16 de julho de 2021

Cidadania, desenvolvimento e...carteiristas

(...) A relação entre o indivíduo e o mundo que o rodeia, construída numa dinâmica constante com os espaços físico, social, histórico e cultural, coloca à escola o desafio de assegurar a preparação dos alunos para as múltiplas exigências da sociedade contemporânea.

A complexidade e a acelerada transformação que caracterizam a sociedade contemporânea conduzem, assim, à necessidade do desenvolvimento de competências diversas para o exercício da cidadania democrática, e, por isso, a escola tem um papel importante na construção de práticas de cidadania.

Com efeito, os valores da cidadania encontram-se consagrados nos princípios da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), estabelecendo-se que o sistema educativo deverá ser organizado de modo a contribuir para a realização dos alunos, através do pleno desenvolvimento da sua personalidade, atitudes e sentido de cidadania. Deste modo, os alunos são preparados para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos, no sentido de assegurar o seu desenvolvimento cívico equilibrado. (...)


O texto acima, coisa bonita, é parte do enquadramento curricular da disciplina "Cidadania e Desenvolvimento" nas nossas escolas.

Tão bonito e profundo, ficamos com a ideia que já estamos numa sociedade onde predominam os exemplos de boa cidadania.

É claro que os valores inerentes às antigas disciplinas de "Educação Cívica, Moral e Religião", como vírus pandémico, foi para o caixote, porque a escola quer-se laica.

No entanto, a qualidade da nossa cidadania pode medir-se por alguns exemplos práticos. Ainda há dias soube que um amigo, por descuido, acabou por perder a sua carteira, com documentos vários, como cartão de cidadão, carta de condução e cartões bancários, para além de uma bonita quantia de dinheiro em notas.

Pergunta-se: Qual a probabilidade da carteira ser encontrada por alguém e que a devolva intacta? Alguém arrisca dizer que em cem pessoas talvez duas ou três? Mesmo assim, com duas ou três já será optimismo demasiado e cega confiança na humanidade. 

De facto, a carteira que acabou por ser encontrada por alguém, porque perdida e não furtada, foi arremessada para uma qualquer valeta a cerca de 10 Km do local onde foi perdida, felizmente, e do mal o menos, com os documentos, mas obviamente sem o dinheiro. Ou seja, este tipo de desfecho é hoje em dia o mais expectável, porque podemos obrigar as nossas crianças à tal disciplina de "Cidadania e Desenvolvimento" que na prática e na boa formação, isso vale quase rigorosamente "zero".

Assim sendo, a norma, a normalidade, é a desonestidade, a falta de valores e sentido de humanidade. O outro, é um ser abastracto, a quem se surripia com toda a naturalidade e sem qualquer peso na consciência, algo que lhe pertence. 

Assim sendo, vamos fazendo de conta que o jardim está cheio de flores radiosas e perfumadas e que  "...os alunos são preparados para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos".

Tretas! E tretas porque a par disso bem sabemos como andam os valores da disciplina e responsabilidade. Tretas!

Em suma, os dias de hoje não são dados a deixar portas abertas e a descuidos com carteiras. Na casa, alarmes, cercas electrificadas e pitbulls sem açaimes a mostrar os dentes ao portão poderão ter alguma eficácia no combate à "boa e moderna cidadania". Confiar na cidadania da gente que anda a ser formada, é fazer figura de anjinho.

Não generalizando, pois, claro, porque em cem haverá dois ou três, da velha guarda, que aprenderam a coisa pela boa educação e melhor disciplina, mas as coisas são como são.