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15 de maio de 2020

Rio Inha e outras questões




Num dos meus apontamentos relacionados à freguesia de Guisande, a que designo de "Historiando", já me referi à figura de Pinho Leal Augusto Soares d'Azevedo Barbosa, nomeadamente à referência que faz à nossa freguesia na sua obra "Portugal Antigo e Moderno", de 1873. 

Por outro lado falei da incongruência que o autor fez relativamente à Capela de Santo Ovídio, dando-a como pertencente a Guisande, mas também a Lobão, na descrição que faz sobre esta freguesia vizinha.
Apesar da inegável importância da obra de Pinho Leal, todavia parece estar pontilhada de situações omissas, dúbias e mesmo incorrectas. Não, é, pois, uma obra que se possa consultar como fidedigna e rigorosa, de resto porque já afectada pelos naturais efeitos do tempo decorrido. Continuará certamente a ser uma referência documental e histórica,  mas simultaneamente a carecer das devidas e necessárias ressalvas.

Apesar dessas nítidas imprecisões, ou mesmo incorrecções, parece que não falta por aí quem transcreva partes da obra de Pinho Leal e as dê como fidedignas, numa aparente falta de confirmação, histórica nuns casos e geográfica noutros.

Para além da referida incongruência quanto à Capela de Santo Ovídio, atentos à descrição que na sua mesma obra faz do nosso mais ou menos conhecido rio Inha (um dos principais cursos de água do nosso município), são também diversas as patacoadas do autor, de certo modo mais surpreendentes porque chegou a ter residência durante alguns anos no lugar do Carvalhal, freguesia de Romariz, portanto bem próximo da zona por onde nasce, corre e desagua. Pela proximidade deste elemento geográfico tinha o dever de conhecer melhor, ou pelo menos não cometer os erros que cometeu.

Pinho Leal descreveu o rio Inha, afluente do rio Douro, nos seguintes termos, a páginas 394 do Volume III: “Tem seu nascimento n’uns pequenos arroyos que vem do Monte do Castêllo, freguezia de Escariz, concelho de Arouca. Passa próximo a Cabeçaes (ao O.), regando as freguezias de Escariz, Fermedo, Romariz, Valle, Louredo, Gião e Canedo (sendo a primeira, segunda e quinta do concelho de Arouca e as mais do da Feira, e fazendo nas duas ultimas trabalhar fabricas de papel). 

Desagua na esquerda do Douro, no sítio da Foz do Inha, a 1 km abaixo de Pé de Moura, e a 24 km a E. do Porto. Tem 18 km de curso. Faz mover muitos moinhos, e traz algum peixe, miúdo mas muito saboroso, em razão de correr arrebatado por entre pedras. Tem algumas pontes de pau e uma boa de pedra, no Cascão. 

Dá-se n’este rio uma singularidade. Logo abaixo da tal ponte do Cascão (que é próximo da aldeia de S. Vicente de Louredo) é a fábrica de papel da Lagem. A margem esquerda é da freguezia de Gião, concelho da Feira, e a direita é da de Louredo, concelho de Arouca, e, como a maior parte do edifício da fábrica está construído sobre o rio (que é muito estreito) pode um indivíduo (ou uns poucos, estando em linha) estar de pé no meio de uma sala, e ter metade do corpo na comarca da Feira e a outra metade na comarca de Arouca. (…). O Inha recebe vários ribeiros, por uma e outra margem.” .

Como a seguir procurarei esclarecer, nesta descrição do Rio Inha, Pinho Leal tem várias imprecisões ou mesmo erros crassos.

De resto, pesquisando na Internet pelas referências a este curso de água, afluente pela margem esquerda do rio Douro, são mais que muitas as imprecisões a seu respeito, e que se repetem e replicam mesmo em sítios que pela sua relevância deveriam ter mais algum cuidado e rigor na informação prestada, sobretudo no que concerne ao local onde o Inha nasce bem como quanto às freguesias por onde passa ou corre.

De facto, repetidamente é referido que o rio Inha nasce na freguesia de Escariz, concelho de Arouca, o que é correcto, mas de forma generalizada que no lugar de Cimo da Inha, o que é incorrecto. Este lugar existe na freguesia de Escariz, mas na realidade o Inha junta-se umas centenas de metros mais a montante, reunindo os arroios ou nascentes da encosta poente do monte do Castêlo (formação que se localiza entre o lugar da Abelheira-Escariz e a freguesia de Mansores, mas também conhecido por Monte da  Abelheira.

Neste aspecto particular da origem da nascente, o atrás referido Pinho Leal, fez a descrição certa porque na realidade o rio Inha forma-se a partir de pelo menos três principais linhas de água que escorrem da encosta nascente do referido monte; Uma mais a norte, que desce de perto da Capela de Nossa Senhora da Conceição da Abelheira e corre pelo lugar de Alvite de Cima, outra mais a sul, no lugar da Gestosa, próxima do Restaurante "Relvas" e uma terceira ainda mais a sul, que vem das imediações do alto do lugar das Alagoas e que passa pelo lugar de Alvite de Baixo e que se junta ao trecho formado pelas duas primeiras um pouco abaixo da igreja matriz de Escariz, próximo dos lugares da Leira e Outeiro dessa freguesia. Daqui para baixo, está formado o Rio Inha, o qual naturalmente vai engrossando com os seus pequenos ou médios afluentes em ambas as margens, até que desagua no rio Douro, entre as freguesias de Canedo-Santa Maria da Feira e Lomba-Gondomar, entre as fozes do rio Arda, a nascente e a do rio Uíma, a poente.

O rio Inha é indicado como tendo um comprimento de aproximadamente 18 Km, com orientação predominante de sul para norte. No seu curso superior, tem uma orientação de nascente para poente mas junto à ponte no lugar do Londral muda de orientação de sul para norte, que praticamente mantém até à foz.

Para além da freguesia de Escariz, concelho de Arouca, onde nasce, passa por territórios ou serve de fronteira nas freguesias de Fermedo (zona a poente dos lugares de  Cabeçais e Mascotes), Romariz (lugares de Carvalhal e Reguenga), Louredo (no limite com a freguesia do Vale, nos lugares de Santa Ovaia e Mouta e ainda no limite entre Parada-Louredo e Vale), Vale (lugares de Oliveira, Cedofeita, Póvoa, Pena, Pessegueiro e Serralva), Canedo e Lomba-Gondomar onde entre estas ali desagua no Rio Douro. O troço final do rio Inha é relativamente amplo pois beneficia do efeito da albufeira da barragem de Crestuma-Lever. 

Os principais afluentes do rio Inha são pela margem esquerda a ribeira da Mota (que nasce em Guisande na encosta poente do monte de Mó), a ribeira de Tozeiro, e pela margem direita, o rio Amieira, ou ribeira da Lavandeira, que drena todo o vale de Fermedo e ainda o ribeiro de Mourão que drena encostas da serra do Camouco entre Rebordelo - Canedo e Vizo - S. Miguel do Mato.

Este atrás referido rio Amieira não está devidamente referenciado, sendo que num ou noutro elemento aparece relacionado ao troço que capta as águas das vertentes da serra do Camouco e serra de Parada, dos lugares de Rebordelo a norte, Vizo e Covelas a nascente e Parada, Belece e Mosteirô a sul.

Na minha modesta opinião, o seu troço principal, porque o mais comprido e com maior caudal, é aquele que nasce a sul  captando as águas das vertentes a norte do monte Coruto e atravessa todo o vale da freguesia de Fermedo, passando ainda um pouco a nascente da igreja matriz de S. Miguel do Mato prosseguindo o seu curso para norte em vale encravado, contornando pelo nascente o lugar de Parada-Louredo e então depois reunido-se e engrossando com as águas dos lugares de Rebordelo, Vizo e Belece..
O Amieira encontra-se com o Inha um pouco a sul da ponte que o atravessa na estrada que liga os lugares de Pessegueiro-Vale a Rebordelo-Canedo, conhecida como ponte da Carvalhosa.
Este rio Amieira em Fermedo é conhecido por rio ou ribeira da Lavandeira.

Regressando à descrição de Pinho Leal sobre o rio Inha, foi asneira da grossa dizer que o mesmo passava por território da freguesia de Gião e que tinha uma ponte do Cascão, junto à fábrica de papel da Lage (Lagem), contando até uma "singularidade" a esse propósito.

Ora, Pinho Leal confundiu aqui grosseiramente o rio Inha com a ribeira da Mota. A ribeira da Mota, essa sim, divide território de Louredo e Gião e junto à antiga fábrica de papel tem a conhecida ponte do Cascão que integra a Estrada Nacional 326. É um erro crasso, ainda, porque a ribeira da Mota só encontra o rio Inha já na freguesia de Canedo, a nascente do lugar do Louzado-Canedo e entre os lugares da Inha-Canedo, a norte, e Serralva-Vale, a sul.

O que espanta nisto, é que alguns "autores" da actualidade insistam em citar e divulgar asneiras e  assimilar dados pouco ou nada rigorosos, só porque se entende que citar uma fonte antiga dá ares de coisa importante.

Nunca é tarde para corrigir o que se apresenta como errado, até porque sabemos que tendencialmente uma mentira ou uma asneira contada muitas vezes pode passar a ser considerada como verdade.

5 de janeiro de 2000

Cónego Dr. António Ferreira Pinto

Conego


Nasceu em 02 de Junho de 1871, no lugar de Casaldaça, freguesia de Guisande. Filho primogénito de Joaquim Caetano Pinto e Ana Rosa Duarte. Foi baptizado na igreja matriz de Guisande em 7 de Junho de 1871 pelo então pároco Abade Manuel Ferreira Pinto. Foram padrinhos o então pároco de S. Miguel do Mato - Arouca, Abade António Ferreira Duarte (1) e Margarida Gomes.
Era neto paterno de Manuel Caetano Pinto e de Joana Maria de Jesus e neto materno de Manuel Ferreira Duarte e Joana Margarida Soares

Faleceu em 08 de Abril de 1949. Está sepultado em jazigo de família no cemitério de Guisande.

Nota: (1) - - O Abade António Ferreira Duarte, que foi pároco de S. Miguel do Mato - Arouca,  nasceu no Vale, lugar de  Cedofeita, no dia 30 de Março de 1838. Filho do sargento Manuel Ferreiro Duarte e de Joana Margarida Soares. Foi capelão em S. Vicente de Louredo e durante vários anos celebrou missa em Santo André de Gião - Vila da Feira. Dizem que foi dele a autoria da abertura da estrada do lugar da Granja - Vale,  a S. Vicente de Louredo. Faleceu no dia 8 de Agosto de 1909.

Arcediago da Sé do Porto. Dedicou grande parte da sua vida ao Seminário do Porto. Foi nomeado Vice-Reitor em 1906 e mais tarde Reitor, cargo que desempenhou até ao fim da sua vida.
Professor muito competente, com 50 anos de aturado esforço intelectual e didáctico, deixou uma vastíssima obra entre os quais avultam “Lições de Teologia Pastoral e Eloquência Sagrada “, “Memória histórica do Seminário do Porto, “In Memoriam do Bispo D. António Barroso”, entre outras. Em 1936 publica a Monografia de Guisande “Defendei as vossas terras”. Trabalho de investigador, colhido paciente e demoradamente, as páginas deste livro representam o amor de quem escreveu pela sua terra. Este trabalho, devido à sua importância para a freguesia, foi reeditado pela Junta de Freguesia de Guisande em 1999, aquando do cinquentenário da sua morte.
 
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No centenário do nascimento do Dr. Ferreira Pinto.
( M. Álvaro V. de Madureira )

Este homem granítico bem podia ter sido arrancado ao arcabouço de uma serra arcaica. Mas, não. Nasceu, há 100 anos, a 2 de Julho de 1871, perto da Vila da Feira, em S. Mamede de Guisande, nessa terrinha pachorrenta “situada em terreno muito acidentado, mas abundante de boas águas e muito fértil nos seus pequenos vales”, consoante diz Pinho Leal. O povo era simples e crendeiro, nesse tempo, como se deduz de uma anotação do mesmo autor: quem tivesse “padecimento nos ouvidos” furtava uma telha e ia “levá-la de presente” à capela de Santo Ovídeo… “Óptimo remédio”, “Medicamento muito experimentado e aproveitado pela gente da terra da Feira”…Naquele tempo…

Formado em Teologia pela Universidade de Coimbra, foi nomeado professor do Seminário Maior do Porto em 1897, vice-reitor em 1906, e reitor em 1929. Em 1947 a Diocese prestou-lhe solene homenagem, pelos 50 anos do Magistério. Durou a sua longa vice-reitoria 23 anos, e a sua reitoria 20 anos. O Seminário Maior do Porto esteve, pois, na primeira metade do sec. XX, confiado às suas mãos. O clero diocesano ficou bastante marcado pela sua personalidade. Ainda teria sido mais profunda a influência, se fosse maior a compreensão, mas ele não teve a graça de sofrer cedo na vida: começou a sofrer tarde de mais.

Porém não se pense que tinha propriamente uma pedra no lugar do coração. Vi chorar um dia…e ele não sabia fingir pela saída do seu vice-reitor, Dr. Sebastião Soares de Resende, para a costa de África.
Disciplinado e disciplinador, levantava-se muito cedo e não se deitava muito tarde. De hábitos severos, não suportava faltas de ordem nem de limpeza, na casa ou nas pessoas. Não tolerava manchas nem desalinho. Passava periodicamente revista aos alunos, ao vestuário, ao cabelo, às unhas…Naquele tempo os súbditos eram muito resistentes: aguentavam todas essas provas…

Implacável contra os atrasados, contra os “canguinhas”, como ele dizia, tinha o admirável culto inglês da pontualidade. Claro exagero para os latinos que usam horas elásticas: o relógio que também espere.
Não contemporizava com os desorganizados, que desorganizam a vida de toda a gente.
Para impor a sua disciplina militar, estava muito presente aos actos de comunidade e à vida de toda a casa. Renan dizia de Mons. Dupanloup que “cada um dos 200 alunos tinha lugar distinto no seu pensamento”. O chefe deve ser, de certo modo, omnipresente, mas como a cabeça que, sem sair do seu lugar, está em todo o corpo pelos fios do comando, sem absorção nem atropelos. É muito difícil esta omnipresença que não absorve nem atropela. Não me atrevo a dizer que o Dr. Ferreira Pinto o tenha realizado: era um general à moda antiga.

Modelo de coragem, de energia, de trabalho, manifestou um singular estoicismo em 1911, quando foi assaltado o Seminário e, pouco depois, levados por ordem das autoridades cerca de 100 mobílias completas dos quartos dos alunos: “Paciência ! Deixemos as lamentações que para nada servem”. Realmente entendeu bem que a vida é uma luta permanente, que a cada passo importa recomeçar.
Outra característica da sua pessoa e da sua orientação era o apego às coisas do passado. Lá permaneceram, durante a sua vida, na parte velha da casa as minúsculas janelas seculares e, “no claustro”, as tristes lousas cinzentas e a melancólica palmeira…Era, todavia, uma apego por vezes excessivo. Todos os seus discípulos se lembram do seu entusiasmo pelas botas de elástico e da sua relutância em instalar telefone no Seminário. Pelas alturas de um ciclone que assolou a cidade e o País, mandou alguém fora a telefonar aos bombeiros. Só depois disso, lentamente, se foi convencendo dessa necessidade. Era preciso um ciclone para lhe abalar as ideias…
Cada qual vive e serve a seu modo.
No centenário do seu nascimento, queremos prestar sincera homenagem a esta grande figura da Diocese do Porto, que procurou sempre bem servir.
 
Notas de direcção:
Como também acontece com todas as grandes figuras, não é consensual a importância intrínseca que o Cónego António Ferreira Pinto  representou em vida ou representa no presente para a sua freguesia natal, havendo quem considere que no seu tempo foi, para com a Guisande, uma figura ausente e que pouco ou nada contribuiu para o seu progresso não lhe sendo conhecidas obras ou legados patrimoniais para além da pequena monografia.
 
Sob um ponto de vista objectivo, é inquestionável  a importância e relevância desta figura natural da freguesia de Guisande, e daí constar merecidamente nas páginas deste humilde espaço. Porventura reconhece-se que a sua vida, a sua obra e a sua acção estão por razões óbvias mais ligadas à Igreja portuense e nesta ao seu papel enquanto reitor do Seminário Maior, do que propriamente à sua humilde terra natal. Todavia, que mais não seja, esta tem que lhe estar grata tanto pela notoriedade emprestada, e que a deve orgulhar,  mas sobretudo pelo legado da monografia “Defendei Vossas Terras”, que publicou em 1936.
 
Relativamente à importância da monografia, ela é inquestionável porque comporta o resultado de aturado trabalho de pesquisa e investigação. Todavia, reconhece-se que está mais aprofundada nos aspectos ligados à relação com a Igreja, incluindo a importante lista de párocos/sacerdotes e visitas pastorais à paróquia.  Quanto a outros aspectos que habitualmente compõem uma monografia sobre uma determinada terra, e tomando como bom exemplo a monografia sobre a freguesia de Romariz, do padre Manuel Fernandes dos Santos, ou mesmo a dedicada ao lugar de Duas Igrejas da mesma freguesia de Romariz, de autoria do padre Castro, ela é básica e pouco ou nada acrescenta sobre os aspectos geográficos, etnográficos, sociais e culturais da freguesia. Seja como for, mesmo na sua forma abreviada, a monografia “Defendei Vossas Terras” é um elemento importante e que nos ajuda a situar a freguesia e paróquia de Guisande no seu contexto temporal.

Certidão de baptismo de António Ferreira Pinto