Com o falecimento de Manuel Alves, o Nequita, partiu uma das figuras mais emblemáticas e carismáticas da nossa freguesia.
Como já escrevi na nota de falecimento, ele teve uma relevante acção cívica, tendo sido regedor no período anterior ao 25 de Abril de 1974 e foi presidente da Junta de Freguesia de Guisande entre 1979 e 1989, em representação do PPD-PSD – Partido Social Democrata.
Anos mais tarde, nas eleições de 1997 voltou a tentar o regresso mas o eleitorado considerou que já tivera o seu tempo e não conseguiu destronar o PS - Partido Socialista. Para essas eleições tive o privilégio de por ele ser convidado para segundo da sua lista, mas, por várias razões, nomeadamente a de também eu considerar que o seu tempo como autarca já tinha passado, bem como pela indisponibilidade pessoal, acabei por não poder aceitar.
Gostando-se, ou não do seu estilo enquanto presidente da Junta - e enquanto autarca tinha adversários acérrimos, alguns até com considerações injustas - certo é que a freguesia conheceu com ele um forte desenvolvimento. É verdade que então estava tudo por fazer, mas com maior ou menor transparência, mas dentro de um estilo que era generalizado a todas as juntas de freguesia da época, foi um presidente activo e com sentido de astúcia política. Os executivos liderados por si realizaram inúmeras obras, algumas significativos, nomeadamente no que se refere a abertura de estradas, incluindo as ligações de Guisande a Louredo e a Gião, a construção do novo cemitério, a edificação da sede da Junta, construção das pré-escolas da Igreja e Fornos, bem como bastantes outras, estando também ligado à construção do campo de futebol no Reguengo.
Pelo contexto geral, pessoalmente não tenho dúvidas que foi o presidente de Junta com uma acção mais significativa de todos quantos têm exercido o cargo desde as eleições de 1976.
Muitos de nós, os mais velhos, conheciam também o Manuel Alves como comerciante, em que durante vários anos, nas décadas de 1970 e 1980, explorou a típica mercearia no lugar de Casaldaça, antes dirigida pelo Domingos Caetano de Azevedo e sua esposa D. Conceição, e depois no lugar do Viso, para onde foi viver, onde, conjuntamente com a esposa Sr. Tina, confeccionava a tradicional e tão apreciada regueifa doce à moda de Guisande.
A relação das suas juntas com o jornal “O Mês de Guisande”, de que fui co-fundador e chefe de redacção, em toda a década de 1980, nem sempre foi a mais pacífica, e chegou a confessar que apenas o jornal lhe fazia boa oposição, mas foi sempre franco e directo e apesar disso sempre reconhecedor da importância do jornal para a freguesia e nunca se escusou a colaborar, apoiar e a conceder entrevistas e a fazer chegar apontamentos de notícia.
Chegou mesmo a confessar-me que em certa medida perdeu as eleições de 1989 devido à acção do jornal bem como pelo papel da lista Força Jovem Independente, que nos mandatos de 1985/1989 e 1989/1993 foi sempre muito exigente e com sentido de escrutínio, porque com um nível de intervenção e oposição de que até então a Junta de Freguesia não estava habituada, mas com um entendimento positivo e sem qualquer ressentimento.
Ao longo dos últimos anos mantive sempre com ele uma boa relação, com uma consideração e respeito mútuos, tratando-me sempre por Almeida, e partilhou comigo muitas confidências, pessoais, das suas memórias, mas sobretudo políticas, sempre com um tom muito próprio, de “manha”, que todos lhe reconheciam.
Dos muitos episódios, contou-me a forma pouco ortodoxa como alguns “revolucionários”, logo após o 25 de Abril de 1974, lhe vieram “assaltar” o cargo de regedor, intimando-o a “devolver a ferramenta”. Pensavam eles, dizia, que isso era coisa pesada e de importância, incluindo armamento, mas afinal foram de mãos a abanar e levaram apenas um carimbo e um selo branco. De resto, a nova regedoria morreu ao nascer e o regedor provisório e seu substituto, apesar de ficarem com o retrato no arquivo da Câmara, então governada ainda sem legitimidade democrática, pelo presidente da Comissão Administrativa, Dr. Arnaldo dos Santos Coelho, em rigor nunca chegou a exercer, nem sequer a tratar de um roubo de galinhas, passando a GNR a exercer as funções de autoridade até então a cargo do regedor.
Também, entre a brincar e a sério, chegou-me a dizer que se fosse mais novo arrancaria a placa de limite de freguesia entre Guisande e Lobão, na zona do Santo Ovídeo, porque achava que tinha sido um abuso consentido pelas juntas do PS em deixar colocar a placa, não no limite determinado pelos marcos de fronteira, mas uma dezenas de metros do lado de Guisande. De facto a sua idade já não era adequada a revoluções, mas, sim, tinha razão e neste aspecto os responsáveis da freguesia foram sempre “moles” em aceitar este e outros atropelos, nomeadamente no lugar de Azevedo, em que uma boa parte de território de Guisande continua sendo considerado descaradamente como de Caldas de S. Jorge mesmo contra todas as provas e evidências.
Muitas mais coisas me confidenciou, algumas das quais guardo só para mim e até porque alguns dos envolvidos ainda pertencem ao mundo dos vivos.
Em resumo, parece-me que será de justiça que a futura Junta de Freguesia de Guisande reconheça a importância de Manuel Alves enquanto autarca, senão com um nome de rua, pelo menos de uma qualquer outra forma. Pessoalmente, do que conheci do homem e do autarca, acho plenamente justo e merecedor, mesmo sabendo que nestas coisa a ingratidão ainda tem peso e a memória perna curta.
Defeitos teve, com certeza, como eu tenho e quase todos, pelo menos aqueles que não se consideram seres perfeitos. Manuel Alves foi um autarca do seu tempo, com limitações mas sobretudo com vontade de servir a freguesia e a comunidade. E creio que no geral fez muito.
Paz à sua alma e acredito que continuará a ser lembrado no presente e no futuro e no que de mim depender, nomeadamente no livro que estou a ultimar sobre apontamentos da história de Guisande, será concerteza e figurará na galeria das suas figuras mais relevantes.
Que descanse em Paz, caro Sr. Neca!