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10 de setembro de 2023

Velho coreto

Ó, velho coreto, tão pequenino

Já não te enchem de filarmonias,

Na triste sina de ficares vazio.

A capela chora-te e toca o sino

Em mágua dos tristes teus dias

Num tempo em que finda o estio.


Tudo é grande neste tempo novo,

Nele a vã grandeza toda comanda,

Ditando as leis da nova festa;

Outros tempos, até modas e povo,

Porque não cabe em ti uma banda,

És ornamento. Mais nada te resta.


A. Almeida - 10092023

9 de setembro de 2023

Mais rápidos que a sombra



Andamos na correria dos dias

Sem temperança, só em atavio,

Sedentos, gulosos, vaidosos,

Fanfarrões sem  humanidade.


Damos corda ao ego, a fantasias,

Bons praticantes do auto elogio,

Inflados, ocos e presunçosos,

Cheios, enfardados de vaidade.


Disparamos na sombra, no Facebook,

Onde um bronco Dalton já é doutor;

Bem mais rápidos que o Lucky Luke

Cavalgamos em pose rumo ao sol-pôr.


A. Almeida - 22072023

8 de setembro de 2023

Árvore bendita



No chão, uma semente esquecida, encoberta,

A terra, com rudeza, a envolve indiferente,

Mas a vida, nesse seio, se faz descoberta,

E nele irrompe a árvore em luta inclemente.


Ramo a ramo alevanta-se, rija, obstinada,

Numa leito de fraga da dureza da serra.

Depois é sombra e dádiva a troco de nada,

Onde os bichos encontram a paz da guerra.


Árvore bendita, que tudo em ti é festa,

Presença austera ou delicada, mas de fé;

És tu mesma, em solidão ou em floresta,

Vivendo generosa até à morte, em pé.


A.Almeida - 210302023

7 de setembro de 2023

Sem sede


Sob o sol escaldante a terra ressequida

Geme, ou mesmo grita de não sei que dor,

Numa sede aflita, em desencontro da vida,

Como uma semente que não brotará flor.


A paisagem pinta-se em tons de chama,

Sem tintas do suave céu e da erva verde;

Triste sina esta a de um homem que ama,

Com uma fonte nos olhos mas já sem sede.


Quisera eu ter a garganta ressequida,

Os olhos secos, em cegueira constante,

Para te beber e ver mais doce e pura,

Numa sôfrega bebedeira consentida,

Possuir-te no leito suave como amante,

Numa fome estrangulada pela fartura.


A. Almeida - 02092023

Dignidade


Sobe, sobe mais, até mesmo ao cume!

Quando lá chegado terá valido o suor,

Mais o sabor que se obtém da vista.

Fica bem ao homem quando se assume

No seu esforço tenaz, na luta, na dor

Porque se resume a isso a conquista.


Nunca desista, pois, dessa sua ânsia,

De querer mais, bem mais, mas justo,

Sem mácula,  remorso ou falsidade;

São nobres a vontade e a constância

Mesmo que elas contenham um custo:

O de se viver com honra e dignidade.


A. Almeida - 07092023


Uma possível interpretação:

Este meu simples e despretencioso poema pretende apresentar uma perspectiva filosófica que pode ser relacionada com temas como a ética, a busca da excelência, a realização pessoal e a moralidade. Numa perspectiva filosófica podemos ter a seguinte interpretação:

Ética e Moralidade: O poema aborda a importância da ética e da moralidade nas nossas acções. Ele sugere que é digno e nobre procurar mais e alcançar objetivos ambiciosos, desde que essa busca seja justa, sem mácula, remorso ou falsidade. Isso implica que a virtude e a integridade são princípios essenciais na jornada em direção ao sucesso.

Vontade e Constância: O poema enfatiza a importância da vontade e da constância. A busca de objectivos significativos muitas vezes requer determinação e persistência, e essas qualidades são vistas como nobres. Isso se relaciona com conceitos filosóficos como a virtude aristotélica, que valoriza a busca da excelência e a formação de hábitos virtuosos.

Conquista e Realização: O poema sugere que a verdadeira conquista não está apenas no resultado final, mas também na jornada em si. A ideia de que "o sabor que se obtém da vista" é uma recompensa pelo esforço e pelo suor investidos e pode ser vista como uma expressão do valor da experiência e do processo, em vez de apenas do resultado.

Procura da Excelência: A mensagem central do poema está relacionada com a busca da excelência e da realização pessoal. Ele encoraja as pessoas a não desistirem de seus desejos de conquistar mais e de alcançar seus objetivos, desde que isso seja feito com integridade e dignidade. Isso pode ser interpretado como uma chamada para que as pessoas procurem o melhor de si mesmas nas suas vidas.

Em última análise, o poema pode ser visto como uma reflexão filosófica sobre como viver uma vida virtuosa e significativa, alcançando objetivos elevados, mantendo a integridade e a ética, e valorizando a jornada tanto quanto o destino. Ele ressalta a importância da vontade, da constância e da honra no processo de autodescoberta e crescimento pessoais.

27 de agosto de 2023

Avançando


Sim, claro, ainda me lembro disso,

Mesmo que trinta e cinco passados;

Eu e tu, ali juntinhos, enlaçados,

Nesse sim ao amor, ao compromisso.


É prosseguir, porque só avançando,

Rumo ao destino, mesmo que incerto,

A cada passo ficaremos mais perto

E o caminho só se faz caminhando.


A.A. /P.G. -27-08-1988/27-08-2023

10 de agosto de 2023

Incerteza



Vivo neste cuidado até me cansar

Numa permanente busca do perdido,

Até que logrando, feliz, encontrar,

Me dê, enfim, como bem merecido.


Mas na vã incerteza de tal labuta

Fico quase perdido, em sofrimento,

Em saber se venci ou perdi essa luta

Ou se dela tive algum merecimento.


Um rio, se nasce para o mar corre

E nada se encontra se não perdido;

Então, sem nascimento, quem morre,

E sem luta quem se dá por vencido?


Talvez seja assim o meu destino:

Uma ânsia continuada de indagar,

Ir ao encontro do toque do sino,

A saber se por festa ou por chorar.


A.Almeida - 14-03-2023

3 de agosto de 2023

Enxadas em vez de espadas


Que bom seria que estes novos cavaleiros

Vaidosos, de vestes e armaduras fingidas,

Lutassem valentes em batalhas sem setas,

Sem desígnio de lema de "morres ou matas".


Mas, que pena, meu Deus, vê-los foleiros,

Cómicos enfarruscados, de tinta nas feridas;

Nobreza, era lutar a limpar ruas e valetas

E de enxadas no campo a cavar batatas.

2 de agosto de 2023

Colheita


Na borda daquele caminho, além,

Num terrão que o sol beija todas as manhãs,

Há uma macieira, não sei se plantada por mão ou vento.


Mas, meu Deus, como sabe tão bem,

Quando no fim do Verão colho nela as maçãs,

Em ansiada canseira em dia e hora marcadas p´lo tempo.


Há frutos assim, que se desejam colher,

Como a chegada cansada ao fim de um trilho,

Ou se no ventre  lançada a semente na mulher,

Que germine pura e, no tempo, se colha um filho.


A.Almeida - 25072023

Um mundo ao contrário


Tenho um mundo todo meu, imaginário

Por onde vagueio absorto, dormente;

Tudo nele é estranho, ao contrário:

Nasce-se da terra, morre-se no ventre.


É de nuvens macias a casa onde moro,

Os regatos e os rios nascem no mar,

As fontes são olhos em eterno choro,

As flores têm lábios e sabem beijar.


Mas nesse mundo estranho, imperfeito,

Vives a meu lado nessa igual desarmonia,

A envolver-me como amante em seu leito 

À luz do sol, porque o luar só nasce de dia.


Tenho um mundo só meu, imaginário,

Por onde corro livre, sem destino;

Sou actor de uma peça sem cenário,

Onde nasci velho e morrerei menino.


A.Almeida - 01082023

31 de julho de 2023

Onde habita o segredo


Para lá das portas onde habita o segredo

Há labirintos intrincados, imaginários;

Teu corpo é prisão que me tem em degredo

Onde vou penando por pecados solitários;


Não sei quantos quartos tens fechados

E neles quantas camas já remexidas,

Com lençóis húmidos de corpos suados

Onde se encontraram ou perderam vidas.


Mas há em mim esta constante tentação

De te ter toda aberta, acolhedora, pura,

Possuir a chave mestra da fechadura,

Aceder à profundidade do teu coração.


Não sei que segredos guardas, zelosa,

Como a mais bela pérola a rude ostra,

Como espinhos a envolver a suave rosa,

Como seguro jogador a fazer a aposta.


Não sei que segredos tens escondidos

Nem em que gavetas e cofres encerrados,

Tão pouco se os tens, porque já perdidos,

Ou se apenas, sem pena, desencontrados.


A.Almeida - 31072023

Sofreguidão


Possa eu condensar todas as histórias,

Como espremer o sumo de uma laranja,

Beberei a doçura de tantas memórias

Num trago só, quanto a sede abranja.


Vigorado nessa densa, doce frescura,

O meu ser, todo eu ficarei então assim,

Saciado de uma sede sôfrega, pura,

De condensar-me no princípio e fim.


A.Almeida - 30072023

25 de julho de 2023

Céu cinzento


Há em mim memórias, 

umas boas, outras más,

uma brisa de aromas e cores

que me levam como folha outonal

a uma viagem sem labéu

antes do final adormecimento,

do retorno à terra, ao pó.


Pinto as minhas  histórias

com o vermelho das romãs,

o roxo das minhas dores,

também com o verde do matagal,

o azul do mar e do céu 

quando não calha estar cinzento,

como os dias em que estou só.


A. Almeida - 24052023

16 de julho de 2023

Não venhas tarde

Não! Não venhas tarde,

Como alguém diz a cantar;

Em meu corpo um fogo arde

Que só tu, amor, podes apagar.


Vai, pois, mas vem depressa

Bem antes, amor, do fim do dia.

Não vá que, por maré,  aconteça

Chegares e a cama estar vazia.


Mas se vieres tarde demais

Juro que vai haver sarilho,

Porque não sou dos pardais

Que se contenta com o milho.


Não! Não venhas tarde,

Não procures o contratempo;

Com muito ou pouco alarde

Importa que venhas a tempo.


A.Almeida - 16 Julho 2023

13 de julho de 2023

O senhor Destino


Quem é esse senhor importante

A quem todos chamam Destino,

Que determina cada instante

Do ser, à morte desde menino?


Que poder tem tal criatura,

Que desfecho decide em nós,

Desde a calma doce e pura

Ao fim mais doloroso, atroz?


Por mais as voltas e revoltas

Feitas e que com ele trocadas,

Não há casos com pontas soltas;

No emaranhado das redes fiadas.


Mas se é assim tal fatalidade

Do encontro com esse senhor,

Importará tão pouco a idade:

- Que o destino seja o que for!


A. Almeida - 13 de Julho de 2023


Uma interpretação:

O poema acima procura uma reflexão e uma abordagem poética sobre a figura do Destino. Através de uma série de questões, o poeta pretende levar o leitor a contemplar a importância e o poder desse misterioso senhor a que todos chamam de Destino.

No primeiro verso, surge a pergunta "Quem é esse senhor importante", evidenciando a curiosidade e a incerteza que envolvem essa entidade. O poeta procura compreender como o Destino determina cada instante da existência, desde a infância (desde menino) até a morte.

Na segunda estrofe, o poema indaga sobre o poder que essa criatura detém, capaz de decidir o desfecho de nossas vidas. Desde momentos de calma e pureza até os mais dolorosos e cruéis, o Destino parece ter o controle sobre todos os aspectos de nossas experiências.

A terceira estrofe reforça a ideia de que não há acasos ou coincidências soltas nas tramas tecidas pelo Destino. Mesmo diante das reviravoltas e trocas feitas com ele, tudo se encaixa nas redes que ele tece. Aqui, há uma sugestão de uma ordem cósmica, uma fatalidade inexorável que permeia nossa existência.

Por fim, na última estrofe, o poema nos faz refletir sobre a importância da idade diante do Destino. Independentemente de sermos jovens ou idosos, o poder dessa entidade é indiferente. O Destino não se restringe ao tempo, mostrando que seu domínio transcende a linearidade temporal.

Essa análise poética e filosófica leva-nos a contemplar a complexidade do Destino e sua influência sobre nossas vidas. O poema nos convida a refletir sobre a existência humana e a confrontar a ideia de livre-arbítrio diante da inevitabilidade dos desígnios do Destino.

12 de julho de 2023

Velho sobreiro



Já velho estou! 

Como um velho, cansado e dorido!

O fresco vigor do tempo primeiro

Dissipou-se como um névoa matinal

Elevando-se no vale fresco de um rio,

Como peregrino num caminho de fé.


Sou como sou!

Chego aqui numa vida com sentido,

Maduro e forte como bom sobreiro,

Que não teme o tempo, o vendaval,

A chuva, o calor, sem tremer de frio,

Porque, como árvore, morrerei de pé. 


A.Almeida - 12 de Julho de 2023


Uma interpretação:

Este poema procura evocar reflexões sobre o envelhecimento, a passagem do tempo e a força interior. Retrata um sobreiro mas igualmente um homem.

O verso inicial, "Velho estou!", expressa uma sensação de idade avançada e exaustão. Essa frase pode ser interpretada literalmente, indicando que o eu poético, o sobreiro ou o homem, está envelhecido e cansado. No entanto, também pode ser compreendida de forma mais abrangente, simbolizando uma jornada pessoal ou existencial na qual o eu lírico se sente desgastado emocionalmente ou espiritualmente.

"Como velho, cansado e dorido!" amplifica essa sensação de fadiga e desconforto físico e emocional. Essas palavras sugerem a experiência de um corpo que já não possui o vigor e a energia da juventude, além de transmitir uma possível carga emocional relacionada ao peso das experiências vividas.

A imagem da "névoa matinal" que se dissipa pode ser entendida como a fugacidade do tempo e da juventude. Assim como a névoa que se eleva com o nascer do sol, a vitalidade e o frescor dos primeiros anos também se dissipam com o passar do tempo. Essa metáfora cria um contraste entre a efemeridade da juventude e a realidade da velhice.

A alusão ao "vale fresco de um rio" e ao "peregrino num caminho de fé" pode sugerir uma busca espiritual ou um sentido de jornada pessoal. O envelhecimento pode ser visto como uma jornada em que se caminha com fé, enfrentando desafios e superando obstáculos, assim como um peregrino em seu caminho sagrado. Essa interpretação traz uma dimensão filosófica ao poema, abordando questões existenciais e a busca por um propósito ou significado na vida.

Na segunda estrofe o eu lírico reafirma sua identidade e autoaceitação, afirmando "Sou como sou!". Essa afirmação pode ser interpretada como uma aceitação do próprio eu, com todas as suas imperfeições e limitações. É uma expressão de autenticidade e uma recusa em se conformar a expectativas externas.

A comparação com um "sobreiro" traz uma imagem poderosa. O sobreiro é uma árvore conhecida por sua resistência e longevidade, simbolizando força e solidez. Essa metáfora sugere que o eu lírico se sente maduro e forte, capaz de enfrentar os desafios da vida sem medo. Assim como o sobreiro não teme os elementos naturais, o eu lírico não se abala perante o tempo, as adversidades e as intempéries da existência.

A frase "Porque, como árvore, morrerei de pé" reflete uma postura de dignidade e coragem diante da morte. Ela evoca a imagem de uma árvore que permanece ereta mesmo no momento final, reforçando a ideia de uma vida vivida com integridade até o fim. Essa afirmação pode ser interpretada como um desejo de viver uma vida autêntica e plena, sem se curvar diante das inevitabilidades e desafios.

Em suma, esse poema trata de temas profundos, como o envelhecimento, a jornada pessoal, a busca por significado e a aceitação de si mesmo. Por meio de metáforas e imagens poéticas, o poema nos convida a refletir sobre a fugacidade do tempo, a importância da autenticidade e a coragem de viver com dignidade e propósito.

11 de julho de 2023

Antes morrer


Dito assim, de forma tão crua,

É quase pecado a sujar a boca,

Mas vejo-te, amor, sempre nua,

Pronta, oferecida, sã e louca.


Mas que importa, diz-me, enfim,

Se te vejo carnal, límpida, pura?

Há no desejo de querer-te assim

Uma busca no mal a plena cura.


Perdoa-me! Sim, este ser perdoa,

Que mais não quer que te querer.

A viver sem ti, em que tudo doa,

Dor por dor, quero antes morrer.


A. Almeida - 11 de Julho de 2023


Uma interpretação:

Na primeiro verso da primeira quadra, o poema começa de forma crua, confrontando-nos com a intensidade do sentimento que será explorado. O eu lírico se dirige ao amor, descrevendo-o como alguém constantemente nu, pronto para se entregar, tanto mental quanto fisicamente. A dualidade entre sanidade e loucura está presente, pois o amor é uma força que nos faz agir além da razão, desafiando as convenções.

Na segunda quadra, o eu lírico questiona a importância de ver o ser amado de maneira pura e imaculada. O desejo de possuí-la nessa forma parece ser suficiente para ele, sem necessitar de mais nada além dessa cura que se encontra no próprio mal. Há uma reflexão filosófica sobre a dualidade entre bem e mal, sugerindo que, às vezes, é através do que é considerado "mal" que encontramos nossa cura e plenitude.

Finalmente, na última quadra, o eu poético implora por perdão, demonstrando uma profunda necessidade de amar o ser amado. A vida sem esse amor é descrita como uma existência de dor e sofrimento constante. O poeta coloca a dor como uma escolha preferível à perda desse amor, enfatizando a importância e a intensidade do sentimento.

Neste poema, há uma mistura de elementos poéticos e filosóficos que exploram a dualidade dos sentimentos humanos, especialmente no contexto do amor. O eu lírico confronta-se com a crueza do desejo, a ambiguidade entre bem e mal, e a necessidade de amar intensamente, mesmo que isso signifique enfrentar a dor. É um convite para refletir sobre os paradoxos e contradições inerentes à natureza humana e às complexidades dos relacionamentos amorosos.

10 de julho de 2023

Desgraça sem graça


Andamos nesta desgraça sem graça, 

Numa tensa e constante correria,

Como se a vida que por nós passa

Seja coisa de viver num justo dia.


Viver tão somente numa doce calma,

Renegar a pressa, a ânsia que alastra,

Saber que tão pouco interessa à alma,

É, afinal, tudo quanto ao homem basta.


A. Almeida - 10-07-2023


Uma interpretação:

Este curto poema em duas quadras com rimas cruzadas,  procura retratar a condição humana num tom algo desesperançado. O poeta expressa a sensação de viver em um estado de desgraça sem graça, o que sugere uma vida monótona e sem sentido. A imagem da "tensa e constante correria" destaca a agitação e o ritmo acelerado em que as pessoas vivem, como se estivessem apenas passando pela vida sem verdadeiramente vivê-la.

A expressão "coisa de viver num justo dia" parece transmitir uma ironia amarga. O poeta sugere que a vida se tornou algo tão vazio e superficial que se limita a um dia só, ou seja, um dia comum e ordinário. Essa frase revela uma crítica à falta de intensidade e significado nas experiências e vivências do dia-a-dia.

Na segunda quadra, o poema procura apresenta um contraste ou um remate em relação ao anterior. O eu poético defende viver numa doce calma, renegando a pressa e a ansiedade que se espalham. Essa postura sugere a busca por uma existência mais serena e tranquila.

O poeta destaca que a alma humana pouco se importa com a agitação e a correria do mundo. Ao afirmar que "tão pouco interessa à alma", o eu lírico sugere que a essência mais profunda do ser humano não deve ser afectada por questões externas e superficiais, mas antes plenas de essência da vida.

O verso último, "É, afinal, tudo quanto ao homem basta",  transmite a ideia de que o que realmente importa e preenche o homem está contido nessa doce calma e na renúncia à pressa. A busca pela simplicidade e pela paz interior é retratada como suficiente para satisfazer as necessidades humanas.

Em resumo, esses dois trechos poéticos apresentam uma análise crítica da condição humana e da sua postura face à vida. Enquanto o primeiro revela uma realidade desesperançada e superficial, o segundo sugere uma alternativa de vida mais calma e significativa, valorizando a serenidade e a simplicidade.

1 de julho de 2023

Universo

 


Fosse quem fosse

Que concebeu o sol

E o mantém firme nos céus,

Foi, é claro, um génio.

Alguém com posse

De estrelas no rol,

Só pode, mesmo, ser Deus

Do hélio, do hidrogénio.

Que mistério, o universo:

O sol, a noite, o dia,

Luz, trevas, pó, gás!

Poema de um só verso,

Como do nada a teoria,

Do Big Bang, lá atrás.


A.Almeida - 01-07-2023

30 de junho de 2023

Poema "Saudade" já publicado

 


Em 16 de Maio passado dei conta aqui de que a convite da Chiado Books, participei com um poema meu  para uma selecção que a editora se propunha publicar numa Antologia de Literatura Portuguesa desiganda de “Fragmentos de Saudade”.

Como disse então, o meu poema foi seleccionado pela editora e a obra já se encontra publicada e à venda. 

Apesar de lá ter um poema não sei se a irei comprar, pois mesmo que com vantagens para os autores seleccionados o custo de cada tomo é de 25 euros. A antologia foi publicada em 2 tomos, numa obra com mais de 1.200 páginas. É certo que cada volume tem centenas de páginas mas mesmo assim, apenas para ter o prazer de ver o meu poema impresso são 25 euros... Mas ainda tenho que decidir e certamente que acabarei por adquirir até porque o tema é interessante.

Os 2 tomos/volumes desta obra estão divididos da seguinte forma: No 1.º encontram-se os trabalhos literários dos/as autores/as cujo primeiro nome começa de A a J. No 2.º encontram-se os trabalhos literários dos/as autores/as cujo primeiro nome começa de J a Z. 

Uma vez que a antologia já está publicada e à venda, partilho aqui o meu poema, que, como disse, foi seleccionado para fazer parte da mesma.


Saudade da minha aldeia


No largo da minha doce e antiga aldeia

Está seca a fonte das refrescantes águas,

Fechadas as portas e janelas do velho casario,

E toda ela é um presépio mudo, parado, sem vida.


Dela, a saudade cá dentro incendeia

Num fogo a devorar memórias e mágoas,

Mas que não aquece o penetrante e gélido frio

Porque o tempo a deixou, sozinha, constrangida.


A saudade apega-se-nos em tal acerto

Que já é parte de cada um dos sentidos;

Saudade, porque estamos longe ou perto,

Saudade, porque encontrados ou perdidos.


Américo Almeida


O poema "Saudade da minha aldeia" evoca uma atmosfera nostálgica e melancólica ao descrever a aldeia do eu lírico. Através de uma linguagem poética densa, o poema explora a solidão e a saudade, transmitindo uma sensação de abandono e desolação.

O primeiro verso já estabelece um contraste entre a imagem idealizada da aldeia ("doce e antiga") e a realidade presente. A fonte que antes oferecia águas refrescantes está seca, as portas e janelas do casario estão fechadas, e a aldeia parece ter perdido sua vitalidade. Essa imagem de abandono é reforçada ao se descrever a aldeia como um "presépio mudo, parado, sem vida", criando uma metáfora que ressalta a ausência de movimento e animação.

O eu lírico revela seu estado interior ao mencionar a saudade que arde dentro de si como um fogo que consome memórias e mágoas. Essa saudade é intensa, mas não consegue aquecer o "penetrante e gélido frio", indicando que mesmo a memória e a nostalgia não conseguem suprir a ausência e o vazio deixados pelo tempo. A aldeia encontra-se solitária e constrangida, como se tivesse sido abandonada pelo curso dos acontecimentos e pelas mudanças do próprio tempo. A procura de melhor vida nos centros urbanos tem levado à desertificação do interior e abandono das nossas aldeias. O amor à terra, o apego às raizes ancestrais e o sentimento de pertença acabam por ser preteridos em troca da legítima aspiração de uma vida com mais oportunidades e melhores condições. A razão a prevalecer sobre a emoção e o coração, mesmo que daí a saudade fique sempre como o elo de ligação entre o passado e o presente.

A última estrofe explora a natureza da saudade, revelando-a como algo que nos acompanha independentemente de estarmos perto ou longe, encontrados ou perdidos. A saudade é uma parte intrínseca dos sentidos humanos, transcende a distância física e se relaciona com a falta, o anseio e a perda.

No geral, o poema retrata a aldeia como um espaço abandonado face às mudanças do tempo e gerações, onde a saudade ocupa um lugar central na vida do eu lírico. Através de metáforas e imagens poéticas, o poema explora a solidão, a passagem do tempo e a persistência da saudade como uma presença constante na vida humana.

Análise técnica:

O poema procura utilizar uma linguagem poética densa e simbólica para transmitir suas emoções e imagens. Metáforas e imagens são utilizadas para descrever a aldeia abandonada e a saudade ardente do eu lírico. A metáfora do "presépio mudo, parado, sem vida" e a imagem do fogo que consome memórias e mágoas são exemplos de como as figuras de linguagem são empregadas para criar um impacto poético.

O uso da repetição do termo "saudade" ao longo do poema reforça sua importância temática e emocional. 

Esquema de rimas:

O poema é composto por três estrofes de quatro versos cada, seguindo uma estrutura de quadras. A métrica não é rígida mas estruturalmente equilibrada, em que há uma predominância de versos decassílabos, com algumas variações crescentes ao longo dos versos de cada estrofe. O uso de rimas é presente e regular, seguindo o esquema ABCD, ABCD, EFEF, como a seguir se demonstra.


No largo da minha doce e antiga aldeia (A)

Está seca a fonte das refrescantes águas, (B)

Fechadas as portas e janelas do velho casario, (C)

E toda ela é um presépio mudo, parado, sem vida. (D)


Dela, a saudade cá dentro incendeia (A)

Num fogo a devorar memórias e mágoas, (B)

Mas que não aquece o penetrante e gélido frio (C)

Porque o tempo a deixou, sozinha, constrangida. (D)


A saudade apega-se-nos em tal acerto (E)

Que já é parte de cada um dos sentidos; (F)

Saudade, porque estamos longe ou perto, (E)

Saudade, porque encontrados ou perdidos. (F)


A.Almeida