(Há uns anitos, à sombra do sobreiro junto à capela de Nossa Senhora da Conceição - Abelheira - Escariz )
(num encontro da LIAM em Fátima, ao lado das já saudosas D. Laurinda e D. Lucinda)
Quem não conhece o Zé Coelho? Pois bem, está hoje de parabéns. 92 anos feitos, porque quis o destino que nascesse no dia 19 de Setembro de 1926. Será já dos homens mais velhos da freguesia de Guisande.
Tenho uma carinho e consideração especiais por este cidadão do mundo com o qual comecei a ter algum relacionamento a partir do momento em que recém chegado de África do Sul, por volta do final dos anos 80 veio ao estúdio da então Rádio Clube de Guisande, cantar umas cantigas acompanhadas pela sua guitarra de fados. Mais tarde, por volta da viragem do século, uma maior e frequente proximidade, participando nas reuniões, iniciativas e convívios do Núcleo da LIAM de Guisande, no qual estávamos então envolvidos. Eu de viola e ele de guitarra, foram muitas as cantigas ao desafio e a fazer dançar muita e boa gente com ritmos de viras e chulas. Mais tarde, que o instrumento era velho, comprou uma nova guitarra e deu-me a velha, que ainda guardo.
Infelizmente os anos passam e pesam para todos, sobretudo para quem já passa dos 90. Apesar disso, certamente que mais debilitado, passando já os dias no Centro Social em Gião, ainda temos a alegria de ter por cá o Zé do Coelho. Que ainda seja por muitos e bons anos. Parabéns Coelho!
Sobre a sua vida, ele próprio, em quadras que escreveu há alguns anitos (doze), faz uma retrospectiva da mesma. Poderia, depois disso, já ter acrescentado mais algumas, mas o que viveu já é muito, em idade e em experiências. De resto, como ele próprio diz na quadra final "...São histórias alegres e tristes, Mas com elas se faz a vida".
Nasci no ano de 1926
No dia 19 de Setembro.
Aqui conto minhas histórias,
De todas elas eu me lembro.
Minha terra é Guisande,
De Santa Maria da Feira,
Meu amor por ela é grande,
Será assim a vida inteira.
Com sete anos de idade
Comecei a ir para a escola,
E desde aí fui crescendo
Ganhando juízo na tola.
É para as queridas crianças
Que vou contar a minha história,
Recordar meus velhos tempos
Que tenho gravados na memória.
Eram tempos bem difíceis
Diferentes do que tendes agora,
Para a escola ia-mos a pé
E a pé vínhamos embora.
Não havia autocarros
Nem estradas alcatroadas,
Caminhávamos só por quelhas
Velhas, sujas e apertadas.
Só existiam três carros
Aqui, na minha freguesia,
Hoje há casas com dois e três,
O que não falta é burguesia.
Findado o tempo de escola
Logo comecei a trabalhar,
Mas procurando novos rumos
A África fui parar.
Foi em Outubro de 1954
Que para Angola emigrei,
Das dificuldades desse tempo
Vou contar-vos o que passei.
Foi Angola a escolhida,
Por ter língua igual,
Assim aprendi na escola,
Angola também era Portugal.
Passei por grandes dificuldades,
Algumas delas vou contar,
Pois não arranjava trabalho
E o dinheiro estava a acabar.
Só ao fim de alguns meses
Consegui o primeiro emprego,
Ali trabalhei vários anos
Com vontade, força e apego.
Era uma fábrica de cerveja,
E Cuca se chamava,
Bebida loura e fresquinha,
A muitos a sede matava.
Assim fui vencendo na vida
E muita coisa melhorou,
Mas foram tempos difíceis,
Comi o pão que o “diabo amassou”.
Durante o dia trabalhava
Só à noite fazia a comida,
Que guardava para o outro dia.
Assim era a minha vida.
Até a pobre roupa
Era eu quem lavava,
Como o clima era quente
Pela noite ela secava.
Assim trabalhei oito anos
Com amor e dedicação,
Mas ao fim desse tempo
Sofri nova desilusão.
Comecei de novo a sofrer
E a perder já a ilusão,
Pois em Angola rebentara
A chamada revolução.
Dez anos tinham passado,
A Portugal tive de voltar.
Angola estava em guerra
E era perigoso lá continuar.
Em Portugal passei dois anos
Sempre na vida a lutar,
Mas com saudades de África
Desejava regressar.
Foi para a África de Sul
Que desta vez emigrei,
E assim com outra história,
Vou contar-vos o que passei.
Facilmente arranjei trabalho,
Era coisa que lá não faltava,
Mas tinha outro problema
Era o inglês que não falava.
Todo o dia trabalhava
Mas à noite ia para a escola
Aprender a língua inglesa
E encaixá-la bem na tola.
Até para ir ao mercado
Comprar o que precisava,
Como não sabia falar inglês
Nem o dinheiro contava.
Assim fui aprendendo
Mas tudo um pouco custou,
É para vós saberdes, meninos,
O que o emigrante passou.
Trabalhando e estudando
Muita coisa aprendi,
Hoje, com meus oitenta anos,
Estou feliz por chegar aqui.
Meus dois filhos estão na África
E eu por cá, vivo sozinho.
É triste a solidão,
Mas Portugal é que é meu ninho.
Hoje tenho meus pensamentos
Em África e em Portugal,
Mas Portugal é minha terra,
Aonde nasci e sou natural.
Todos os anos de avião,
Meus filhos e netos vou rever,
Vou matar a saudade,
E um mês fico lá a viver.
Tenho filhos, também noras
E netos da vossa idade,
Que me fazem recordar
Meus tempos de mocidade.
Nas minhas férias em África
Sempre falo com muita gente
Relembro minha juventude
E vejo como hoje tudo é diferente.
Foi para vós meus meninos
Que escrevi a minha história,
Peço-vos que não a esqueçais
Guardai-a na vossa memória.
Se um dia tiveres que emigrar
Pensai bem antes de o fazer,
Mas por vezes até faz bem
Na vida um pouco sofrer.
Desta feita vou terminar
E fazer a minha despedida,
São histórias alegres e tristes
Mas com elas se faz a vida.
José Coelho Gomes de Almeida