teria que ir a Carregosa pelo que passaria por ali e pagaria os grelos. Ora o vendedor, já estranhado por ver um ciclista em calças de licra a comprar grelos na berma da estrada, não lhe confiando na palavra, disse que não poderia fazer isso, que tivesse paciência. Que passasse ali depois do almoço, que ainda deveria ter, e que se quisesse até os reservava. O ciclista, desconsiderado e desacreditado na palavra e porque os pretendia comer ao almoço, desejoso com uma mulher prenha, virou costas e desistiu dos grelos. Pouco depois despedimo-nos. Ele cortou à esquerda  na variante e atalhou para Oliveira de Azemeis e eu para Cesar a caminho de casa.

Pela subida até ao Mergulhão, não pude, entre sorrisos e algum espanto, deixar de rever aquela cena, algo caricata mas que teve um significado profundo, o de que por estes tempos a palavra pouco ou nada vale. Noutros tempos a palavra dada era sagrada e honrada e até se pagaria com a vida se não cumprida, como aprendemos com o quadro histórico de Egas Moniz, aio de D. Afonso Henriques por quem dera palavra ao rei de leão e Castela, Afonso VII, para este levantar o cerco a Guimarães. O jovem príncipe recusou a vassalagem prometida e o aio ficou em incumprimento da sua palavra e honra e desse modo apresentou-se com a sua família de corda ao pescoço perante o rei castelhano, como penhor da sua promessa não cumprida.

 Mas isso foi noutros tempos e de gente que levava a palavra jurada a sério. Pelo contrário, nos tempos que correm a palavra de honra  já nada vale, nem sequer dois euros e meio, o preço de um molho de grelos.