5 de janeiro de 2000

Cónego Dr. António Ferreira Pinto

Conego


Nasceu em 02 de Junho de 1871, no lugar de Casaldaça, freguesia de Guisande. Filho primogénito de Joaquim Caetano Pinto e Ana Rosa Duarte. Foi baptizado na igreja matriz de Guisande em 7 de Junho de 1871 pelo então pároco Abade Manuel Ferreira Pinto. Foram padrinhos o então pároco de S. Miguel do Mato - Arouca, Abade António Ferreira Duarte (1) e Margarida Gomes.
Era neto paterno de Manuel Caetano Pinto e de Joaquina Maria de Jesus e neto materno de Manuel Ferreira Duarte e Joana Margarida Gomes.

Faleceu em 08 de Abril de 1949. Está sepultado em jazigo de família no cemitério de Guisande.

Nota: (1) - - O Abade António Ferreira Duarte, que foi pároco de S. Miguel do Mato - Arouca,  nasceu no Vale, lugar de  Cedofeita, no dia 30 de Março de 1838. Filho do sargento Manuel Ferreiro Duarte e de Joana Margarida Soares. Foi capelão em S. Vicente de Louredo e durante vários anos celebrou missa em Santo André de Gião - Vila da Feira. Dizem que foi dele a autoria da abertura da estrada do lugar da Granja - Vale,  a S. Vicente de Louredo. Faleceu no dia 8 de Agosto de 1909.

Arcediago da Sé do Porto. Dedicou grande parte da sua vida ao Seminário do Porto. Foi nomeado Vice-Reitor em 1906 e mais tarde Reitor, cargo que desempenhou até ao fim da sua vida.
Professor muito competente, com 50 anos de aturado esforço intelectual e didáctico, deixou uma vastíssima obra entre os quais avultam “Lições de Teologia Pastoral e Eloquência Sagrada “, “Memória histórica do Seminário do Porto, “In Memoriam do Bispo D. António Barroso”, entre outras. Em 1936 publica a Monografia de Guisande “Defendei as vossas terras”. Trabalho de investigador, colhido paciente e demoradamente, as páginas deste livro representam o amor de quem escreveu pela sua terra. Este trabalho, devido à sua importância para a freguesia, foi reeditado pela Junta de Freguesia de Guisande em 1999, aquando do cinquentenário da sua morte.
 
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No centenário do nascimento do Dr. Ferreira Pinto.
( M. Álvaro V. de Madureira )

Este homem granítico bem podia ter sido arrancado ao arcabouço de uma serra arcaica. Mas, não. Nasceu, há 100 anos, a 2 de Julho de 1871, perto da Vila da Feira, em S. Mamede de Guisande, nessa terrinha pachorrenta “situada em terreno muito acidentado, mas abundante de boas águas e muito fértil nos seus pequenos vales”, consoante diz Pinho Leal. O povo era simples e crendeiro, nesse tempo, como se deduz de uma anotação do mesmo autor: quem tivesse “padecimento nos ouvidos” furtava uma telha e ia “levá-la de presente” à capela de Santo Ovídeo… “Óptimo remédio”, “Medicamento muito experimentado e aproveitado pela gente da terra da Feira”…Naquele tempo…

Formado em Teologia pela Universidade de Coimbra, foi nomeado professor do Seminário Maior do Porto em 1897, vice-reitor em 1906, e reitor em 1929. Em 1947 a Diocese prestou-lhe solene homenagem, pelos 50 anos do Magistério. Durou a sua longa vice-reitoria 23 anos, e a sua reitoria 20 anos. O Seminário Maior do Porto esteve, pois, na primeira metade do sec. XX, confiado às suas mãos. O clero diocesano ficou bastante marcado pela sua personalidade. Ainda teria sido mais profunda a influência, se fosse maior a compreensão, mas ele não teve a graça de sofrer cedo na vida: começou a sofrer tarde de mais.

Porém não se pense que tinha propriamente uma pedra no lugar do coração. Vi chorar um dia…e ele não sabia fingir pela saída do seu vice-reitor, Dr. Sebastião Soares de Resende, para a costa de África.
Disciplinado e disciplinador, levantava-se muito cedo e não se deitava muito tarde. De hábitos severos, não suportava faltas de ordem nem de limpeza, na casa ou nas pessoas. Não tolerava manchas nem desalinho. Passava periodicamente revista aos alunos, ao vestuário, ao cabelo, às unhas…Naquele tempo os súbditos eram muito resistentes: aguentavam todas essas provas…

Implacável contra os atrasados, contra os “canguinhas”, como ele dizia, tinha o admirável culto inglês da pontualidade. Claro exagero para os latinos que usam horas elásticas: o relógio que também espere.
Não contemporizava com os desorganizados, que desorganizam a vida de toda a gente.
Para impor a sua disciplina militar, estava muito presente aos actos de comunidade e à vida de toda a casa. Renan dizia de Mons. Dupanloup que “cada um dos 200 alunos tinha lugar distinto no seu pensamento”. O chefe deve ser, de certo modo, omnipresente, mas como a cabeça que, sem sair do seu lugar, está em todo o corpo pelos fios do comando, sem absorção nem atropelos. É muito difícil esta omnipresença que não absorve nem atropela. Não me atrevo a dizer que o Dr. Ferreira Pinto o tenha realizado: era um general à moda antiga.

Modelo de coragem, de energia, de trabalho, manifestou um singular estoicismo em 1911, quando foi assaltado o Seminário e, pouco depois, levados por ordem das autoridades cerca de 100 mobílias completas dos quartos dos alunos: “Paciência ! Deixemos as lamentações que para nada servem”. Realmente entendeu bem que a vida é uma luta permanente, que a cada passo importa recomeçar.
Outra característica da sua pessoa e da sua orientação era o apego às coisas do passado. Lá permaneceram, durante a sua vida, na parte velha da casa as minúsculas janelas seculares e, “no claustro”, as tristes lousas cinzentas e a melancólica palmeira…Era, todavia, uma apego por vezes excessivo. Todos os seus discípulos se lembram do seu entusiasmo pelas botas de elástico e da sua relutância em instalar telefone no Seminário. Pelas alturas de um ciclone que assolou a cidade e o País, mandou alguém fora a telefonar aos bombeiros. Só depois disso, lentamente, se foi convencendo dessa necessidade. Era preciso um ciclone para lhe abalar as ideias…
Cada qual vive e serve a seu modo.
No centenário do seu nascimento, queremos prestar sincera homenagem a esta grande figura da Diocese do Porto, que procurou sempre bem servir.
 
Notas de direcção:
Como também acontece com todas as grandes figuras, não é consensual a importância intrínseca que o Cónego António Ferreira Pinto  representou em vida ou representa no presente para a sua freguesia natal, havendo quem considere que no seu tempo foi, para com a Guisande, uma figura ausente e que pouco ou nada contribuiu para o seu progresso não lhe sendo conhecidas obras ou legados patrimoniais para além da pequena monografia.
 
Sob um ponto de vista objectivo, é inquestionável  a importância e relevância desta figura natural da freguesia de Guisande, e daí constar merecidamente nas páginas deste humilde espaço. Porventura reconhece-se que a sua vida, a sua obra e a sua acção estão por razões óbvias mais ligadas à Igreja portuense e nesta ao seu papel enquanto reitor do Seminário Maior, do que propriamente à sua humilde terra natal. Todavia, que mais não seja, esta tem que lhe estar grata tanto pela notoriedade emprestada, e que a deve orgulhar,  mas sobretudo pelo legado da monografia “Defendei Vossas Terras”, que publicou em 1936.
 
Relativamente à importância da monografia, ela é inquestionável porque comporta o resultado de aturado trabalho de pesquisa e investigação. Todavia, reconhece-se que está mais aprofundada nos aspectos ligados à relação com a Igreja, incluindo a importante lista de párocos/sacerdotes e visitas pastorais à paróquia.  Quanto a outros aspectos que habitualmente compõem uma monografia sobre uma determinada terra, e tomando como bom exemplo a monografia sobre a freguesia de Romariz, do padre Manuel Fernandes dos Santos, ou mesmo a dedicada ao lugar de Duas Igrejas da mesma freguesia de Romariz, de autoria do padre Castro, ela é básica e pouco ou nada acrescenta sobre os aspectos geográficos, etnográficos, sociais e culturais da freguesia. Seja como for, mesmo na sua forma abreviada, a monografia “Defendei Vossas Terras” é um elemento importante e que nos ajuda a situar a freguesia e paróquia de Guisande no seu contexto temporal.