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7 de fevereiro de 2024

Dúvida permanente


Poderá uma vida inteira

E a sabedoria dela colhida

Dar respostas às perguntas,

Por mera curiosidade

Ou dúvidas, somente?


Será sempre esta a canseira

Da questão não respondida,

Porque palavras já defuntas

Levaram na morte a verdade;

Ficou a dúvida permanente.

6 de fevereiro de 2024

Silêncio a cantar



Ainda que a noite esteja

Ofuscada de escuridão,

Há-de haver sempre luz;

Se não um clarão de lua,

Um pirilampo a piscar.


Se a raiva que me sobeja

Ecoa e fere como trovão,

Nos nossos corpos nus,

Enlaçados na cama tua,

Haverá silêncio a cantar.

29 de janeiro de 2024

Poesia?


Soubesse eu de poesia. Num quarteto, soneto ou ode, pronto soprava para longe o nevoeiro que cega e entontece. Soubesse eu, mas não sei.

Cavo na prosa, que não é de brisas, antes de pesos, arrastos, algemas e grilhetas. Desconhece a inspiração. Nada lhe vem do alto ou do sublime, é obra de enxada em terra dura, com morosidades de boi antigo nas voltas da nora.

Obriga-me a escrever beijo, quando por vontade escolheria ósculo. Falo de lusco-fusco, envergonhado de dizer arrebol. Mas poeta não é qualquer, nem quem quer, só aquele que as Graças favorecem.


J. Rentes de Carvalho

27 de janeiro de 2024

Olhares - Espigueiros numa manhã de sábado

 


A minha alma é celeiro 

Onde te recolhi madura

Como grão primeiro

De uma ceifa pura.

Na essência do repartir

Foste à terra amante,

A germinar, a florir,

A dar fruto abundante.


AA-24012024

1 de janeiro de 2024

Ano novo


Dia de novo ano,

O primeiro de quantos faltar,

O princípio do fim,

O começo do resto.

Do passado ufano

Pouco adianta dele contar

O que fez por mim,

Porque ténue, funesto.


Assim correm os dias,

Os meses e os anos:

Alegres, em correrias,

Relevando desenganos.

24 de dezembro de 2023

Glória a Deus nas alturas!





Natal! 

Quando a humanidade se alevanta

No mais pequeno, humilde dos seus

Como rei de todas as criaturas;

Um coro de anjos ecoa e canta

Na plenitude de todos os céus:

- Glória! Glória a Deus nas alturas!


Natal!

A humildade, a esperança renascida

Como uma árvore a acordar, a florir,

Na alvorada de cada nova Primavera;

Renasce Jesus, como ímpeto da vida,

Messias já vindo mas sempre a surgir

Ao encontro fraterno de quem espera.

1 de novembro de 2023

Sessenta mais um

O que pode um homem escrever no dia do seu próprio aniversário? Tantas e tantas coisas, mas já de tanta experiência a fazer anos, já pouco importa o que escrever. Há um ano, a dobrar o cabo dos sessentas, fiquei-me por um poema, que a seguir relembro. Por conseguinte, é mais uma onda a rebentar na praia e cada vez mais, mansa e a espumar-se. Talvez já não valha a pena ter ondas à moda de Peniche, enormes, alterosas, como que ainda com toda a praia por sua conta onde rebentar. A esta altura da caminhada, uma onda tépida, macia, a massajar os pés, é quanto basta.

Seja como for, escreva-se o que se escrever, com mais ou menos filosofias, mesmo na forma de um poema, no fim de contas tudo se resume a elas, às contas. Mas, felizmente, ainda bem, a quantos anos chegaremos é uma dúvida que de algum modo nos aguenta. Os muitos que ao longo da história não resistiram à dúvida, determinaram eles o desfecho. Mas, porra, ainda não sou um Camilo, um Antero ou uma Florbela! 

Haja caminho para se caminhar e vida para se viver!


Eis-me aqui, sereno, nos sessenta,

Se é que nisso haja importância;

Não mais que onda que arrebenta

Na dura costa da irrelevância.


Deixe-se, pois, que o mar do tempo

Se debata até que a falésia caia;

Virá depois, manso, em contratempo,

A espumar-se, sereno, na praia

31 de outubro de 2023

Subir, descer?


Num mundo de tempo

Em que nada se dá,

Porque tudo vendido,

Pela conta devida,

Sigo em passo lento

Mas certo, com afã,

Cada passo vencido,

No degrau da subida.


Mas já pouco importa

Se para lá se chegar

É a subir ou a descer:

Chegados a tal porta

Pouco há a esperar,

Não mais que morrer.

18 de outubro de 2023

As cores e o poeta


Tantas vezes é o poeta um pintor

Que só usa a paleta de cinzentos,

Ainda com as cores por descobrir.

Nas suas telas há angústia, há dor,

Como se todos os seus fundamentos

Assentem no vislumbre de nos ferir.


E, contudo, mais que tudo, há o céu

Há montes e vales, flores a pedir cor,

O sol a nascer, romper de luz  o breu

Da noite escura dos olhos do pintor.


Não quebrou, o poeta, a corrente, o elo

Que o liga à cor das coisas, do mundo,

Mas apenas pinta conforme o fantasia;

O azul, o vermelho, o verde e amarelo

Cores que tem no olhar mais profundo

Bem guardadas para só pintar a alegria.

16 de outubro de 2023

Alma e emoção

 


Caminho sozinho na plena imensidão,

Em silêncio íntimo, sem ruído de vozes,

Todo dormente numa indiferença passiva;

Afinal, no fim de contas conta a emoção

Como brisa  soprada p´los ventos velozes

A enfunar as velas de um barco à deriva.


Tod´o homem sozinho nunca estará só

Se tiver de companhia a alma e emoção,

Mesmo que triturado como grão sob a mó

No destino sagrado de se dar e ser pão.

12 de outubro de 2023

Alma de poeta


Sim, sonho em ser um poeta eleito,

Artista a esculpir, a pintar boa rima,

A brotar, como fonte água, a poesia;

Mas, caio em mim, porque imperfeito,

Sem arte ou engenho, até sem estima,

Apenas pobre poeta que se penitencia.


O poeta não tem que escrever ou falar,

Sobre  o ponto ou contraponto da ideia,

Imaginar no sol a lua ou na noite o dia;

Não precisa da alma toda a transbordar,

Bastando, somente, que só meio cheia,

Mas nunca desistir por a ter meio vazia.

11 de outubro de 2023

Caminho


Quem no caminho vai ofegante

E não tem olhos para uma flor,

Singela, pobre, na borda dele,

Não é mais que um caminhante

Apressado, carregado em suor

Qual abelha a mourejar por mel.


Importa avançar, olhar adiante,

Mas no destino, seja qual for,

Haja a doçura não somente fel;

Uma flor nos olhos é calmante

Que suaviza a rudeza, o torpor

Do caminho mais duro e cruel.

10 de outubro de 2023

Incerteza


Bem queria que o caminho só

Fosse largueza, tapete florido,

Macio, doce e perfumado.

Mas tem pedras, lama e pó,

Duro, amargo em ser vencido

Sem que se chegue cansado.


Não espere, pois, o peregrino,

Que a jornada se faça de sorte;

Se na torre canta e geme o sino,

Anuncia a vida ou talvez a morte

9 de outubro de 2023

Vale o ser


Não! Não há volta a dar

Nas voltas que a vida dá

Se nelas não houver doação.

Todo o rio precisa de mar.

O futuro anseia o amanhã,

Vive a fé da sentida oração.


Que importa ao homem ter

Riqueza, honras como herança

Se não tiver como as repartir?

Mais do que ter, vale o ser

Como pura, inocente criança,

No seu berço, serena, a dormir.

20 de setembro de 2023

Desconsolo


Chegavas num dia de sol morno,

De flores estivais ainda perfumadas.

Ainda a sentir-se o aroma de frutos maduros

Já com as andorinhas olharem a sul.


Com um molho de rosas tardias, todas brancas,

Um sorriso com a largura de um raio de sol,

Numa ânsia quase infantil, desmesurada,

Fui ao ponto da tua partida e chegada,

E esperei minutos que foram horas.


Na chegada, chegaram muitos, partiram outros,

Todos num vai-e-vem pesado, apressado,

Mas tu não chegaste, talvez porque nem partiste.


Ainda esperei que a multidão se dissipasse

E como nos filmes surgirias na nuvem de vapor,

Mas não! Não estavas lá, porque não vieste.


O céu já não era azul límpido, mas cinzento;

Não sei se lágrimas, mas chovia no meu rosto;

As andorinhas já tinham partido sem adeus;

A fruta caía de podre numa mortalha de folhas frias;

As rosas, já murchas, tinham a palidez do desencanto;


Serão assim as esperas por gente que não chega,

Um desalento cheio do vazio da solidão?

Pior a espera por alguém que não chega,

Que a dor do adeus por quem de partida.


Na partida diria: – Adeus, amor!

Mas quando não se chega, 

Há uma espera desesperada,

Um olá amor, que se não diz, 

Um sorriso que não se abre,

Um abraço que não se envolve,

Um coração frio que não arde,

Um beijo que não encontra calor

Numa boca sedenta de saudade.



AA-20092023

19 de setembro de 2023

Certinhos e direitinhos

Lá vamos andando rotinados

Por caminhos já percorridos,

Com curvas já  antecipadas,

Sem destino que surpreenda,

Nem o vão  risco dos atalhos.


No fundo, certinhos, ensinados,

Sem esgares de surpreendidos.

Como sendo tudo favas contadas,

Em que se almeja obter a prenda

Por se escapar a fúteis trabalhos


Somos vagões vazios, a deslizar

Numa planura dócil que desmotiva;

Basta, tão só, alguém a empurrar,

Que não precisamos de locomotiva.


AA-18092023

17 de setembro de 2023

Vontade


Vontade


Importa ao homem ter a vontade

E dela o despoletar do impulso

Gerador da ousadia, do esforço.

Desse frémito vigoroso se há-de

Com a ajuda da corda e pulso,

Subir, saír, do fundo do poço.


A vontade toda como contraponto

Ao inútil, fútil, esmorecimento

Como trovão a irromper nos céus;

Não é coisa vã, ou mero desconto,

Bem mais que isso: o puro alento,

Dos meus olhos a procurar os teus.


AA-17092023

13 de setembro de 2023

Outonal



Lá fora, na plenitude dos campos abertos,

Anda solta a brisa do perfume das searas maduras

A ondular as ervas secas, rendidas à ceifa, à foice;

De grilos, ralos e cigarras já não há concertos

Num Outono como um velho alquebrado nas agruras,

Já que o tempo de viço, folguedos e juventude, foi-se.


Mas ainda há tempo para encher os regaços,

Fartar de ouro os celeiros e de uvas lagares,

Talvez a tempo de te colher em meus braços,

Na esperança, no alento, de ainda me amares.



A.Almeida - 27082023



12 de setembro de 2023

Sossego



Perco-me no meio da multidão,

Com mil rostos, mas o meu desencontrado

Entre sorrisos fechados e olhos a vaguear.


Encontro-me na plena solidão

Do monte, numa noite clara de céu estrelado

Num horizonte, a presumir que vejo o mar.


Fico surdo no ruído da cidade

E nesse silêncio sufocado ouço os teus gritos,

A clamarem por um abraço de braços vazios.


Então, é sossego o que me invade,

Quando te olho nos teus olhos doces,bonitos,

Porque no meu mar cabem todos os teus rios.



A.Almeida - 08032023

Uma bola à chuva


Aqui, bem no meio deste terreiro,

Já chove miudinho e eu estou só,

A esperar, de bola junto aos pés,

Que apareçam, os amigos e o sol.


Mas nada, e engrossa o aguaceiro,

Já escorre e corre em lama o pó,

E de pouco vale nas costas o dez

Porque já não vai haver futebol.


Mas se não vêm, a malta e o sol,

Seja no terreiro ou no caminho,

Porque gosto da bola, de futebol,

Jogarei à chuva, nem que sozinho.


A.Almeida - 12092023