29 de setembro de 2020

Pastores e ovelhas

As mudanças de párocos têm sempre um lado algo intrigante. Da Sé, pretende-se que não se dê a perceber que é mudança a pedido, vinda dos sacerdotes, vinda dos paroquianos ou facções destes. E todas as paróquias devem ter os seus "queixinhas", os guardiões da moralidade e boas práticas. Por outro lado, obviamente, é fácil congeminar que algumas vezes o Bispo procura juntar o útil ao agradável, buscando resolver e equilibrar a distribuição dos serviços, aliviando quem já tem muitos anos pela frente, mas, também, certamente para pôr as "peças" no sítio certo do tabuleiro e sanar ou mitigar conflitos latentes entre "pastor" e "ovelhas". E quer se queira quer não, isso adivinhava-se ou pressentia-se nalgumas das paróquias agora incluídas nas recentes mudanças de paroquialidade na nossa Vigararia da Feira.

Certamente que o Bispo e a Sé, conhecem ou têm quem os informem das reais capacidades dos diferentes sacerdotes diocesanos. Como homens que são, naturalmente todos com diferentes atributos e  "talentos". Uns mais pela palavra, outros mais pela acção; uns mais pelo diálogo e inclusão permanente com as "forças vivas", outros por alguns apontamentos de prepotência e de tiques já em desuso, ou pelo menos já não tolerados, do "quero, posso e mando", ou então muito assoberbados com o seu "rei na barriga".

Nos tempos que correm, para além da recorrente falta de vocações e delas de sacerdotes, mesmo que contrabalançados pelo diaconato, certo é que os párocos, não generalizando, obviamente, há muito que o deixaram de ser por pura vocação, humildade e despreendimento, mesmo que sem os extremos dos "votos de pobreza". São, por conseguinte, bem assalariados, não dispensando nem se privando de todo os luxos e confortos modernos. Nem sempre são exemplo a seguir e vão mais pela recomendação do "olha para o que eu digo e não para o que faço". Só que os fiéis actuais, no que perderam de dedicação e prática religiosas, ganharam no sentido crítico e de escrutínio e já "não vão à missa toda" de um qualquer pároco com o "rei na barriga". Pelo contrário, sabem reconhecer e respeitar  os sacerdotes com vocação religiosa e espiritual, pois claro, mas também como um dos seus, humilde, franco, receptivo e serviçal, capaz de ouvir e fazer-se ouvir, acolher e não enxotar. Em resumo, em plena comunhão com a comunidade que serve e dirige.

Neste contexto, importa que os sacerdotes e párocos sejam isso mesmo, representantes da Igreja e pastores, e que para além das funções ordinárias do calendário religioso e serviços decorrentes e inerentes, saibam compreender a cultura e identidade específicas de cada paróquia e sua comunidade, suas práticas e tradições e dentro do possível respeitá-las e até aprofundá-las. Fazer o contrário, pondo e dispondo, confrontando, alterando e inventando, não vão lá, e para além de dividirem e tresmalhar as ovelhas, correm o risco de despoletar conflitos, desrespeitos e desconsiderações, até que o Bispo, cansado dos reparos e queixas,  volte a dar-lhes guia de marcha, mesmo que levando a mesma forma de estar e actuar a outras terras, porque podem ser fracos pastores mas a necessidade obriga a fechar os olhos ou a encolher os ombros por algum tempo. De resto, há gente que nunca aprende  e nem se emenda. Ora quem nasce torto, diz o povo, tarde ou nunca endireita.

Parte do que atrás ficou dito é num sentido geral. Quanto às recentes alterações, mesmo não sendo um expert e até arredado das missas desde o confinamento, parece-me que foram equilibradas e necessárias quanto baste.  Mas o tempo o dirá.