19 de novembro de 2022

Broas da mesma fornada

Creio que o meu primeiro livro "Palavras Floridas", não foi mais que, até a propósito do nome, um despretensioso ramalhete de alguns poemas, mesmo simples quadras, que se envergonhariam na sombra das de um popular Aleixo, acrescentado com alguns textos e destes um ou outro a que me atrevi a equiparar a contos.

Seja como for, mesmo destinado exclusivamente a oferta, e por isso com todo o prejuízo inerente, em dinheiro e em tempo despendido, deu-me uma enorme satisfação publicá-lo e oferecê-lo, de resto num processo que ainda não concluí, já que amigos tenho que ainda não se proporcionou a oferta. E vou ter que reimprimir mais porque continuam a pedi-lo.

Apesar desse efectivo prejuízo, se olhado pela estreita janela que se abre para um horizonte onde o brilho do vil metal é mais esplendoroso do que o do astro rei, a verdade é que tenho recebido avantajada compensa no positivismo das boas reacções e delas algumas questões interessantes e reveladoras desse interesse. 

De facto têm sido vários os que alvoroçados com o formigueiro da curiosidade querem que lhes levante a ponta do véu que cobrem as personagens, como o Hipólito, o Júlio, Julião, o Ti Jacinto, o Anjos, os Loureiros, o Abel, e outros mais nomes que polvilham esses textos.

Creio que, no fundo da questão, os que me têm desafiado a isso até já saberão a resposta, não porque realmente a saibam e nem a poderiam saber, porque a base é mesmo ficcional, mas porque as linhas que tecem as suas diferentes personalidades são as mesmas que tecem as de toda a gente. 

No fundo todos nós estamos ali representados. Com maior ou menor dose satírica ou grau de ironia, a massa que nos molda tem a mesma composição, porventura com mais ou menos sal. Mas quem já viu, como eu vi dezenas de vezes a minha mãe, a amassar o pão para a fornada semanal, as broas que  se  moldam na masseira são da mesma massa, da mesma mistura e levedadas com o mesmo “crescente”, embora umas destinadas a grandes e outras a pequenas. Eram depois submetidas ao mesmo suplício do calor curador. Mas logo mais, quando resgatadas daquela antro infernal, e já dispostas a fumegar na larga mesa, cada broa era diferente, não no sabor nem na textura do miolo, mas seguramente na sua crosta, na sua côdea, como impressões digitais iniguais. 

Em resumo, somos todos iguais broas da mesma massa humana de cada fornada, mas todos diferentes porque sujeitos a variantes de natureza tão subjectiva quanto imensurável. 

Continuando com a analogia do pão, diferenciam-nos as mãos da amassadora, a natureza e qualidade do sal, da água, do fermento,  a temperatura do forno, o tipo de lenha usada, o tempo de cozedura e, até, o amor com que todo esse processo, mesmo ciclo, foi realizado, desde a primordial preparação da terra para o lançamento das sementes de milho, trigo ou centeio, até ao momento de levar à boca um naco desse pão.

É dessas pessoas, feitas com essa massa comum e simultaneamente diferenciada, a massa humana, que procurei dar alguma vida e sentido dela nas personagens que povoam esse meu simples livro. Por isso, não se apoquentem a saber respostas porque elas são, afinal, bem simples, ou nem por isso.

Do que a casa gasta

Quando os telejornais, incluindo o da televisão dita de serviço público, abrem com o assunto da entrevista do Cristiano Ronaldo e lhe dão largos minutos de atenção, o mesmo acontecendo com os jornais a ocuparem páginas, diz muito do tipo de sociedade em que vamos navegando.

Mas há, naturalmente, quem salive por este tipo de assuntos. O acessório e o privado como fundamental. Os média, como boas moscas, vão atrás da coisa enquanto fumega de fresca.

17 de novembro de 2022

Rio Uima







Velho e sempre novo rio Uíma

De lágrimas frescas do monte,

Num misto de alegria e mágoa,

Correndo sereno, todo encanto.

Das fraldas do Mó, logo acima,

Brota num bolhão dito de fonte

E nem sabemos se feito de água

Ou, tão somente, rio de pranto.


Rio Uíma, antigo e velho Uma

Vais sem pressa, sem fulgores,

A saciar amieiros e carvalhos

A tecer com fio de prata e ouro.

De Duas Igrejas até Crestuma,

Seja lá mais por onde fores,

Segues o caminho, sem atalhos,

Ao encontro materno do Douro.

15 de novembro de 2022

Em inglês dá outra pinta - Parolismos


Eu não sei por que carga de água, talvez por provincianismo, para não dizer parolismo, insistimos em dar nomes ou designações em inglês às coisas só nossas. Até compreendo esta falta de amor próprio numa perspectiva de eventos ou negócios em muito virados para o turismo estrangeiro, em que há uma intenção de internacionalizar, de informar, mas já extender isso a coisas objectivamente portuguesas, comuns e para consumo próprio, é mesmo algo intrigante para não o adjectivar de outra forma.

Veja-se, no caso de eventos desportivos, nomeadamentes corridas agora ditas de runnings e trails e que são mais que as mães, no que parece, pelas muitas que são pagas, evidenciar ser um negócio interessante.

"Bio Run", "Xmas Trail", "Urban Run", "Last Man Standing", "Pisão Extreme", "Atlantic Clifs Adventure", "Trail Running Vila de Nisa", "Urban Trail Night Eurocidade" - Valença, "Mâmoa River Trail", "Noctis Trail", "Leiria X-Mas", "Vulcan Trail", "Lousa Mountain Trail", "Linhas de Torres Challenge","Peninha Sky Race", "Trail of Road", "Wine Trail", "Extrem Trail", "Night Trail", "Trail Summer Chalenge", "OCR Fireman Sernancelhe", "Louza Sky Race", "Dark Side Night Trail", "Cork Trail Running", "Viana Race" e muitas, muitas outras.

Mas como nem tudo está perdido, ainda há provas que têm a designação tão portuguesa, tão nossa, de "corrida", "corta-mato", "trilhos", "maratona" e "caminhada".

Posto isto, inglês é que é e dá outra pinta à coisa. Correr uma corrida ou simplesmente fazer uma caminhada é coisa de atrasados.

Mas, claro está, a coisa, o excessivo e mesmo despropositado uso de inglesismos é extensível e muitas outras actividades e sectores. Mas fiquemos por aqui como amostra.

14 de novembro de 2022

Dilema



Pensou com seus dourados botões

A bela fidalga Dona Ana Maria:

-Quero casar, ter filhos varões

Que perpetuem minha fidalguia.


- Neste dilema profundo fico

Entre D. Gil, glamoroso nobre,

Feiote mas poderoso de rico

Ou então Antão, bonito e pobre


Quem deles escolher p´ra casar

Com tão ilustre e fina donzela,

Se ao amor ou estatuto atentar?

Decisão ingrata de tal chancela.


- Sobra tempo e não tenho pressa!

Adiou a setença.- Fica pra depois!

Um dia, decidida, à coisa regressa

Resolvendo assim: - Fico c´os dois!

13 de novembro de 2022

O tempo e o vento


O vento é vento,
Contratempo  da brisa 
Alterada;
O tempo é tempo,
Sentimento que pisa
A passada.

O tempo é o vento
A soprar
Enfurecido, em ronco
Ou em murmúrio apenas;
Ora a derrubar o tronco,
Ora a afagar penas.

O tempo e o vento
São a alma a esvair
Num despreendimento
Total da vida,
Como um abraço lento,
Na calma a resumir
O descontentamento
Da despedida.

A.Almeida - 13112022

Ilusão



De quem é o olhar que te espreita,

A boca que te sorri e beija,

As mãos que o cabelo te ajeita?


E quem o teu corpo macio deseja?


Serei eu? Mereço-te?

Quero manter a ilusão,

De que me queres a mim.

Mas se não, peço-te,

Não me digas que não,

Mesmo que não digas que sim.