Marcelo Rebelo de Sousa, no discurso deste Dia de Portugal e de Camões, fez sobretudo perguntas. Mas às suas perguntas não pode esperar unanimismos nas respostas, mesmo dando de barato que a nossa sociedade parece que começa a embrutecer nos cânones do politicamente correcto e a estreitar o caminho para quem pense diferente. Não tarda a democracia a ser ela mesmo uma ditadura a definir os parâmetros politicamente correctos, legislando sobre os bons, os maus e os vilões, como numa clássica cowboyada.
A determinada altura do discurso interrogatório do nosso presidente, diz que "...Portugal não pode fingir que não existiu e existe pandemia, como não pode fingir que não existiu e existe brutal crise económica e financeira. E este 10 de Junho de 2020 é o exacto momento para acordarmos todo para essa realidade”.
É verdade que não podemos fingir mas isso em grande parte é o que todos temos estado a fazer desde o início da coisa. Fingimos que estávamos preparados, fingimos que o SNS estava à altura, fingimos que o uso das máscaras era contraproducente, fingimos que todas as outras doenças, consultas, exames, cirurgias, tratamentos, eram adiáveis, fingimos que por estes dias os únicos mortos eram da pandemia, fingimos que o acréscimo médio de mortes para além dos relacionados à Covid-19 era um número sem importância porque fora do radar geral da imprensa e do escrutínio de uma comunicação social amestrada, fingimos que decretar a suspensão do país era algo imperioso, porque ou isso ou a extinção da humanidade e dos bravos lusitanos.
É verdade que a "brutal crise económica" existe mas as reais consequências ainda estão para vir, sendo que o Governo, incluindo o presidente, não podem "tirar o cavalinho da chuva", para o bem e para o mal, e fugir às suas responsabilidade de que uma boa percentagem desta "brutal crise económica" decorre das suas medidas de determinar a suspensão do país. Não podemos atirar a pedra e esconder a mão atrás das largas costas da pandemia. Muitas decisões terão sido necessárias, claro que sim, mas outras terão tido uma enorme dose de exagero e desproporcionalidade, incluindo o anedótico estado de emergência e a patética proibição de saída dos concelhos, sobretudo na forma e nos critérios.
A pandemia é uma realidade, séria, que pode arrastar qualquer um de nós, sobretudo os mais idosos e vulneráveis, que não pode merecer desvalorização, mas exige simultaneamente medidas equilibradas e proporcionais e não como uma rede de arrasto onde vai peixe graúdo e miúdo.
Neste 10 de Junho, no geral Marcelo foi igual a ele próprio, com um discurso redondo, moldado para agradar a gregos, troianos, fenícios e cartagineses. Não duvido que também tenha agradado à maioria dos portugueses mesmo que porventura tenham sido poucos a dar-se ao trabalho do o ouvir em directo, porque começa a ser mais do mesmo.