24 de dezembro de 2022

Ainda é Natal?


Tal como o disse num deste dias o meu amigo Mário Augusto, continuo a gostar muito do Natal, pelo que representa de valores cristãos, confraternização familiar e tradição, mas de facto já não é a mesma coisa como nós, os mais velhos, sentimos noutros passados tempos. E não porque antes fosse melhor, no que diz respeito a fartura de coisas boas, das que se põem na mesa e extasiam os olhares; bem pelo contrário, pois por esses tempos tudo o que ía à mesa na abençoada noite, era escasso e custoso. Mas era singular, genuíno e diferente de tudo  quanto se oferecia no resto do ano. Além disso, algumas das coisas associadas, só mesmo nessa altura do ano. Claro que ainda o bacalhau, as batatas e couve penca, as rabanadas, a aletria e pouco mais. Bolo-rei era um luxo para burgueses e a criançada animava-se com um rato de chocolate. Gente simples sempre teve gostos simples.

Hoje em dia a fartura e diversidade chega a enjoar e a tirar o apetite e quase que nos leva a desejar que esta quadra passe depressa, que não deixa saudades. Há de tudo e mais alguma coisa com a mesa inundada das coisas do costume e outras exôticas. As prendas são sofisticadas e qualquer pirralho de cinco anos é prendado com um smartphone ou um tablet de boa marca. Para as madames é coisa fina e perfumes só de 100 euros para cima. Já os homens, um vinho onde a qualidade seja o preço. Uma fartazana.

Para além de tudo, no que às tradições religiosas e espiritualidade do Natal diz respeito, a coisa ainda é mais sombria e passar a quadra com uma ida à igreja ou mesmo sequer abrir a alma para um pensamento mais elevado, é coisa que já não vai à mesa de muita gente, o que ajuda a reforçar a ideia de uma mera ocasião para comer, beber e divertir como se ao mesmo nível dum Carnaval. Não é por essa ligeireza que vem o mal ao mundo, concerteza que não, porque é sempre positiva a alegria e o são divertimento, mas nestas como noutras coisas é sempre importante colocar cada uma no seu próprio lugar.

Por tudo isso e mais alguma coisa, o Natal tornou-se escravo do mercantilismo, do comércio e do markentig associado, e os meios de comunicação social fazem o favor de nos lavar o cérebro já  a partir de Setembro.  Chega a ser um massacre de publicidade, com spots repetidos vezes sem fim como para terem a certeza de que os vimos e ouvimos. Durante semanas andamos a ser encharcados com perfumes a preços do ouro, algemados com relógios da mais sofisticada ourivesaria suiça e mais bucolicamente besuntados com azeites e tentados com postas de bacalhau dispostas na mesa por um tal de David, que também faz carreira nestas coisas de encher e vender chouriços.

Mas pronto, são sinais dos tempos e já não há volta a dar; Ou alinhamos pela velha máxima de que não os podendo vencer, juntemo-nos a eles, ou então já nada sobra do Natal porque atolado nesta torrente de vendilhões.

Posto isto, votos de um feliz e santo Natal para todos os familiares e bons amigos. Para os inimigos, para os invejosos e maldizentes, também um feliz Natal!

Nota à margem: A simples ilustração deste artigo é baseada na que em Dezembro de 1982 rabisquei para a capa do jornal "O Mês de Guisande" (na imagem abaixo), por isso uma memória com 40 anos.