13 de outubro de 2023

O Ti Joaquim do Viso

A começar por mim, que já não sou propriamente novo, poucos o sabem, porque os que sim, ou são velhinhos e já com as memórias enferrujadas e se mesmo que disso se lembrem e o digam a alguém, poderão não ser levados a sério. Infelizmente na nossa sociedade que se vai desenvolvendo numa matriz egocêntrica, com gente nova, fresca e cheirosa, não há lugar para ter em conta os mais velhos, porque chatos, rabugentos e dependentes, sempre a precisarem de médico e de que os lembrem de tomar os medicamentos.

Mas dizia que, poucos o sabem, mas ainda quem sabe e se lembra, a começar pela minha mãe, com os ossos moídos mas ainda com boa memória, dizem que o meu avô paterno, o Ti Joaquim do Viso, era uma alma caridosa e amiga dos pobres e talvez por isso, de um vasto património que fazia da casa uma das mais abastadas na freguesia, teve que partilhar pelos filhos o que ainda tinha enquanto foi a tempo, para que cada um tomasse conta da sua parte e fizesse pela vida, porque ele velho, cansado e doente, atacado com o bronquite que o levaria, não podia nem queria ver a casa a decair.

Mas então ainda diz quem sabe, que todas as sextas-feiras naquela casa, bem por detrás da capela do Viso, era dia alegria porque se matava a fome aos jornaleiros que trabalhavam na casa, ainda aos pedintes que vinham mesmo de outras freguesias e ainda criançada do lugar e arredores, do Viso, Cimo de Vila e mesmo de Estôze, que de pobres e por serem tantos, passavam fome e privações nas suas casas.

Assim, todas as sextas-feiras, enquanto foi vivo, cozia-se uma grande fornada de pão e na larga lareira fazia-se um panelão de boa sopa, não apenas com água e couves como era normal, mas com substância, com gordura, alguma carne de porco e massa.

Era, pois, um banquete frugal mas generoso para toda aquele gente irmanada na pobreza e fome e que se dispunha à volta da larga mesa na ampla cozinha.

Diz a minha mãe, sua nora, e quem o conheceu, que se há céu e recompensa para quem faz o bem nesta terra, há muito que, desde que faleceu numa véspera de Natal de 1965, está na companhia dos santos.

Mas destas coisas e destas obras, mesmo que simples, não se faz história e por conseguinte daqui a mais alguns anos não há viva alma que ainda tenha isso presente.

Foi ainda padrinho de muita gente de Guisande, o que eu já desconfiava pois quando era criança por onde passasse interpelavam-me dizendo que eram ou tinham filhos  afilhados do meu avô. Então, achava estranho que fossem tantos.

Não o conheci, porque quando faleceu estava eu, com pouco mais que 3 anos, a começar o livro da vida e a registar as primeiras memórias mas sendo que há coisas feitas há uma dúzia de anos e já esquecidas, tenho ainda vincadas algumas imagens  relacionadas ao meu avô, como quando acabado de se levantar da cama, arrumava o brazido da lareira quente, como a fazer um ninho, e lá colocava um pão a aquecer.

Joaquim Gomes de Almeida, conhecido como Ti Joaquim do Viso, por ser do lugar do Viso, embora já no início do lugar de Cimo de Vila, na freguesia de Guisande, nasceu em 27 de Abril de 1885 e foi baptizado em  3 de Maio desse mesmo ano. Era filho de Raimundo Gomes de Almeida (meu bisavô), também do considerado lugar do Viso, Guisande, e de Delfina Gomes de Oliveira (minha bisavó), do lugar de Casal do Monte, freguesia de Romariz. Faleceu o meu avô em 23 de Dezembro de 1965.

O meu avô casou com 30 anos de idade, em 2 de Julho de 1916  com Maria da Luz, de 24 anos,  nascida em 18 de Novembro de 1890, sendo filha de José Joaquim Gomes de Almeida e de Maria da Conceição de Jesus, então moradores no lugar do Viso. Faleceu em 15 de Novembro de 1967 com 77 anos de idade. Tinha eu 5 anos pelo que tenho ainda algumas lembranças dela.

Tiveram 4 filhos e 4 filhas, sendo que uma faleceu menor. Destes um era o meu pai e o mais novo dos rapazes, o tio Neca, completou 100 anos de vida no passado Sábado. É ainda viva a tia Laurinda, já a passar dos 90.

Outros, na sua posição de proprietário e pessoa a saber escrever, a ler e a fazer contas, usaram da ignorância, das dificuldades e miséria de alguns para lhes retirar bens e terras e com isso crescer e aumentar patrimónios. Num tempo em que a generalidade das pessoas tinham como valores a honra a palavra e o trabalho, houve sempre alguém com poucos escrúpulos a usarem de estratagemas, manhas e artimanhas para deles abusarem. Meu avô, porêm, pertencia à casta dos que preferiam empobrecer do que subtrair o pouco a quem tinha nada. 

Fica aqui este simples registo para a posteridade de um homem bom, de bom samaritano em tempos agrestes e de vacas magras, que na sua bondade e bom coração ajudou a mitigar a fome a muitos.