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27 de novembro de 2019

Memórias Paroquiais de 1758 - Guisande - Lugares


Em 1758, três anos após o terrível sismo de Lisboa de 1755, em certa medida para saber da situação das terras e consequências do terramoto no território nacional, o Marquês de Pombal mandou realizar um inquérito em todas as paróquias. O mesmo foi enviado a todos os Bispos das Dioceses do país, para que por sua vez fosse encaminhado às então 4073 freguesias existentes em Portugal  e respondido pelos seus párocos. As respostas às diferentes perguntas (ver abaixo) deveriam ser tão precisas quanto possível e de seguida remetidas à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino.

A tarefa de proceder à organização das respostas de todos os documentos coube ao Padre Luís Cardoso, sendo concluída apenas em 1832, já depois do seu falecimento, altura em que se terá completado o índice de todas as respostas aos inquéritos. Os originais das respostas ao inquérito encontram-se na Torre do Tombo.
Na paróquia de S. Mamede de Guisande, sucedendo ao Pe. Manuel de Carvalho, fundador da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, no presente ainda activa, era pároco na altura o Dr. Manuel Rodrigues da Silva, que respondeu ao referido inquérito.

Desde há muitos anos que é de consenso comum e adquirido que a nossa freguesia de Guisande é constituída pela Parte de Cima e pela Parte de Baixo e por 14 lugares, concretamente: Igreja, Quintães, Viso, Cimo de Vila, Outeiro, Estôse, Pereirada, Leira, Gândara, Fornos, Barrosa, Reguengo, Lama e Casaldaça.

No entanto, na resposta ao ponto 6º do referido inquérito de 1758, o pároco referiu as partes ou metades de Cima e de Baixo, bem como os 14 lugares, mas estes com nomes que diferem um pouco da situação actual.
Respondeu o abade que a metade de Baixo era formada por  sete lugares chamados de Reguengo, Barroza, Fornos, Lama, Lamozo e Cazaldaça; e que a outra metade, chamada de Cima, tinha oito lugares, chamados de Leyra, Estôze, Pereirada, Quintam, Oiteiro, Simo de Villa, Quintana e Trás-da-Igreja.
Ora atentos à descrição, e relevando a questão da grafia própria da época, o abade começa por se enganar no total de lugares da parte de Baixo, dizendo 7 quando elenca apenas seis. Além disso, acrescenta os lugares de Lamozo e Quintam (este último que corresponderá a Quintão), mas não refere os lugares do Viso e Gândara.

Claro que ficamos sem saber em rigor qual o uso da época, podendo até ser esse o alinhamento dos lugares da freguesia na época, pelo que posteriormente, certamente devido à expansão dos lugares, terão sido acrescidos o do Viso e o da Gândara enquanto que por sua vez os lugares de Lamozo e Quintam deixaram o estatuto de lugares, passando a sítios, que de resto ainda hoje são conhecidos.

O Abade Dr. Manuel Rodrigues da Silva à data do inquérito já paroquiava Guisande há vários anos pelo que não é crível que ainda desconhecesse a composição por lugares da sua paróquia a ponto de se justificar o que poderia ser um lapso.
De todo o modo, fica a dúvida e o mistério para procurar esclarecer no futuro.

Voltaremos a este assunto das Memórias Paroquiais e o inquérito de 1758 que lhe deu corpo.

Entretanto ficam abaixo as perguntas que constavam do Inquérito ordenado pelo Marquês de Pombal.

Acrescente-se que, pelo que fui lendo nas respostas dadas por certos párocos de certas freguesias, referentes a várias freguesias, tanto do nosso concelho como de Arouca, Castelo de Paiva e outras, nem sempre os párocos respondiam à totalidade das perguntas ou apenas resumiam as mesmas tanto quanto possível, ou diziam nada ter a declarar. Sendo os padres uma entidade com conhecimento e cultura bastantes, não podiam encontrar desculpa no desconhecimento ou incapacidade de resposta às várias perguntas. Preguiça, certamente, pois tempo é que não faltaria aos então clérigos.


As perguntas colocadas no inquérito de 1758 foram as seguintes:

Parte I: O que se procura saber da terra

1. Em que província fica, a que bispado, comarca, termo e freguesia pertence.

2. Se é d’el-Rei, ou de donatário, e quem o é ao presente.

3. Quantos vizinhos tem, e o número de pessoas.

4. Se está situada em campina, vale, ou monte e que povoações se descobrem dela, e quanto distam.

5. Se tem termo seu, que lugares, ou aldeias compreende, como se chamam, e quantos vizinhos tem.

6. Se a Paróquia está fora do lugar, ou dentro dele, e quantos lugares, ou aldeias tem a freguesia, e todos pelos seus nomes.

7. Qual é o seu orago, quantos altares tem, e de que santos, quantas naves tem; se tem Irmandades, quantas e de que santos.

8. Se o Pároco é cura, vigário, ou reitor, ou prior, ou abade, e de que apresentação é, e que renda tem.

9. Se tem beneficiados, quantos, e que renda tem, e quem os apresenta.

10.Se tem conventos, e de que religiosos, ou religiosas, e quem são os seus padroeiros.

11.Se tem hospital, quem o administra e que renda tem.

12. Se tem casa de Misericórdia, e qual foi a sua origem, e que renda tem; e o que houver de notável em qualquer destas coisas.

13. Se tem algumas ermidas, e de que santos, e se estão dentro ou fora do lugar, e a quem pertencem.

14. Se acode a elas romagem, sempre, ou em alguns dias do ano, e quais são estes.

15. Quais são os frutos da terra que os moradores recolhem com maior abundância.

16. Se tem juiz ordinário, etc., câmara, ou se está sujeita ao governo das justiças de outra terra, e qual é esta.

17. Se é couto, cabeça de concelho, honra ou beetria.

18. Se há memória de que florescessem, ou dela saíssem, alguns homens insignes por virtudes, letras ou armas.

19. Se tem feira, e em que dias, e quanto dura, se é franca ou cativa.

20. Se tem correio, e em que dias da semana chega, e parte; e, se o não tem, de que correio se serve, e quanto dista a terra aonde ele chega.

21. Quanto dista da cidade capital do bispado, e quanto de Lisboa, capital do Reino.

22. Se tem algum privilégio, antiguidades, ou outras coisas dignas de memória.

23. Se há na terra, ou perto dela alguma fonte, ou lagoa célebre, e se as suas águas tem alguma especial virtude.

24. Se for porto de mar, descreva-se o sitio que tem por arte ou por natureza, as embarcações que o frequentam e que pode admitir.

25. Se a terra for murada, diga-se a qualidade dos seus muros; se for praça de armas, descreva-se a sua fortificação. Se há nela, ou no seu distrito algum castelo, ou torre antiga, e em que estado se acha ao presente.

26. Se padeceu alguma ruína no terramoto de 1755, e em quê, e se está reparada.

27. E tudo o mais que houver digno de memória, de que não faça menção o presente interrogatório.

Parte II: O que se procura saber da serra

1. Como se chama.

2. Quantas léguas tem de comprimento e quantas tem de largura, aonde principia e acaba.

3. Os nomes dos principais braços dela.

4. Que rios nascem dentro do seu sítio, e algumas propriedades mais notáveis deles; as partes para onde correm e onde fenecem.

5. Que vilas e lugares estão assim na Serra, como ao longo dela.

6. Se há no seu distrito algumas fontes de propriedades raras.

7. Se há na Serra minas de metais, ou canteiras de pedras, ou de outros materiais de estimação.

8. De que plantas ou ervas medicinais é a serra povoada, e se se cultiva em algumas partes, e de que géneros de frutos é mais abundante.

9. Se há na Serra alguns mosteiros, igrejas de romagem, ou imagens milagrosas.

10. A qualidade do seu temperamento.

11. Se há nela criações de gados, ou de outros animais ou caça.

12. Se tem alguma lagoa ou fojos notáveis.

13. E tudo o mais que houver digno de memória.

Parte III: O que se procura saber do rio

1. Como se chama assim, o rio, como o sitio onde nasce.

2. Se nasce logo caudaloso, e se corre todo o ano.

3. Que outros rios entram nele, e em que sitio.

4. Se é navegável, e de que embarcações é capaz.

5. Se é de curso arrebatado, ou quieto, em toda a sua distância, ou em alguma parte dela.

6. Se corre de norte a sul, se de sul a norte, se de poente a nascente, se de nascente a poente.

7. Se cria peixes, e de que espécie são os que traz em maior abundância.

8. Se há nela pescarias, e em que tempo do ano.

9. Se as pescarias são livres ou algum senhor particular, em todo o rio, ou em alguma parte dele.

10. Se se cultivam as suas margens, e se tem muito arvoredo de fruto, ou silvestre.

11. Se têm alguma virtude particular as suas águas.

12. Se conserva sempre o mesmo nome, ou começa a ter diferente em algumas partes, e como se chamam estas, ou se há memória que em outro tempo tivesse outro nome.

13. Se morre no mar, ou em outro rio, e como se chama este, e o sitio em que entra nele.

14. Se tem alguma cachoeira, represa, levada, ou açudes que lhe embaracem o ser navegável.

15. Se tem pontes de cantaria, ou de pau, quantas e em que sítio.

16. Se tem moinhos, lagares de azeite, pisões, noras ou algum outro engenho.

17. Se em algum tempo, ou no presente, se tirou ouro das suas areias.

18. Se os povos usam livremente as suas águas para a cultura dos campos, ou com alguma pensão.

19. Quantas léguas tem o rio, e as povoações por onde passa, desde o seu nascimento até onde acaba.

20. E qualquer coisa notável, que não vá neste interrogatório.

3 de dezembro de 2021

Igreja Matriz - Obras realizadas de 1923 a 1929


Qualquer construção, desde a mais singela à mais sumptuosa, para perdurar no tempo tem que beneficiar de obras regulares, que podem ser apenas de conservação face aos elementos da natureza, como aplicação de pinturas e reparação de telhados, mas também de requalificação de modo a ampliar espaços ou reformular elementos e suas funções.

Ora se numa mera habitação é imperiosa essa necessidade de obras, tanto mais o é numa construção com carácter comunitário e simbólico como acontece com um edifício de igreja ou capela, ou mesmo de monumentos de carácter local ou nacional, entre outros.

Neste contexto, é pois natural que a nossa igreja matriz de S. Mamede de Guisande tenha ao longo dos tempos, mais recuados ou mais recentes, sido alvo de diversas obras, umas mais ligeiras outras mais profundas, como as que aconteceram entre os anos de 1923 a 1929 e que neste artigo procuramos falar e trazer a público alguns interessantes apontamentos. 

Desde logo, o que é singelo e invulgar, a propósito do processo dessas obras, designadas de "reparações", o então pároco, Pe. Rodrigo Milheiro, no final mandou imprimir um livrinho com 20 páginas, datado de Janeiro de 1930, onde para além da introdução e justificação das obras, que abaixo transcrevemos, apresenta a descrição das diferentes tarefas e das respectivas contas. Nomeia ainda as pessoas que contribuíram e as respectivas ofertas. 

Este impresso na ocasião foi oferecido a algumas famílias e existe igualmente no acervo dos papéis e documentos da paróquia, que de algum modo pode representar o arquivo paroquial, sendo que este na realidade não existe como tal, nem organiado nem em local digno e adequado à consulta e preservação. Certamente um trabalho que importará fazer.

No fundamental, de referir que o ponto de partida para a realização das reparações prendeu-se com o facto de na altura o corpo da nave da igreja ter sido dado como em eminente ruína já que as paredes exteriores apresentavam um desaprumo. De resto, situação que ainda hoje se verifica, sobretudo na parede da fachada sul (voltada ao cemitério). Há quem refira que este desaprumo vem desde o famoso terramoto de 1755 (que destruíu Lisboa e que por cá também se fez sentir) enquanto que outros, como o autor do atrás referido impresso, atribui o defeito à armação da cobertura da igreja. Resulta, pois, dessas obras, a aplicação dos actuais varões de ferro transversais que ligam ambas as paredes e que são visíveis do interior do edifício. 

Interessante todo este contexto e fundamento.

É indicado que para angariação de fundos para a obra, se realizaram dois bazares (a que hoje chamámos de feirinhas) no dia 28 de Dezembro de 1924, um na Parte-de-Cima da freguesia e outro na Parte-de-Baixo, que renderam ambos 2.430$00.

Em resumo e em balanço, a totalidade das obras realizadas nesse período de tempo custaram 25.146$55 (escudos) e para elas apurou-se uma receita de 23.488$17, por isso registando-se um saldo negativo de 1.658$38. Para ajudar a cobrir o saldo foi realizado um empréstimo de 1.215$00, ficando por isso um remanescente negativo de 443$38. O empréstimo foi concedido pelo Pe. Dr. António Ferreira Pinto, sendo 215$00 para pratear os padrões e mais um conto (1.000$00) para liquidar as contas com o sineiro.

Os 443$38 foram pagos com 100$00 pelo próprio pároco, ainda com dinheiros de juros, esmolas, promessas e sobras de confrarias. Diz ainda o pároco que ele próprio pagou 300$00 como parte do empréstimo ao Dr. Ferreira Pinto.

É dito ainda que "...o falecido Snr. Custódio António de Pinho (nota: da Casa da Quintão, no Outeiro) fez à sua custa a porte principal e o guarda-vento onde gastou cerca de oito contos. Deus Nosso Senhor dê paz à sua alma. O Snr. Manuel A. Guedes mandou levantar a tôrre gastando cêrca de seiscentos escudos. 

As casas principais da freguesia deram os pinheiros precisos para as obras a saber : Custódio A. de Pinho, três ; António dos Reis Oliveira, dois; Raimundinho Loureiro, dois ; Manuel da Costa Moreira, dois ; Manuel Henriques Correia, um; Rufino Ferreira Pinto e irmãos, dois e Manuel António dos Santos, um."

O pároco agradeceu a todos "...o terem concorrido tão generosamente para a reparação da Igreja. Deus Nosso Senhor é que há-de pagar a todos o sacrifício que fizeram para dar as suas esmolas. Todos, pobres e ricos, deram as suas esmolas e quando dos bazares trouxeram os sous presentes, na medida das suas posses. Os ricos continuaram a ser ricos e os pobres não pioraram na sua pobreza. Bem diz a S. Escritura — quem dá a Deus, não dá, empresta".

Procurou na execução dos trabalhos "... ser o mais económico e fazer obra sólida e o melhor possível. Nem tudo ficaria bem e ao agrado, mas não o fiz por maldade ou falta de cuidado. Errar é próprio dos homens. O povo de Guisande tem mostrado sempre ser crente e brioso, orgulhando-se ao ver a sua Igreja limpa, embora modesta.  Eu da minha parte também estou satisfeito porque todas as vezes que bati à porta dos paroquianos pedindo uma esmola para a Casa de Deus não me foi recusada. 

O Ex." Snr. Dr. F. Pinto comprou para a igreja: 1 paramento verde, um relicário de prata, 1 estola preta, 1 paramento branco (usado), 1 missal, 1 cadeira paroquial, pagou a escritura, ciza e mais despesas com a doação da residência, mandou fazer uma varanda em cimento, comprou 1 bomba para o poço, mandou caiar a residência em 1923 e pô-la no seguro pagando o 1.° ano, comprou um pedaço de terreno para alargar o terreno em frente à residência por um conto, recebendo do povo 55-mente 753$50 ; mandou encarnar a imagem de Nossa Senhora do Rosário e outra da Capela, etc. "



Ainda no mesmo impresso, é dada conta que em Dezembro de 1929 fez-se um pequeno bazar para angariar verbas para compor a Capela do Viso, tendo sido apurada a quantia de 835$00. veja-se na folha abaixo.


Em resumo, apontamentos com muito interesse e certamente, pela data a que se reportam, já do esquecimento da totalidade da nossa população.
Daremos continuidade a estes apontamentos relacionados com as obras tanto na igreja, como na capela e na residência.

Quanto ao contexto e justificação das obras, cujo texto consta do já referido impresso, é particularmente interessante e para além de tudo relata-nos pormenores e procedimentos muito particulares.

Segue-se, então, a transcrição do texto, com uma outra actualização de vocabulário e acentuação bem como algumas notas explicativas para melhor leitura e interpretação.

INTRODUÇÃO, CONTEXTO E JUSTIFICAÇÃO DAS OBRAS DE REPARAÇÃO

A Igreja Paroquial da freguesia de São Mamede de Guisande já existia em 1686, como se vê por uma determinação do Ex.mo e Rev.mo Snr. Bispo D. João de Sousa que, estando de visita à freguesia de São Jorge, no dia 16 de Julho de 1686, aí chamou o Rev.do Pároco de Guisando com seus fregueses para lhes administrar a Sagrada Comunhão e Crisma; diz : ... Mandando visitar esta Igreja (S. Mamede de Guisande) por nos constar que a capela-mór está arruinada, ser mui pequena, e não ter sacristia, mandamos que o abade faça de novo a capela-mór mais larga e comprida do que é a actual, e com sacristia para que com maior decência se possam celebrar os ofícios divinos ; e estas obras se façam dentro de ano e meio com cominação (nota: ameaçar com pena ou castigo) de que faltando o Rev.do Abade a acabação deste capítulo será condenado em 20$00 para o seu Meirinho (nota: magistrado encarregado de aplicar a Justiça e fiscalizar a aplicação da justiça)

Em 28 de Setembro de 1687 foi a freguesia visitada pelo Dr. João da Fonseca; este deixou escrito « ... como o Rev.do Abade se tem havido com descuido em não ter feito preparo algum para as obras ... mando sob pena de Excomunhão, Maior, ipso facto ... as executo no referido prazo de tempo». Em 6 de Maio de 1689, visitada a freguesia pelo Dr. Gaspar Pacheco foi por este resolvida uma pendência entre o pároco e o mestre de obras, construtor da capela-mór, sobre se o arco-cruzeiro tinha ou não entrado no contrato. O visitador deliberou fosse construído o arco-cruzeiro à custa de ambas as partes, no que todos concordaram. 

O visitador obrigou o empreiteiro a ter a obra acabada até ao dia de S. João p. f. Em 2 de Maio de 1690 foi visitada a freguesia por João de Almeida Ribeiro que mandou pôr duas vidraças nas friestas da capela-mór. 

Visitada em 19 de Dezembro de 1694 pelo Dr. Francisco Monteiro Pereira, diz : «Fui informado que o Rev.do Abade defunto (P.e João Sequeira de Sousa) dos ornamentos desta Igreja vendeu, para fora, uma vestimenta e com outra se enterrou, o que não podia fazer... como também os gastos que (o pároco actual, Valério R. da Luz) fez em acabar a capela-mór e a sacristia, o que tudo devia ser à custa dos herdeiros do defunto, como deverá cobrar-se.» 

Daqui se conclui que a capela-mór e a sacristia foram principiadas em 1620 e acabadas em 1690 a 1694. O corpo da Igreja já existia nesta altura, mas é desconhecida a data da sua construção. E construído a pedra e cal, com janelas e portas de cantaria lavrada, ao passo que a Capela-Mór, sem cantaria nas janelas, tem na das portas o que há de mais ordinário, sendo as paredes construídas a pedra e barro. 

A data de 1737, gravada no arco-cruzeiro, é muito posterior à construção da Igreja. Essa data deve referir-se às pinturas da Igreja. O Rev." Padre Carvalho (nota: Pe. Manuel Carvalho, fundador da Confraria de Nossa Senhora do Rosário) que tomou posse desta freguesia em 10 de Março de 1710, já encontrou a Igreja construída; porém, a torre data de 1764. O altar-mór também atesta a veracidade destas transcrições, pois tem um remate na parte superior em talha Luís XV, quando no seu todo é renascença. 

Aos lados do altar-mór há duas peças de talha estilo renascença como o altar, mas de proporções muito maiores, prova de que não foi obra do mesmo artista. 
As paredes do corpo da Igreja estão desaprumadas para fora, cerca de 0,15 m. Este desaprumo é proveniente de a Igreja não ter cume nem terças. 
A Igreja compõe-se de: corpo da Igreja com 17,00 m de comprimento por 7,00 m de largura, a capela-mór com 3,00 X 5,00 m, o plano do altar-mór com 2,50 X 5,00 m e duas sacristias. Tem quatro altares em talha. 

A Igreja paroquial da freguesia de S. Mamede de Guisande foi fechada ao culto nos fins do ano de 1923, a pedido do pároco desta freguesia (nota: então o Pe. Abel Alves de Pinho), por ordem do Ex.mo Prelado diocesano, em virtude das informações que lhe deram o pároco e peritos, afirmando que estava a ameaçar ruína. Foi mudado então o SS. Sacramento para a Capela de Vizo e aí se começaram a celebrar todos os actos do culto. 

Passados alguns dias, o pároco cansado de ir diariamente à Capela, pediu ao Ex." Prelado para celebrar à semana no altar-Mór, ficando o povo do arco-cruzeiro para cima, servindo-se pela porta da sacristia. O Ex." Prelado concordou, e o pároco principiou a celebrar no altar-Mór; servia-se do confessionário que estava debaixo do púlpito e administrava o baptismo no seu devido lugar, indo o sobrinho ligeiro (não fosse a Igreja caír) abrir a porta principal para entrar o povo, e o pároco paramentado seguia pelo adro e entrava também pela parte principal. 

O Rev..do Pároco exortava o povo a que compusesse a Igreja e para esse fim nomeou uma comissão de paroquianos. Principiou a receber donativos para as reparações e no dia 20 de Outubro de 1923 (véspera da sua despedida) entregou ao Snr. Moreira, nomeado tesoureiro, a quantia de 2.528$30. Nesta altura tomei posse da paroquialidade desta freguesia de Guisande para a qual fui nomeado (nota: Pe. Rodrigo Milheiro)

É costume fazer-se durante todo o mês de Novembro, de madrugada, o exercício do mês das Almas e de N.ª S.ª do Rosário e como na Capela-Mór não cabiam homens e mulheres  e não podendo além disse estar todos misturados, falei a este respeito com o Rev.do Vigário da Vara que me deu vários esclarecimentos e instruções sobre o caso. 

Examinei, na companhia do pessoas competentes, a construção da Igreja e vimos se realmente estava ou não a ameaçar ruína. Feito o exame, chegamos a conclusão de que foi bem construída, empregaram materiais sólidos e madeiramentos resistentes; mas talvez porque as madeiras não estivessem bem secas, celaram (nota:contrairam) muito e obrigaram as paredes a desaprumar, devendo também influir muito neste grande celamento das madeiras cerca de três toneladas de caliça (nota: mistura de pedra e barro) existente entre o fôrro e o guarda pó. 

As paredes da Igreja têm de espessura 0,70 m ; desaprumando 0,15 m, ficando ainda em prumo 0,55 m. Ora uma parede com 5,50 m de altura e 0,55 m de espessura, sendo bem construída não se pode dizer esteja a ameaçar ruína. Os peritos que o Snr. Abade chamou bem o compreenderam, mas para o não desgostar assinaram de cruz, e o pároco tomou esta resolução para ver se conseguia que o povo desse os donativos para as reparações. 

Abrir a Igreja era uma desconsideração para o meu antecessor (e não fica bem que o novo pároco altere logo de entrada quanto seu antecessor fez). Além disso o meu antecessor paraquiou a freguesia durante 16 anos sempre com muito zêlo, piedade e fervor. Oxalá eu conserve ao menos o que dele recebi.

Fiz então desta maneira: dividi a Igreja, da parte traversa do norte em direcção ao arco do altar de N.a S.ª do Rosário, e ordenei que as mulheres entrassem pela parte travessa e não passassem para baixo da divisão nem para cima do arco-cruzeiro, e os homens entrassem pela sacristia para ficarem na Capela-Mór. Assim principiei a exercer todos os actos do culto na Igreja, indo à Capela semente aos domingos, celebrar a primeira Missa, a da Capelania. 

A 28 de Janeiro de 1924 principiaram os pedreiros a pear o corpo da Igreja com vigas de ferro, e no dia 1 de Fevereiro, terminadas as peações, autorizou o Ex.mo Prelado a abrir a Igreja ao culto. 
Na terça-feira da Páscoa, 22 de Abril, principiaram os carpinteiros e os trolhas a descobrir a Igreja. Antes disto tinha-se levantado um altar na sacristia sul, onde foram colocadas as imagens e o SS. Sacramento, celebrando nele Missa à semana. Aos domingos celebrava-se no altar-Mór, sendo convenientemente preparada a Igreja no sábado à tarde, depois de se retirarem os operários. 

A Igreja foi coberta com telha francesa, soalhada, remendado e pintado o fôrro, forrado de novo o côro, concertadas a grade e a cimalha do côro ; foi feita uma porta principal e outra travessa, remendadas e vestidas de novo três portas, levantada a torre de sete metros, picada a cal da torre e argamassada de novo, vestido o frontispício da Igreja a massa de areia, concertada a cal das paredes da Igreja, lavada e caiada; 

Foram feitos novos beirais e cimalhas (nota: parte superior da cornija onde assenta o beiral da cobertura), concertados três altares e lavados ; foram dadas três mãos de cola, feitos quatro estrados novos, rasgadas as janelas da Igreja, levando grades e vidros novos, foi feito um guarda-vento, composta a grade do arco cruzeiro e aumentada foram feitos seis confessionários novos, comprada uma Custódia nova, um sino, prateados dois padrões e uma vara de juiz; 

Foram comprados dois panos : um para o gavetão da sacristia e outro para o harmónio ; um tapete para o Altar-Mór ; foi feita uma dúzia de bancos grandes e seis pequenos ; foram reparados o gazómetro, as lâmpadas e as credências e compradas duas pedras de mármore e uma cadeira paroquial e ultimamente foram dourados três altares e o púlpito. 

Tem a freguesia de Guisande uma boa residência construída em 1907, e uma espaçosa casa para reuniões da Junta, mordomos e confrarias, construída em 1909. 
O cemitério é amplo e data de 1910. Todas estas construções estão em volta do adro e dão um belo aspecto ao local. 
Os paroquianos, voluntariamente, contribuíram sempre para estas obras e podem ter justo orgulho das suas iniciativas e realizações. 

Pe. Rodrigo Milheiro - Janeiro de 1930


- Datas relacionadas a obras:
1703, 03 março - contrato de Manuel da Fonseca para a obra de dois retábulos; 1712 - data gravada na pia baptismal; 1737 - data pintada no arco cruzeiro; 1764 - data da torre sineira, primeira construção; 1933 / 1934 - demolição, reconstrução e ampliação da capela-mor.

21 de março de 2024

A Maria foi à feira a Cesar e ficou prenha

Creio que já o escrevemos por aqui, desde que há casamentos que nunca deixou de haver mães solteiras e sobretudo com os progenitores a não assumirem a paternidade e responsabilidades inerentes, fosse por verdadeira incapacidade de os responsabilizar ou por silêncio comprado ou ameaçado, sobretudo quando os progenitores já eram homens casados e de estatuto social incompatível com a "vergonha" ou infidelidade a assumir. Acontecia, por exemplo, com patrões relativamente a criadas.

Por conseguinte, nos velhos assentos paroquiais dos baptismos, são frequentes as referências a filhos naturais, não reconhecidos como legítimos, de mulheres e raparigas solteiras. Mas também eram considerados filhos naturais e não legítimos todos os que nascidos fora do casamento, como o caso constante num assento de baptismo de uma Petronilha, nascida em 7 de Julho de 1752, filha de Pedro de Oliveira, homem casado, do lugar de Trás da Igreja e de Maria Guedes, viúva que ficou de Manuel Francisco, do lugar de Casaldaça. 

Ora num desses assentos, de uma rapariga a quem foi dado o nome de Getrudes, nascida em 29 de Março de 1739, filha de uma Maria, solteira, esta filha de Manuel da Mota e de sua mulher Domingas da Mota, do lugar da Pereirada, é curiosa a narrativa feita pelo pároco de S. Mamede de Guisande, o Abade Manuel Carvalho, nos seguintes termos: "..e perguntando à dita Maria, solteira, quem era o pai da dita criança, me respondeu que indo ela em fim do mês de Junho próximo (1), passando à freguesia de Cesar, em o caminho zombara dela um homem que ela não conhecera e dele ficara prenhe, em fé do que fiz este assento, que comigo assinarão o padrinho da baptizada e Manuel Francisco, de Cazaldaça, ambos desta freguesia".

(1) - creio que pretendia dizer "Junho passado"

Em resumo, não deixa de ser curioso. Fica-se sem saber se, todavia, se no caso a Maria ficou grávida por um acto de violação ou de uma brincadeira consentida com um estranho.

Seja como for, o caso, que não seria de todo vulgar, mostra a vulnerabilidade das mulheres e raparigas em certas situações e sem que houvesse justiça  capaz de obrigar à assunção da responsabilidade paternal. Certo é que, a ter em conta a descrição, a rapariga iria sozinha a caminho de Cesar (seria à feira e já existiria nesse tempo ?) e pelo caminho foi abordada por um estranho que "zombou" dela. Dessa "zombaria" passados nove meses nasceu a Getrudes, filhinha de pai incógnito que teve a desfaçatez de "zombar" de uma inocente rapariga a caminho não de Viseu mas de Cesar.

Noutros assentos paroquiais similares, volta a ser usado o termo "zombar", no que modernamente poderemos traduzir como "abusar" ou mesmo "violar".

1 de setembro de 2018

Cantares e cantadores ao desafio


No programa deste ano de 2018 da nossa Festa do Viso, na sexta-feira, houve, e bem, lugar aos cantares ao desafio com os conhecidos cantadores Augusto Caseiro (Sardinheiro), das Caldas de S. Jorge e o António Cante, de Carregosa - Oliveira de Azeméis. De resto, o cantador da freguesia das termas já tem marcado presença em anteriores edições.

Sendo que, infelizmente, os cantares ou desgarradas ao desafio marcam cada vez menos presença na nossa festa, apenas de forma esporádica, tempos houve em que faziam parte do cartaz musical com regularidade. Podemos dizer que nas festas e romarias desta nossa região esta tradição de fortes raízes cultural e musical tem vindo a perder terreno em detrimento de um qualquer artista ou grupo, mesmo que de fraca ou duvidosa qualidade. Infelizmente, digo, muito do nosso povo apenas vê nos cantadores um registo monótono e sem a vivacidade rítmica que se espera para uma festa moderna. Infelizmente nesta depreciação, para além da questão de gostos pessoais que se devem procurar respeitar, reside, todavia, muita ignorância cultural e musical relativamente ao entendimento de um estilo que é rico na sua forma e conteúdo.

Apesar disso, sobretudo no Minho, não há festa nem romaria, mesmo das mais afamadas como a Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, Feiras Novas, em Ponte de Lima, S. Bartolomeu, em Ponte da Barca, S. João D´Arga em Caminha, entre largas dezenas de outras que se realizam à sombra de uma igreja ou capela, que não tenha cantares ao desafio. De resto, é no Minho que esta tradição tem as suas mais fortes raízes e porventura onde proliferam os mais consagrados artistas da arte do improviso.

Origens:
Embora de origens difusas, os estudiosos da música consideram que as raízes dos cantares ao desafio remontam à civilização grega, nomeadamente às disputas poéticas de pastores a que o poeta Teócrito  (310 a.C.-250 a.C) lhes deus destaque nas sua obras.
Obviamente que o estilo ou conceito de cantigas baseadas no improviso, em monólogo ou em disputa com outro cantador, mesmo que com diferentes ritmos e estruturas melódicas, pode encontrar-se em muitos outros países e culturas, nomeadamente no Brasil onde ali os cantadores são conhecidos como repentistas. Também o acompanhamento instrumental é diversificado, desde um simples instrumento de percussão, como a pandeireta ou pandeiro (no Brasil), até um bombo ou, como em Portugal, com a popular concertina. Aqui também com instrumentos de corda, como a viola braguesa, sendo que a gênese tradicional é apenas com a concertina.

A concertina:
Dizem que as suas mais remotas origens, com o som produzido por palhetas fixas, estão referenciadas à China e ao longo dos tempos foram evoluindo para diferentes formatos e sonoridades. A sua forma mais ou menos moderna foi desenvolvida na Alemanha, país onde está implantada a Hohner, porventura a mais consagrada marca de harmónicas de boca, concertinas e  acordeões.
Em rigor, o instrumento a que em Portugal chamamos de concertina não é uma concertina, já que esta, embora com a mesma estrutura de fole e botões nas extremidades, refere-se, todavia, a um formato hexagonal, accionado pelas mãos e braços e sem elementos de suporte ao tronco. A "nossa" concertina tecnicamente falando é um acordeão diatónico de três filas, cada uma correspondente a uma escala ou afinação, normalmente em DO, FA e SOL. Mas há com outras afinações. Uma das grandes diferenças entre este instrumento e o também popular acordeão é o facto da concertina ser de teclas bi-sonoras (uma nota ao abrir o fole e uma outra diferente nota ao fechar o fole) enquanto que o acordeão, de teclas ou de botões, ser uni-sonoro (a mesma nota ao abrir ou fechar o fole). No acordeão é possível tocar qualquer música ao passo que na concertina há algumas limitações nomeadamente no modo menor poruqe lhe faltam notas de meio tom (sustenidos ou bemóis).
Pese estas diferenças fundamentais, o instrumento de excelência no acompanhamento das cantigas ao desafio popularizou-se com o nome de concertina e assim, mesmo que erradamente, continuará a ser. No Brasil, tanto concertina como o acordeão são conhecidos por sanfona ou mesmo por gaita.

Os cantares:
Os cantares ou cantigas ao desafio, ou desgarradas, conforme são tradição no nosso país, e sobretudo no Minho, traduzem-se fundamentalmente em cantar de improviso, de forma alternada com outro cantador, em jeito de disputa, despique ou função, à volta de um tema mais ou menos escolhido ou mesmo de tema livre.
Nas origens, diz-se que os desafios eram essencialmente de temática mais ou menos religiosa, por exemplo Deus e o Diabo, o Bem e o Mal, os pecados mortais, os sacramentos, ou mesmo a vida de determinados santos, como S. Pedro e S.to António. Estes temas sacros foram aos poucos sendo abandonados porque nas festas o povo exigia assuntos mais alegres, menos sérios, e tornaram-se então recorrentes as cantigas à volta de temas como os binómios Vinho e Água, Lavrador e Carpinteiro (ou outras profissões), a Noite e o Dia, a Madeira e o Ferro, etc. Nestes casos, os cantadores começam por uma série de quadras de saudação aos presentes no terreiro e a si próprios e depois vão lançando o desafio à marcação da função ou do tema e depois cada um defendo a sua parte, lá vão esgrimindo razões de enaltecimento ou depreciação de qualidades e ou defeitos.
Apesar dos temas mais clássicos, o que normalmente desperta a atenção dos apreciadores são os de carácter brejeiro e sobretudo de cariz sexual, nomeadamente quando o desafio é feito entre homem e mulher. Todavia, mesmo com a  carga de brejeirice e de cariz sexual, é importante que tudo o que se cante seja sempre de forma indirecta e que o segundo sentido e interpretação das palavras fique à consideração e imaginação dos ouvintes. Ou seja, que a suposta maldade ou malandrice seja subjectiva e não objectiva. Quando a coisa descamba para a ordinarice muito directa pode ganhar em entusiasmo mas perde seguramente na pureza da tradição.

Alguns afamados cantadores, como o Augusto Canário, Delfim dos Arcos (de Valdevez) e sua filha Carminda, consideram que os cantadores têm que ter alguma psicologia e saber dosear o nível de malandrice ou brejeirice de acordo com a plateia que têm à sua frente ou mesmo com o local. Têm que perceber se quem está a assistir está a gostar ou a torcer o nariz às piadas, se há muitos idosos, se crianças, etc. Por outro lado é totalmente diferente o cantar defronte de uma capela ou igreja e num contexto de festa religiosa ou se numa festa puramente popular ou dentro de um salão ou tasca. Por conseguinte, importará sempre aos bons cantadores este "apalpar" do pulso à plateia de modo a que perceba se estão a alegrar e a divertir, a enfadar ou a provocar.

Cantadores e cantadoras:
Não sendo regra, os cantadores e cantadeiras para além do seu nome próprio são também conhecidos com o nome da terra de que são naturais.
Nas origens e até há poucos anos, os cantadores eram essencialmente homens e os respectivos despiques ou desafios eram entre eles.
Inicialmente cantava-se por divertimento e a troco de uns copos de vinho mas mais modernamente os artistas começaram a ser pagos pelas suas participações e já há quem viva apenas dessa actividade artística.

Aos poucos começaram a aparecer as cantadeiras e com elas a abrir-se a oportunidade para a brejeirice de cariz sexual que obviamente não se proporcionava com cantigas entre homens.
Ainda não são muitas, comparativamente com os homens, mas já há boas cantadeiras, como as conhecidas Adília de Arouca, Irene de Gaia, Irene de Vila do Conde, Celeste de Ponte da Barca, Rosa Maria de Ponte da Barca, Carminda de Arcos (Valdevez). Também tem sido dado destaque a Natividade Vieira (Naty) de Póvoa de Lanhoso, a que se referem como a Raínha das Cantadeiras, tendo sido popularizada pelas frequentes desgarradas com o cantador Augusto Canário de Viana do Castelo, de cujo grupo fez parte até 2012, altura em que se juntou ao grupo do cantador Jorge Loureiro, de Barcelos.
Há algum tempo, em declarações públicas, a cantadora Carminda referiu que uma mulher que ande nestas coisas das cantigas ao desafio e que alinhe num estilo brejeiro, tem que ser solteira ou independente de homem ou então, sendo casada, que o marido tenha total confiança, pois caso seja ciumento e possessivo as coisas podem complicar em certas "brincadeiras" mais apimentadas.

Pela parte dos cantadores, na zona do Minho há muitos e bons de que pessoalmente destaco os mestres Delfim dos Arcos (Valdevez), Cunha de Vila Verde (um dos melhores de sempre), Manel Peta de Vila Verde, o Leiras (Manuel Araújo) do Soajo, Marinho de Ponte da Barca, Carvalho de Cucana de Cabeceiras de Basto, Domingos Soalheira, de Guimarães, Loureiro de Barcelos, Peixoto de Braga, Jorge Loureiro de Barcelos, Zé Cachadinha de Ponte de Lima, Pedro Cachadinha de Ponte de Lima, Nelo Aguiar de Barcelos, Borguinha de Braga, Augusto Canário de Viana e seu colega de grupo o Miranda de Viana. Quim Barreiros, de Vila Praia de Âncora teve fama de bom cantador, noutros tempos, mas há muito que enveredou por um registo bem diferente, mais trauliteiro e raramente entre em desgarradas.

Estilos:
Por tradição, como já se disse, os cantares ao desafio são acompanhados por concertina, que pode ser tocada pelos próprios cantadores ou por outros tocadores. A base musical assenta no ritmo de rusga e da popular modinha da "Cana Verde". Há quem adopte um ritmo e estilo de fado mas esse não é de todo tradicional.
O ritmo deve ser lento, não demasiado, mas o adequado para dar tempo ao cantador para preparar a quadra de resposta. Um ritmo demasiado acelerado para além de não ajudar à compreensão de algumas palavras ditas em modo popular, dificultará certamente a preparação e com isso eventuais falhas ou tempos mortos.

Por outro lado, a tradição é que cada cantador cante uma quadra (quatro versos) de forma alternada, mas há quem cante duas ou mais ou mesmo sextilhas (seis versos). Há ainda um estilo mais livre um pouco ao sabor da inspiração e dos caminhos de cada despique, com rimas emparelhadas e nem sempre cruzadas.
Um bom cantador é obviamente aquele que tem uma boa capacidade de improviso e riqueza de rimas, boa voz e colocação da mesma e consegue dar sequência contextual à quadra cantada pelo parceiro. Simultaneamente, porque lhe confere mais categoria e independência, bom tocador de concertina, embora não obrigatório.
Ao contrário do que se possa pensar, um bom cantador ao desafio não decora quadras até porque nunca saberá o rumo dado pelo cantador com quem estará em despique. Quando muito pode ter alguns versos mais ou menos recorrentes( "muletas") com as quais se socorre em determinadas situações e que encaixam como enquadramento ou introdução. Terá, sim, que ter uma técnica muito própria no improviso de modo a dar sequência natural ao despique ou desafio e à qualidade e diversidade de rimas. Ajudará muito ter um bom vocabulário e praticar rimas, mesmo que sozinho.
Em todo o caso, para a popularidade dos cantadores e cantadeiras contam muito o perfil e o carisma. Cantadores há que têm fraca ou vulgar voz, até mesmo mal colocada ou muito barregada, mas que despertam esse carisma, como são exemplos o Zé Cachadinha e sobrinho Pedro Cachadinha (foto acima), por sua vez filho e neto do já falecido Joaquim Cachadinha, ambos de Ponte de Lima. Na verdade, não se pode falar de cantares e cantadores ao desafio sem falar dos Cachadinhas de Ponte de Lima. Neste caso é maior a fama decorrente da tradição do velho Cachadinha do que propriamente a sua qualidade intrínseca. De resto o Zé Cachadinha tem o estilo de cantar apenas uma simples quadra e não gosta que o parceiro da desgarrada cante mais do que isso.

- Ouve cá o cantador,
Vê se cantas direitinho,
Se cantares mais c´ uma quadra
Ficas aí a cantar sozinho.

Possível resposta provocatória, porque desafiante da regra imposta e simultaneamente "ofensiva":

- Vou cantar uma, ou mesmo duas,
Conforme me apetecer,
Depois de ouvir uma das tuas,
É que vou cá arresolver.

Se me deixas a cantar sozinho,
É porque te meto medo,
Mas isso passa se no teu cuzinho,
Me deixares espetar um dedo.

Mas para isso, ó cantador,
Não precisas meter cunha,
Porque o dedo que eu falo,
É um dedo que não tem unha.


Por cá:
Confesso que, em dias inspirados, até sou capaz de manter um desafio com quem se mostre à altura. Recordo, já com saudade, alguns despiques que fiz com o Ti Zé do Coelho em alguns encontros e convívios. Na altura não era a concertina a acompanhar mas a sua guitarra e a minha viola. Poderia fazê-lo agora com a minha velhinha concertina Hohner, mas as cordas vocais do Coelho, quase com 92 anos, já não têm a frescura para as cantigas ao desafio. Seja como for, ficam para sempre as boas memórias dessas brincadeiras de cantadores sem fama e sem proveito, mas que eram divertidas e alegravam quem as ouvia.

Dito tudo isto, e não foi pouco, e porque não podemos gostar do que não compreendemos, seria bom que aos poucos déssemos o justo valor a esta tradição das cantigas ao desafio, que em muito traduzem o saber, a cultura e maneira de ser do nosso povo e que traz à memória muitas características dos tempos dos nossos avós.

1 de janeiro de 2000

O Cemitério Paroquial


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- Vista parcial do Cemitério Paroquial de Guisande, em fotografia datada de 1966

Conforme se pode verificar, ainda existiam as sebes de bucho a delimitar os quatro canteiros e para além dos jazigos da Casa do Sr. Almeida do Viso, da capela da Casa do Sr. Moreira da Igreja e mais um ou outro jazigo realizados em granito, a maioria das campas eram rasas, em terra, assinaladas com as características lápides de louza. As dificuldades eram outras e, porque não dizê-lo, as vaidades eram menores.

As verdejantes sebes em bucho foram retiradas aquando da pavimentação das zonas de circulação, no ano de 1973.
Também (na zona marcada por círculo vermelho) se pode ver ainda a existência da lápide em granito, encimada por uma cruz que existia na campa do Padre Carvalho, fundador da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Infelizmente, por desmazelo ou por outro motivo, esta lápide foi destruída ou encontra-se desaparecida. Foi um acto imperdoável e que em nada dignifica a freguesia e a respectiva confraria.

A ter em conta as informações constantes na monografia "Defendei Vossas Terras", do nosso ilustre conterrâneo o Cónego Dr. António Ferreira Pinto, o cemitério terá sido edificado no ano de 1910, logo a seguir à construção da residência paroquial (1906/1908) e a Casa dos Mordomos. 
Ainda segundo a mesma fonte, o cemitério seria quadrado com as dimensões de 40 x 40 m, por isso com 1600,00 m3, mas terá errado nas medidas pois na realidade a geometria do cemitério velho corresponde a um rectângulo com as dimensões de 30 x 40 m. 
As obras de construção foram custeadas por ofertas (subscrição) de um grupo de guisandenses, certamente dos mais abastados.

Apesar dessa indicação de data (1910), temos razões para pensar que o local terá começado a ser usado para sepultamentos por volta de 1846 na sequência da proibição de sepultar os mortos dentro dos templos religiosos, o que até aí era prática. Esta medida ocorreu no tempo do Costa Cabral, que a par de outras acções pouco populares, desencadearam a conhecida revolução da Maria da Fonte.

Por conseguinte, até 1910, data em que foram realizadas as obras, presume-se que o cemitério era um espaço amplo constituído por campas razas.
Já só os mais antigos se lembram, mas no cemitério velho, sensivelmente um em cada canto, existiam 4 enormes cedros, tão característicos dos cemitérios antigos, que mais tarde acabaram por ser abatidos.

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- Data inscrita no frontão da entrada do cemitério, que se refere ao ano das obras de vedação

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- Data inscrita na calçada do cemitério, evocando o ano em que foi realizada a pavimentação. Até então os passeios de circulação eram em terra de saibro

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- Vista de sul para norte, abarcando o cemitério novo e o cemitério velho

O cemitério foi ampliado no final dos anos 80, tendo sido benzido e inaugurado pelo Bispo Auxiliar da Dioceso do Porto, D. Manuel Pelino, em 15 de Julho de 1990, depois de ter visitado a freguesia para a aadministração do Sacramento do crisma.
A ampliação foi desenvolvida para sul do cemitério antigo, desenvovendo-se em relação a este com uma cota ligeiramente inferior.
Esta ampliação veio cobrir a necessidade de procura de terreno para campas e jazigos a que o cemitério velho já não correspondia. Tendo em conta o lento crescimento da freguesia, de resto um problema nacional, com o abaixamento da taxa de natalidade, pelo que se prevê que o actual cemitério cubra as necessidades durante pelo menos as próximas duas décadas.

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- Capela da Casa do Sr. Moreira. Belo trabalho em cantaria lavrada, de autoria de um mestre guisandense (Raimundo Fonseca e filhos)

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- Belo conjunto com capela em granito e imagem em mármore. Tal como a capela da Casa do Sr. Moreira, esta capelinha  foi esculpida pelo mestre guisandense (Raimundo José da Fonseca)

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- Vista aérea do Cemitério Paroquial de Guisande. A contorno azul o cemitério velho e a contorno vermelho o cemitério novo

16 de outubro de 2023

Diocese do Porto - I Encontro de Irmandades e Confrarias


Decorreu no Centro Pastoral de Alfena, Valongo, ontem, Domingo, dia 15 de outubro, o I Encontro de Irmandades e Confrarias da Diocese do Porto. Segundo as palavras do bispo do Porto na convocatória dirigida aos participantes, este encontro foi uma oportunidade para “nos conheceremos, nos formarmos e nos incentivarmos mutuamente a prosseguir este caminho belo da participação e responsabilização de algo que está muito no âmago da vida religiosa do nosso povo”, disse D. Manuel Linda.

Durante este evento foi proferida uma conferência sobre “A importância das Confrarias e das Irmandades na Pastoral” a cargo do padre Vítor Ramos, pároco de Rio Tinto, em Gondomar, que no âmbito dos seus estudos de direito canónico, na Universidade Pontifícia de Salamanca aprofundou este tema das Confrarias e Irmandades.

A Confraria e Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, centenária instituição da nossa paróquia de S. Mamede de Guisande (com quase 300 anos), fundada em 1733 pelo abade Manuel de Carvalho, sob a jurisdição dos Dominicanos, também se fez representar com os elementos e confrades Joaquim Santos, António Azevedo Conceição e António Mota.







24 de novembro de 2020

Revendo... [A lápide da sepultura do Padre Manuel Carvalho]

Revendo o apontamento sobre  "A lápide da sepultura do Padre Manuel Carvalho"

Já nos referimos aqui ao Padre Manuel Carvalho, ilustre figura da nossa paróquia de S. Mamede de Guisande, desde logo por ter sido o fundador, no ano de 1933, da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, irmandade que ainda se encontra activa nos dias actuais, embora já sem a pujança de tempos idos.

Quanto às notas biográficas sobre esse ilustre clérigo, para além da referência que na lista de párocos lhe é feita pelo cónego António Ferreira Pinto, na sua monografia sobre Guisande "Defendei Vossas Terras", publicada em 1936, que abaixo se transcreve, pouco mais se sabe para além de que foi pároco de S. Mamede de Guisande em grande parte da primeira metade do séc. XVIII (de 1710 a 1754)

[continuar a ler...]

14 de novembro de 2021

Velho cemitério nos anos 60

 



Já havíamos publicado fotos antigas do cemitério paroquial de Guisande, dos anos 1960, mas a preto/branco. Agora numa versão a cores. Em ambas é possível visualizar a lápide da sepultura do Padre Manuel Carvalho, fundador da secular Confraria da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que por desleixo ou incúria, foi destruída ou desencaminhada, num verdadeiro atentado à história, ao património e  sobretudo à memória de quem tanto se dedicou à paróquia.