1 de janeiro de 2000

Jornal "O Mês de Guisande" - Apontamentos

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Estávamos no ano de 1981 quando alguns jovens da freguesia, concretamente Rui Giro e Américo Almeida, então elementos do Grupo de Jovens de Guisande, um grupo da esfera da paróquia, tiveram a ideia de criar um pequeno jornal que pudesse levar à freguesia e aos emigrantes as notícias, informações e opiniões sobre a sua terra. Seria assim um jornal formativo e informativo. Teria periodicidade mensal. A escolha do título do jornal considerado como da juventude de Guisande, recaíu na opção o "O Mês de Guisande", de um leque de outros nomes sugeridos, tais como "A Voz de Guisande", "O Informativo", "O Correio de Guisande", "Ecos de Guisande", "O Guisandense" e "Notícias de Guisande".

Com o entusiasmo da ideia, colocaram-se logo as necessidades inerentes: Por um lado uma instalação  condigna onde funcionaria a redacção e os meios e equipamentos para elaborar e imprimir o jornal. Quanto ao local resolveu-se facilmente pois a redacção ocupou uma casa então devoluta, localizada no largo de Casaldaça, propriedade do avô de Rui Giro, o Sr. Domingos Azevedo, que assim apoiou a iniciativa.

Quanto ao equipamento necessário, numa altura em que os computadores davam os primeiros passos e eram um luxo, a coisa resolveu-se com uma simples máquina de escrever mecânica e um duplicador para a impressão, ambos emprestados pelo Sr. Domingos da Conceição Lopes, do lugar da Gândara, que foi desse modo e desde a primeira hora um dos grandes apoiantes da iniciativa. Sem esses dois apoios, curiosamente de dois Domingos, teria sido difícil fazer singrar a ideia dos jovens.


Vista da casa onde funcionou a sede do jornal "O Mês de Guisande" - Largo de Casaldaça

Um duplicador, embora com o mesmo objectivo de uma fotocopiadora, na realidade era um elemento de impressão, com um sistema rotativo, já que obrigava à utilização de uma matriz ou molde com o original, em concreto uma película chamada stencil. Este stencil era constituído por um papel especial o qual introduzido na máquina de escrever permitia ser parcialmente perfurado pelos caracteres metálicos, o que depois de encaixado no duplicador permitia passar a tinta pelos orifícios e assim obter uma cópia. Para além do texto, com algum cuidado e engenho, utilizando estiletes metálicos era possível também gravar alguns desenhos, mesmo que pouco elaborados, sob pena de danificar o stencil.

A tinta, com base de álcool, para ajudar a secar rapidamente, era adquirida em grossos tubos dos quais se injectava num cilindro rotativo de base porosa que absorvia a tinta. Depois era girar a manivela manualmente com uma velocidade adequada. A força centrífuga e a pressão do rolo com o papel impelia a tinta através da matriz e assim obtinha-se cada cópia. Para imprimir no lado oposto, era necessário deixar secar as folhas impressas num dos lados e voltar a introduzir a nova matriz e voltar a repetir o processo.

Por conseguinte, era um processo de cópia relativamente barato mas de baixa qualidade e a exigir algum esforço e habilidade em todo o processo.
Este tipo de equipamento de reprodução de cópias tornou-se muito popular e acessível nos anos 70, nomeadamente no período pós revolução do 25 de Abril de 1974 permitindo aos partidos e organizações sindicais e políticas imprimir em grandes quantidades e a baixo custo os seus panfletos de propaganda. Também eram muito utilizados em empresas que necessitavam de formulários e outros documentos.


Uma máquina de escrever mecânica, semelhante à primeira utilizada na elaboração das matrizes.



A máquina de escrever eléctrica, usada na maquetagem das edições anteriores à introdução do computador.

Uma vez reunidas as condições, como a instalação da redacção e os equipamentos básicos, o primeiro número do jornal, em formato A5 (A4 dobrado) foi impresso em Agosto de 1981. Terão sido impressos 500 exemplares com o preço de capa de 10 escudos. Foram vendidos porta-a-porta. Apesar do aspecto ainda rudimentar a verdade é que pela originalidade teve uma boa aceitação por parte da população da freguesia e a partir daí foram angariadas assinaturas cujo número foi sendo sempre aumentando. Desde 1981 até ao fim da primeira série, em 1994, muitos assinantes mantiveram-se fiéis, incluindo vários emigrantes em diferentes locais no mundo, como França, Suiça, Brasil e África do Sul.

Ao fim de alguns longos meses e já com a ideia e o jornal cimentados, tornou-se necessário adquirir equipamento próprio pelo que assim, com os primeiros dinheiros da venda do jornal, de alguma publicidade e ainda de uma campanha de angariação de fundos junto dos assinantes e população em geral, em Abril de 1987 a equipa responsável, com Rui Giro como Director e Américo Almeida como Chefe de Redacção, mesmo que com algum dinheiro adiantado a título de empréstimo pelo Sr. Domingos Azevedo, adquiriu um duplicador semelhante ao emprestado pelo Sr. Domingos Lopes mas mais moderno e com rotação eléctrica automática, pelo que se dispensava o accionamento manual da manivela, o que, todavia, também era ainda possível fazer em caso de falta de electricidade. Também se adquiriu uma máquina de escrever. Por conseguinte, com os novos equipamentos, embora com os processo de preparação e impressão semelhantes, a qualidade gráfica do jornal subiu um pouco.



O duplicador Gestetner usado para muitas das edições do jornal "O Mês de Guisande" - Infelizmente a precisar de limpeza e de um melhor local de conservação



Acima as caixas dos stencis usados nas primeiras edições do jornal "O Mês de Guisande" . Marcas da Gestetner e Kores.

No ano de 1985, por isso quatro anos depois do arranque do jornal "O Mês de Guisande", pretendia-se que a sua distribuição beneficiasse do porte-pago, um apoio do Estado, o que permitia a sua distribuição pelos correios sem custos. Para tal o jornal teve que se integrar numa associação e dessa necessidade foi fundada a ACJG - Associação Cultural da Juventude de Guisande, que assim, para além do jornal começou a desenvolver e a promover várias iniciativas de índole cultural, recreativo e desportivo. O jornal fazia parte do IPIR - Instituto Português da Imprensa Regional. Por sua vez, a associação inscreveu-se também no RNAJ - Registo Nacional do Associativismo Jovem e no FAOJ - Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (actualmente extinto, existindo no mesmo âmbito o IPDJ - Instituto Português do Desporto e Juventude).
A ACJG foi ainda membro fundador da ainda existente Federação das Colectividades de Cultura e Recreio do Concelho de Santa Maria da Feira.
Ainda em termos de relacionamento junto de entidades oficiais, precisamente em Janeiro de 1987 a ACJG consegue o registo do jornal na Direcção Geral da Comunicação Social.

Algum tempo mais tarde, já pelo final da década de 80, a Associação ACJG dá um passo importante no melhoramento do jornal e compra, mesmo que em segunda mão, um equipamento de impressão pelo sistema offset. Simultaneamente um equipamento complementar que permitia gravar matrizes por um processo diferente e com base em originais já produzidos por um computador que também fora comprado, no que foi um passo importante na qualidade do jornal.

Este novo sistema permitiu o aumento do formato (formato específico da máquina mas próximo do A3) e possibilitava um grafismo mais arrojado e mesmo a introdução de fotografias. Também era possível imprimir a duas cores o que normalmente se fazia para distinguir o grafismo do título do jornal. Mesmo assim, este processo de utilização de duas cores, preto como base e vermelho ou azul, obrigava a uma limpeza dos rolos da máquina de impressão já que esta apenas permitia o uso de uma cor de cada vez. Neste contexto, quando se imprimia um cabeçalho a cores fazia-se em quantidade suficiente para várias edições.



A máquina de gravação das matrizes para o sistema offset.




A máquina de queima da matriz  para o sistema offset.



Algumas das matrizes usadas no sistema de impressão offser. Eram em cartão, mas também podem ser metálicas, estas sobretudo usadas para fotografias. As matrizes acima referem-se já às últimas edições do jornal, na primeira metade dos anos 90.


A máquina de impressão offset, adquirida em segunda-mão e que a partir de 1987 possibilita a introdução de cores no jornal. 

Apesar desta evolução nos meios e equipamentos e na consequente melhoria gráfica do jornal, a verdade é que eram ainda processos algo complexos e por vezes era um quebra cabeças fazer funcionar correctamente a impressora, nomeadamente no equilíbrio da distribuição da tinta o que frequentemente originava folhas esborratadas e consequente desperdício de papel. Como se disse, era uma máquina usada, o que naturalmente já perdera alguma eficiência. A matriz ou molde, num cartão cor-de-rosa, tinha que se manter impermeável à tinta nas zonas sem texto ou imagens o que se conseguia com a distribuição equilibrada de um líquido próprio, esverdeado, a que chamávamos de "molha". Ora quando este líquido não era distribuído de forma constante e uniforme o original era invadido de tinta mesmo nas zonas brancas o que fazia que a impressão saísse esborratada. Era necessário parar a impressão e limpar a matriz mas desde logo perdia as características para uma boa impressão.

Em todo o caso, apesar destas limitações no equipamento e meio de reprodução, a verdade é que se manteve assim até ao final da primeira série, em 1994 e por essa altura as edições apresentavam uma qualidade muito aceitável, tanto no grafismo como na impressão.

Mais tarde, em 2006, já com o jornal integrado na Associação Cultural de Guisande "O Despertar", resultante da fusão da Associação Cultural da Juventude de Guisande com o Centro Cultural e Recreativo "O Despertar",  a nova direcção então liderada pelo Artur Costa relançou o jornal, mas já com a impressão em sistema de fotocopiadora e com o uso recorrente da cor. Era já uma nova era em que a fotocópia tornou-se um método generalizado e mais económico, por isso a meio caminho da impressão profissional.
Infelizmente, ao fim de pouco mais de uma dezena de edições, por diversos motivos, incluindo a de falta de pessoal para dar continuidade ao projecto, o jornal voltou a parar e desde então continua à espera de outros tempos e outras vontades.

A história do jornal "O Mês de Guisande" está, naturalmente por fazer e estes apontamentos, a que se juntarão outros, são apenas um breve e sucinto resumo de algumas das principais etapas ou momentos.
Com tempo, quem sabe, talvez se desenvolva e pormenorize mais esta história que mesmo não tendo sido longa abarca um período importante do que foi o movimento associativo juvenil na nossa freguesia de Guisande e da sua dinâmica no contexto social, cultural e recreativo.

O jornal "O Mês de Guisande", sobretudo na sua primeira fase ou série, desempenhou um papel importante na freguesia e ao longo desse período tornou-se um factor dinâmico das diversas vertentes da freguesia, nomeadamente no sentido de consciência crítica da componente do poder local, ajudando a identificar e a escrutinar assuntos do interesse geral da freguesia, tornando-a mais consciente de si própria.
O poder local desse período acabou por ser valorizado pela acção do jornal porque sabia da sua importância e no papel que desempenhava.  É certo que em algumas situações e momentos o jornal era alvo de alguns ataques de maldicência, principalmente por parte de sectores ou pessoas não habituadas a algum escrutínio e a alguma crítica, mas essa era uma inevitabilidade própria de qualquer jornal, mesmo que de índole local.

No geral, o jornal "O Mês de Guisande" durante os períodos em que foi publicado foi um importante elemento que valorizou a freguesia de Guisande e representava em muito a sua dinâmica nos contextos social, cultural, recreativo e desportivo.

Nos dias de hoje, se procurarmos fontes e referências históricas e quotidianas sobre a freguesia de Guisande, nos contextos social, cultural, desportivo, recreativo, paroquial e de poder local, tudo é vago e incerto, já entorpecido pelo lençol do tempo. Porém, desse período abarcado pelo jornal "O Mês de Guisande" há um manancial de informação documentada que certamente noutros tempos mais à frente farão as delícias que quem quiser saber mais sobre a sua freguesia.

Bastaria isto para concluir que o jornal "O Mês de Guisande" foi um marco e que valeu a pena tantas horas de esforço e dedicação. Nem todos o reconheceram publicamente na época nem reconhecerão na actualidade, mas não haverá ninguém com alguma consciência e honestidade intelectual  que mesmo que apenas em pensamento próprio não seja capaz de se surpreender com a audacia e capacidade de um grupo de jovens que marcou a freguesia de forma muito positiva nessa fantástica década de 80 e parte da de 90.



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