19 de outubro de 2022

Maria levantou-se e partiu apressadamente

Como Maria, urge levantar

E partir apressadamente,

Para ao destino se chegar

Todo missão, plenamente.

Não fiquemos sós, parados

No meio da vã indiferença,

Tristes, vazios, cansados,

Mas antes de alma intensa.

Pés ao caminho, que é novo,

Importa partir p´ra chegar.

Os jovens serão esse povo

Num futuro já a despontar,

Vamos partir, bem depressa,

Somos jovens, povo, gente,

Com fé. Pouco mais interessa,

Importa é caminhar em frente.

Apressadamente, já eu decidi

Fazer o caminho na diferença;

Chegar e dizer:- Eis-me aqui!

Faz-me, ó Jesus, tua pertença!

18 de outubro de 2022

Os lápis de cor



Era uma vez um rapazinho de família pobre e humilde que gostava muito de desenhar, mas só tinha um simples lápis, de cor cinzento, que o seu pai, que era carpinteiro, lhe emprestava.

Gostava ele de desenhar cães e gatos que o seu avô lhe ensinava à noitinha, à luz da vela, enquanto a sua mãe preparava o simples jantar.

Quando completou 6 anos, entrou o menino para a escola primária e a sua família, mesmo com muitas dificuldades, conseguiu pagar os livros onde aprenderia a ler, os cadernos onde escreveria, uma lousa onde faria as contas, um afiador de lápis, uma borracha para safar os erros, e ainda uma bela caixinha com 6 lápis de cor.

Foi uma alegria para esse rapazinho quando recebeu a caixinha com 6 belos lápis, pois já podia fazer os seus desenhos com as suas 6 cores.

Os seus cães, até ali cinzentos, passaram a ser castanhos, verdes, vermelhos, azuis, amarelos e lilás. Às vezes até os pintava às bolinhas e às riscas.

Os gatos eram verdes e vermelhos conforme a sua imaginação.

Mas um dia, o menino pobre conheceu outro menino da sua classe, que era filho da professora, por isso um menino rico.

Ora o rapazinho pobre descobriu que o rapazinho rico tinha também uma caixa de lápis-de-cor mas não apenas com 6, mas com 12 lápis.

Lá estavam entre outras cores, os lápis cor-de-laranja, cor-de-rosa, verde claro, verde-escuro. Tinha, pois, mais 6 lápis com cores diferentes das suas.

Então o menino pobre ficou um pouco triste e ficou a imaginar que com todas aquelas 12 cores conseguiria fazer cães e gatos de cores diferentes e até mesmo desenhar o arco-íris, que aprendera que tinha 7 cores.

Mas tudo se resolveu, pois o menino rico tornou-se amigo do menino pobre e sempre que na escola a professora mandava fazer um desenho, eles partilhavam os lápis e assim fizerem belos desenhos, bem coloridos com todas as cores.

O menino pobre ensinou então o menino rico a desenhar belos cães e lindos gatos e assim ambos viviam naquela amizade bonita e colorida, que durou toda a escola primária.

Ainda hoje, já homens crescidos, são amigos.

Moral da história: Haverá sempre meninos pobres e meninos ricos, mas todos serão felizes, menos pobres e mais ricos se partilharem entre si os seus bens, mesmo que seja apenas uma simples caixa de lápis de cor.


(Pequeno conto infamtil que escrevi e que foi lido por uma criança (a Leonor) durante a  sessão de apresentação do meu livro infantil no passado dia 1 de Outubro, no Centro Cívico de Guisande)

As memórias da casa chanfrada - Toninho do Viso




Há casas assim, que mesmo de portas e janelas fechadas estão permanentemente, dia e noite, escancaradas às nossas memórias. Entramos nelas com pézinhos de lã, como fantasmas, damos umas voltinhas e voltamos a sair sem ter feito ranger o velho soalho ou fazer chiar os gonzos das portas.

Esta casa, a da fotografia, todos a conhecem. Fica ao fundo do monte do Viso. Chamo-lhe eu a casa chanfrada, não porque lá viva ou tenha vivido gente com umas quartas-feiras a menos; bem pelo contrário, sempre lá viveu gente ajuizada, de nome, honrada e de trabalho. 

Casa chanfrada porque tão somente tem uma das suas esquinas recortada com um chanfro, como se o mestre pedreiro ali fosse ao canto e..zás, lhe cortasse uma talhada e, por conseguinte, dessa esquina resultou uma face adicional na qual, em cima e em baixo rasgaram portas, sendo que a de cima, a do Andar, dá para uma elegante varanda, a que o nosso povo designa de sacada. Já agora, a encimar as duas portas do Andar, duas belas padieiras com florões bem talhados na pedra.


Manuel Alves da Silva

Do que me lembra, pertenceu a casa a Manuel Alves da Silva, depois a seu filho António Alves da Silva e já depois da partida da sua esposa, Maria da Conceição Ferreira Fontes, em Abril de 2020, com 94 anos, pertence ainda à herança, mas dela usufrui sobretudo a filha Micas, e é sabido que se há alguém com um passado e ainda presente de trabalho laborioso nas coisas da terra é a esposa do Manuel Tavares. De resto, pela fotografia acima, veem-se ainda ali espigas a dourar num final de Outono, mas poderia ser um montão de espigas de dentadura a sorrir, vindas das ribeiras, prontas a desfolhar ou um carrego de bandeiras de milho ou feijão a secar. Aquele fundo do monte foi sempre assim, desde que me conheço, uma eira do povo, mas sobretudo da Micas. 

António Alves da Silva, nasceu em 29 de Março de 1928. Era filho de Manuel Alves da Silva (foto acima) e de Carolina Pereira de Jesus. Era neto paterno de António Alves da Silva e de Margarida Rosa de Jesus (esta de Duas Igrejas). Era neto materno de António Rodrigues Caldeira e de Joaquina de Jesus. casou em 15 de Abril de 1950 com Maria da Conceição Ferreira de Fontes.

O pai do Antoninho, na imagem acima, nasceu em 14 de Março de 1898. Era filho de António Alves da Silva, da Barrosa, e de Margarida Rosa de Jesus, esta natural de Duas Igrejas. Era neto paterno de Manuel Alves da Silva e de Maria Soares. Era neto materno de António Ferreira de Passos e de Rosa Maria de Jesus (de Duas Igrejas).

Por parte do seu avô paterno era bisneto de José Francisco da Silva e de Rosa Maria de Jesus e por parte da esposa do seu avô paterno era bisneto de Manuel Ferreira de Passos e de Rosa Maria de Jesus.

De resto eram assim, noutros tempos, os largos dos lugares. No monte do Viso, atrás da capela, era uma eira comunitária do tamanho do mundo onde secavam palha, espigas e milho já malhado a assolhar dourado estendido em lençóis. 

Pois bem, só por si, esta estreita fachada orientada para sudeste, tem muita história, porque, pessoalmente, me remete para as tardes de Domingo, em que o antigo proprietário, o saudoso senhor Antoninho (António Alves da Silva), abria aquelas portas de par em par  e enchia o lugar com o som da sua aparelhagem em que punha a rodar um velho disco de uma qualquer sinfonia de Beethoven, Mozart ou Wagner. 

Era uma das suas paixões, a música clássica e os respectivos discos. Outra, era conhecido o seu gosto por café, que o levava várias vezes ao dia à Corga de Lobão, onde normalmente o tomava. Talvez se apaixonasse por esta mulata bebida quando com seus pais esteve no Brasil, daí, para alguns, ter ficado com o apelido de "Toninho da Brasileira".

Não sabia do actual destino dessa boa colecção de discos de vinil, mas informou-me a neta que ali continua intacta à guarda da família. Quanto a tocar, porventura não, ou esporadicamente, mas as orquestras ainda soam sinfonicamente na memória como que orientadas pela batuta do maestro do tempo.

Escusado será dizer que entrei várias vezes nessa saleta onde o senhor Antoninho se deliciava a ouvir a sua música intemporal. Nesse aspecto partilhava com ele o gosto e paixão pela música clássica. 

- Ó Almeida, sobe cá acima. Anda aqui ouvir uma coisa! - Desafiava-me por vezes quando ali passava depois do almoço de Domingo. E sabia, naturalmente discutir essa música, os nomes dos grandes compositores e sua obras.

A reboque desse gosto comum pela música, chegou-me a emprestar, com recomendações de mil cuidados, porque o não concedia a mais ninguém, alguns discos para eu passar na saudosa Rádio Clube de Guisande. Recordo-me particularmente do disco com o oratório Messiah de Georg Friedrich Händel, com o tão popular Hallelujah, que passei por alturas da Páscoa.

Mas para além desta particularidade relacionada à música clássica, a casa chanfrada traz-me muitas mais memórias. Desde logo, o referido senhor Antoninho durante anos teve ali uma barbearia. Não era propriamente um desenrascado Fígaro, como o da ópera de Rossini (O Barbeiro de Sevilha), que  naturalmente deveria ter na sua colecção de discos, mas era o quanto bastasse a ser o barbeiro do Viso. 

Mas se é verdade que o senhor Antoninho tinha sensibilidade para a música clássica, não posso dizer tanto da sua arte de barbeiro. Por várias vezes saía de lá, eu e as demais crianças do lugar, com golpes de tesouradas no pescoço e nas orelhas e até mesmo na véspera da minha comunhão solene deu-me uma golpada inadvertida no belo remoinho que por esse tempo tinha no cabelo junto à testa. As fotografias que guardo dessa solenidade, são testemunhas dessa sinfonia de tesouradas. Mas, verdade se diga, em defesa do mestre barbeiro, as crianças eram irrequietas e ali presas naquela toalha que parecia uma camisa de forças, o melão não lhes  parava quieto pelo que se punham a jeito para uns deslizes do Ti Antoninho.

Se encontrava um piolho, bicho que por esses tempos era um caseiro habitual nas cabeçolas da rapaziada, o Senhor Antoninho aniquilava-o logo ali, esmagando-o com a  unha do polegar contra a própria cabeça do dono. Morria o piolho e ali já ficava sepultado na cova aberta, tal era a pressão feita no couro cabeludo.

Por outro lado, para rapar  a parte detrás dos pescoços e junto às orelhas, usava aquelas velhas máquinas manuais de corte de cabelo, que mais pareciam um corta relva, que pressionava com força. Sentir aquele tcheq-tchec-tcheq, pela cabeça acima era uma aflição danada. Depois, para terminar o trabalho, umas valentes chapadas encharcadas de Pitralon para queimar e desinfectar os cortes e arranhões. 

Feito o trabalho, revirados o assento e o encosto da cabeça para o cliente seguinte, que tanto poderia ser o meu tio Neca, como o Ti David ou o António Santiago, e retirado o lençol com que nos amortalhava, assim, aliviado e sem saudade daquele castigo capilar, deixava eu a barbearia para trás. Lampeiro, como a fugir, não fosse ser chamado para algum retoque, subia o monte com o pescoço vermelho como o de um peru e a cabeça e rosto a arderem num formigueiro desgraçado. Dali a pouco meses repetir-se-ia o calvário, porque, regra geral, pelo menos três vezes ao ano. Pela Festa do Viso, Natal e Páscoa.

Mas era assim, e as barbearias, como a do Viso do Ti Antoninho, por esse tempo não tinham contemplações com esquisitices de limpeza. A barba era aparada à navalhada e só de ver o barbeiro a afiar aquela espada numa tira de couro oleada já dava tremuras. Pela prateleira frontal, onde estavam dispostos pentes, tesouras e navalhas, ali eram penduradas tiras de papel de jornal onde a cada passagem da navalha pelas fuças, o barbeiro nelas depositava, um a seguir ao outro, montes de espuma com barba. 

O chão, esse parecia um posto de tosquia de ovelhas, como um relvado de cabelos de todos os tons, lisos, encaracolados, de crianças, jovens e velhos. Era varrido à vassourada apenas quando acabava o dia. 

Finalmente, ainda outra memória: Por muitas vezes, quando eu criança descia o monte mandado pela minha mãe à loja (mercearia) a Casaldaça, o Sr. Silva (Manuel Alves da Silva), pai do referido senhor Antoninho, debruçado na janela central de cima, atirava-me uma moeda de 1 escudo e pedia: - Ó Merquito, traz-me uma maço de cigarros Sporting! Compra rebuçados com o troco!

Nessa altura havia cigarros com nomes dos principais clubes. Não sei qual seria o clube do Sr. Silva, mas é de supor, pela marca dos cigarros, que o Sporting. A verdade é que se não fora os belos cromos com as vistosas camisolas  encarnadas a vestir jogadores como o Eusébio, o Coluna, o Simões, o José Augusto e o Águas, entre outros, e eu não seria benfiquista mas sim sportinguista à custa de comprar tantos maços de tabaco às riscas verdes-brancas para o Sr. Silva do Viso e dos rebuçados que o pouco troco me permitia lamber.

Mas, fechando a cancela a estas memórias, toda essa saudosa gente boa, o Sr. Silva, a sua mulher, a Dona Carolina, o seu filho António, tratado por Antoninho ou Toninho, ou mesmo a mulher deste, a Ti São, já todos partiram e hoje já só subsistem em algumas das nossas memórias. Nas dos familiares, certamente,  mas nas minhas, seguramente.

Por tudo isto, a casa chanfrada continua ali a avivar-me esses tempos, episódios e figuras passadas. 

Mas volvidas décadas, desaparecidas umas pessoas e envelhecidas outras, mantém-se sempre gracioso aquele cisne, na sua pose cimentada, ali ao fundo da balaustrada da escada da casa, a fazer-nos lembrar a música do bailado do Lago dos Cisnes, de Tchaikovski, que certamente na sala de cima tantas vezes o Sr. Antoninho pôs a tocar no velho gira-discos.

Se há alguém que terá ouvido todas aquelas sinfonias, óperas e concertos, o cisne será certamente um deles. 

É perguntar-lhe!

Finalmente, mesmo que já não fazendo parte das minhas memórias, importa dizer que nesta casa chegou a funcionar pelos anos 1940 uma escola destinada a raparigas. Isto antes da construção da escola primária do Viso. Mesmo com a escola do Viso em funcionamento, na parte da tarde sobretudo os alunos da 4.ª classe ali tinham aulas para reforçar ou complementar os estudos, como preparação para o exame da 4.ª classe que por essa altura era coisa séria.


17 de outubro de 2022

Festa do Viso - Antecipada

Na página do Facebook da Comissão de Festas do Viso, ainda nada está divulgado quanto ao assunto - e parece-me que deveria estar - mas quem foi à missa neste fim de semana foi posto ao corrente de um comunicado com uma decisão tomada conjuntamente com a Comissão de Festas 2023 e o pároco Pe. António Jorge.

Em resumo, a título excepcional, foi tomada a decisão de antecipar numa semana a data da realização da nossa festa em honra de Nossa Senhora da Boa Fortuna e Santo António, vulgo Festa do Viso. Assim, do tradicional primeiro Domingo de Agosto, que em 2023 calhará no dia 6, a festa ocorreria nos dias 4, 5, 6 e 7  daquele mês. Sendo antecipada, terá lugar a 28, 29, 30 e 31 de Julho.

Quanto ao motivo, prende-se com o facto de que nos dias em que teria lugar a nossa festa, ocorrerão as Jornadas Mundiais da Juventude, em Lisboa, um acontecimento mundial e de extrema importância para o mundo católico. O papa Francisco estará presente com uma grande parte do clero nacional, bem como se espera o envolvimento de centenas de milhares de jovens provenientes dos quatro cantos do globo. Naturalmente que também estarão presentes muitos dos jovens da nossa paróquia. O nosso próprio pároco manifestou interesse e vontade em participar. Totalmente compreensível.

Posto isto, por quem decidiu, foi considerado que o motivo para antecipar a data da festa é importante e justificável e por isso com carácter excepcional.

Naturalmente que, nesta como noutras coisas, para mais quando se trata de alterar pressupostos que são vigentes de há largas dezenas de anos, a decisão nem a todos agradará. 

De minha parte tenho naturalmente a minha própria opinião, mas para o caso é totalmente irrelevante, até porque a decisão já está tomada.

Assim sendo, é seguir em frente!

16 de outubro de 2022

Recortando o passado


Guardo muitos recortes da nossa imprensa regional sobre assuntos relacionados à nossa freguesia. 

Este, que reproduzo, é datado de Julho de 1998, por isso já com 24 anos. Refere-se ao início das obras de construção da Alameda da Igreja e aos 4 mil contos concedidos pela Câmara Municipal como apoio à obra.

O tempo passa inexoravelmente e muitas das coisas que fazem parte do nosso presente parecem-nos que foram realizadas há dois ou três anos quando, em boa verdade, passaram já vinte ou trinta.

15 de outubro de 2022

A família como morangueiras

 


As famílias e os seus membros são como estolhos de morangueiras que às tantas começam por aí a enraizar e a dar frutos ao largo e quando transplantados, mesmo que para longe da cepa materna, continuarão a produzir os mesmos frutos.

Neste sentido, parece-me que em todas as famílias e sobretudo nas numerosas, às tantas perdemos o fio à meada e temos por aí dispersos, primos, segundos e terceiros,  que até, eventualmente, se cruzam connosco nos cruzamentos do dia-a-dia mas que não passam de desconhecidos e como tal não há partilha de acenos nem cumprimentos.

Isto acontece na minha família, tanto na parte de meu pai como de minha mãe e acontecerá no geral com todas as famílias. E claro, quando no estrangeiro já ramificados, a coisa piora quanto ao contacto próximo.

Pessoalmente tenho procurado pelo menos seguir os primeiros ramos da árvore paterna e deles os rebentos e frutos primeiros, mas depois disso a orgânica das células e a química da vida continuam os seus passos de multiplicação e torna-se tarefa mesmo impossível confinar todo o morangal num único vaso.

Mesmo com as actuais ferramentas que possibilitam o contacto com gente de longe, as coisas são mesmo difíceis e complexas tanto mais que, por força do desligamento e das circunstâncias da vida, a separação e o desligamento aconteceram já há muito. 

Não há papel capaz de comportar o desenho de uma tão grande árvore genealógica a abarcar gerações passadas e presentes. Mesmo uma árvore digital é complexa de gerir e de actualizar. Teria que ser uma tarefa comum a todos os ramos, mas isso, convenhamos, é uma missão digna de Hércules.

Neste aspecto, são importantes os encontros e convívios familiares, o registo e actualização das árvores genealógicas, e até temos alguns em Guisande, mas no geral, quando muito aparece apenas uma reduzida percentagem dos membros catalogados, muitos deles até de perto da base mas que desprezam esta questão de encontro a fraternização entre os seus.

Tantas vezes, somos estranhos dentro da própria família. De resto o que seria dos rebanhos sem as suas ovelhas negras e ronhosas?

Neste contexto de perda do caminho dos membros familiares, ainda há dias faleceu em Pigeiros um meu primo paterno, que sabia ali viver, até por informação de outro primo que de quando em vez o contactava, mas em rigor já não o veria há longos anos e por conseguinte nem a esposa, nem os filhos e muito menos os netos, meus segundos e terceiros  primos, são por mim conhecidos. Este é um exemplo comum a quase todas as famílias.

Para além disso, parece-me, no geral nota-se um desinteresse pela valorização da família e da sua história e por isso, não surpreende que ao fim de duas ou três gerações se perca o fio ao novelo base.

É o que é, porque nestas como em muitas coisas do nosso actual modo de vida, para o bem e para o mal, vão rolando desta maneira. Colocámo-nos como o centro do universo e tudo o resto é colateral.

14 de outubro de 2022

Náufrago do tempo

Eis-me aqui, todo em pleno mar,

Sem farol a guiar a porto seguro,

Sem barco, sem âncora, nem bóia

Em água temerosa.

Fugi, perdi-me para me encontrar,

Mais livre, solitário, mais puro,

Como quem busca tesouro ou  jóia

Mais rica, valiosa.


Talvez nesta imensidão ondulante,

Espelho da negrura da alma e céu,

Eu encontre uma rocha firme, a fé,

Que me resgate desta morte certa.

Serei então um solitário mareante

Digno, sereno, despojado de labéu,

Um novo e renovado homem Crusoé

No reencontro da ilha deserta.


Eis-me aqui, náufrago em verdade

Já com fundada, renovada esperança,

Porque passada a dor, a tempestade, 

Ressurge a doce e vindoura bonança.

Eis-me aqui, vivo, já fora do mar,

Seguro, mesmo que a noite caia,

Porque um homem pode naufragar

Mas dará sempre à sua praia