7 de agosto de 2023

Jornada Mundial da Juventude 2023 - O deve e o haver

Quem por estes dias foi acompanhando, lendo, ouvindo e vendo, sobretudo pela televisão (e uma palavra de parabéns pelo trabalho fantástico da RTP), o decorrer da Jornada Mundial da Juventude, em Lisboa, no nosso Portugal, só pode ficar com a certeza de que globalmente tudo correu bem, superando todas as expectativas, tanto ao nível da participação como da concretização do programa.

Nada, porém, é perfeito, e o tempo que se fez sentir principalmente no Sábado e Domingo, com temperaturas elevadas, naturalmente que se reflectiu em desconforto para os largos milhares de jovens, porque para além da exigência do programa, tiveram que tentar dormir em condições difíceis e fazer longas caminhadas entre os diferentes pontos. Já depois de terminado o programa, ainda mais deslocações a pé e o enfrentar de longas esperas pelos transportes em avião, combóio e autocarros, e ainda a duração dos mesmos. Mas, enfim, nada que o coração cheio de motivação proporcionada por quem vivenciou a jornada nos diferentes locais do programa, não ajude a superar, e depois do merecido descanso, serão mais notórias e límpidas as experiências e vivências. Como me disse ontem o Pe. António Jorge ao final da tarde, "...cansadinhos mas cheios de felicidade".

Acredito que para todos os jovens e mesmo para quem apenas acompanhou pela comunicação social em geral e pela televisão de forma particular, foi um evento marcante e que por muitos anos perdurará na memória individual e colectiva.

Agora é tempo de fazer contas e balanços. Já foram sendo feitos, nomeadamente pelo Papa Francisco durante a sua conferência de imprensa em plena viagem de regresso a Roma, e com intervenções avulsas do presidente da república, primeiro ministro, membros do Governo e do clero, mas certamente que com tempo serão feitas contas e balanços mais rigorosos.

Apesar disso, e da percepção geral de que tudo correu bem, do reconhecimento internacional, do importante impacto que representa para o país como reforço do lastro económico sobretudo no sector do turismo, naturalmente que se vão levantar vozes contrárias, juntando-se a algumas que durante o evento aqui e ali foram ouvidas ou que a imprensa deu espaço, bem como outras que estrategicamente estiveram caladas mas que se farão ouvir entretanto. Dirão que  foram gastos escandalosamento 80 ou 100 milhões, quando ninguém se impressiona ou escandaliza com uma transferência de um vulgar jogador da bola por 100, 120 ou 200 milhões, que sendo dinheio dos clubes é também em larga medida dos contribuintes e do país. Mas é sempre assim e não faltou nem faltará quem pretenda misturar alhos com bogalhos e a menorizar ou mesmo ressalvar  a árvore no meio da floresta.

É claro que nestas coisas, é importante a contenção, gastar o apenas necessário e quaisquer ostentações desmusaradas e desproporcionais devem ser sempre limitadas, mas enquanto portugueses, para além de mostrarmos ao mundo que sabemos organizar grandes eventos, somos igualmente mestres a fazer disparates, como o caso dos estádios de futebol aquando do Europeu de Futebol em 2004 e que deixaram uma herança de elefantes brancos ao abandono ou utilizados esporadicamente só para não esquecermos que existem. 

No caso tão falado do palco do Campo da Graça, teria sido possível gastar muito menos. De resto os demais placos mostraram que era possível gastar menos com o mesmo efeito visual e funcional. Ainda bem que reduziram os gastos mas poderiam ter ido mais além, embora o tempo já fosse escasso para grandes alterações.

Alguns sectores também fizeram questão de continuar a mexer na ferida dos abusos sexuais, como se ela tenha sido esquecida, o que não foi, a começar pelo próprio Papa Francisco. Importa de facto não esquecer esta triste realidade e tudo fazer para quem nem um único caso fique por justiçar e reparar, ou que volte a acontecer, mas importa igualmente analisar a coisa como um todo. Infelizmente estes casos não são exclusivos da igreja católica e é horrendamente transversal a muitos sectores, como todos os dias somos confrontados pelas notícias de novos e antigos casos. 

Para além de tudo, apontamos o dedo à Igreja, quase esquecendo que os casos de pedofilia e abusos sexuais e morais acontecem tantas vezes no seio da própria família, com crianças a serem abusados por progenitores e familiares. Resulta desta ideia, de que este é um caso grave e que importa combater por todos os meios e com políticas e acções que previnam. Todavia, fazer crer que este é apenas um pecado grave da Igreja é fazê-lo de uma forma discricionária e é em si mesma uma fraca atitude. Pode-se não gostar da Igreja, dos padres, dos cristãos, dos católicos, ou seja lá do que for, mas ignorar igualmente o importante e fundamental papel da igreja no plano espiritual, mas sobretudo social, e tanta e tanta gente boa que se entrega de corpo e alma a causas e a pessoas desprotegidas e vulneráveis, é demonstrar ignorância e apenas uma premeditada repulsa facciosa. E não falta e nunca faltarão acérrimos opositores. É a lei da vida e nem sempre somos capazes de analisar as coisas de forma imparcial.

Neste contexto, a Igreja, no caso a católica, tem que, de facto, admitir e curar os seus pecados, ser mais aberta para tudo e todos e no geral acolher e passar à prática tudo quanto por estes dias foi dizendo por palavras objectivas e claras o Papa Francisco. Em muitos sectores da Igreja, nomeadamente nas células paroquiais, já muito está e vai sendo feito, mas importa ampliar porque os desafios são muitos e grandes. Não ser capaz de fazer isto é deixar para trás o combóio e, pior do que isso, é deixar a sociedade navegar sem objectivos e valores morais e humanistas que conduzam ao bem geral de todas as sociedades e povos, enfiam, da humanidade em toda a sua diversidade de raças, culturas e religiões, mesmo para quem não é crente.

É um lugar comum dizê-lo, mas de facto urge que todos os aspectos positivos decorrentes desta Jornada Mundial da Juventude não caiam em saco roto, em terra infértil, e que entretanto, pousada a poeira e caídas as canas dos foguetes, fique na memória apenas como mais um evento como se fosse apenas um qualquer festival musical, um woodsotck católico, como alguma imprensa sensacionalista o prognosticou, a mesma que escreveu que "jornadas mundiais começam com zaragata entre peregrinos num bar". 

A ver vamos se será a sociedade, no geral, capaz de vir a colher frutos deste enorme evento, católico, cristão mas sobretudo ecuménico. Naturalmente que todos esperamos que sim e creio que mesmo que daquele milhão e meio de jovens se apenas 10% for capaz de frutificar nos diferentes contextos onde se envolvam, já terá valido a pena.  

Rumo a Seul em 2027!