17 de setembro de 2025

Encantadores de serpentes


No geral, os políticos de profissão, nacionais ou locais, falam bem, muito bem mesmo. Dominam a oratória, mostram dominar os temas, o fluxo do discurso e seu ritmo. Sabem onde tocar aos ouvintes, no orgulho de pertença, na exaltação das virtudes, ainda que escassas ou por provar, e mesmo, se preciso for, conseguem fazer brotar uma lágrima manhosa, ou desencadear um arrepio de pele aos mais sensíveis.

Todos esses atributos ganham ainda maior destaque quando periodicamente sabem que precisam daquelas coisas com que se compram os melões do poder: os eleitores e os seus votos. Então tudo parece ganhar mais sentido, mais afeição, mais proximidade, falando para o Zé da Esquina como se um amigo de longa data e para o Manel da Maria como se a mais importante pessoa do lugar ou da aldeia.

Em resumo, dominam o verbo, o tempo e as circunstâncias. Sabem-na toda, porque com muitos anos a virar frangos. E não surpreende, porque de facto fazem disso carreira, o seu ganha pão, a notoriedade, mesmo que debaixo da capa ou do eufemismo de serviço público, de cidadania. Até pode ser, mas convém que em casa nada falte e à hora de almoço ou jantar haja peixe ou carne no prato. Isto para dizer que a cidadania e o serviço público são bonitos, precisam-se e recomendam-se, devem ser valroizados, mas ninguém vive apenas do voluntarismo, de ar nem de água da chuva.

Não obstante tudo isso, uma vez alcançados os objetivos e confirmados os cargos ou as posições, o Zé da Esquina e o Manel da Maria voltam a ser descartáveis e apenas uns entre muitos anónimos. E se antes tudo eram simpatias, abraços, atenções, cortesias, promessas de estar ao serviço e ao dispor, num repente as portas fecham-se, as reuniões têm que ser marcadas com tempo, ou mesmo adiadas, ou, se feitas, curtas, rápidas e impessoais. Os contactos e canais de comunicação, antes abertos, directos, disponíveis, escancarados, ficam fechados, restritos, estreitam-se e desviam-se. Os telefones não atendem, não devolvem as chamadas ou, quando muito, dados recados por terceiros, assessores, a prometerem atenções que quase sempre não serão dispensadas. Os e-mails não funcionam e recebem-se respostas automáticas ou o link para formulários impessoais para o contacto.

Mas estas coisas, estas mudanças, só surpreendem ou decepcionam quem , de boa fé ou ingenuamente, acredita no que ouve, no que lhe dizem, certos de que ainda há gente séria, honesta e que leva a sério o valor da palavra e do compromisso. Quem tem uma melhor noção das coisas e da classe, até pode dar ares de confiança mas estará sempre de pé atrás, a ver para crer. No mínimo.

Ao contrário, os que são colhidos de frente pela locomotiva da realidade, esses sim, arriscam-se a ser trucidados, a perceberem no que se meteram só depois de já estarem num beco de sentido único.

É a vida! Importa pois, acreditar que ainda há gente boa e sem segundas caras, e há com certeza, até mesmo na classe política, por si tão desacreditada, mas com cautela, sem deslumbramentos em tudo o que seja relação com a mesma. 

Por conseguinte, ainda continuam a ser válidos certos ensinamentos antigos, do nosso povo, e não se perde nada em sermos como S. Tomé, a quer ver para crer. É certo que Jesus disse que “felizes os que acreditam sem terem visto”, mas isso é Jesus, que é de outro campeonato e de patamar inalcançável. Por cá, em tudo na vida mas sobretudo no contexto político e eleitoral, melhor é ver para crer, sem deslumbramentos fáceis, sem pôr todas as fichas num qualquer encantador de serpentes ou mágico a tirar coelhos da cartola, moedas das orelhas ou pombinhas brancas das algibeiras.

Tudo na justa medida! Quanto baste! Pão, pão, queijo, queijo! Depois é ver e comprovar se foi ou não merecida a confiança dada.