16 de janeiro de 2022

A ceifa do tempo

 


Seja maldita esta verdade assim nua,

Mas a minha aldeia já não é o que foi;

Já não lhe rasgam leiras, arado ou charrua,

Esventrando-lhe a leiva o possante boi.


Aplanaram-se-lhe os caminhos fundos,

Alargaram-se-lhe as estreitas veredas;

Foram-se as gentes para outros mundos,

Já não há palha nem dela as medas.


Remexendo na distância das histórias

O sopro do tempo chegou em vendaval,

Dispersando a poeira das memórias

E para sempre nada mais deixou igual.


O tempo, esse ceifador de rosto antigo,

Devastou, insano, searas de fecundidade,

Colheu, indiferente, pasto, joio e trigo

E vive, agora, farto para a eternidade.


A.Almeida - 16012022

15 de janeiro de 2022

Lamento


Nas portas do tempo andado

secou o musgo nas ombreiras cansadas

e os gonzos já não rangem

a anunciar caminheiros novos.


Na mansidão das sombras caducas

já não há descansos nem retemperos

de pés e ossos cansados.


Já não tem som o chilreio dos pássaros

e a ribeira corre dorida na fraga

como a fugir para um descanso inalcançável.


O peso dos anos vividos

quebraram o viço de homens novos

num aperto de mandíbulas 

de um cão fantasma

que vive na noite de breu

à espera do seu repasto.


Tudo finda num lamento de nada, 

num vazio sem fundo, 

imensurável,

final.


A.Almeida 15012022

13 de janeiro de 2022

Nota de falecimento



Faleceu Joaquim Alves de Pinho Santiago, de 82 anos (15 de Janeiro de 1939 - 13 de Janeiro de 2022) anos, da Casa do Santiago, das Quintães - Guisande. 

Velório: Na Igreja Matriz de Guisande, no Sábado, dia 15 de Janeiro de 2022, com chegada do corpo às 09:30 horas.

Funeral: Na Igreja Matriz de Guisande, no Sábado, dia 15 de Janeiro de 2022, pelas 10:30 horas, indo no final a sepultar no cemitério local em jazigo de família.

Missa de 7º Dia na Igreja Matriz de Guisande, na Sexta-Feira, dia 21 de Janeiro de 2022, às 18:30 horas

Sentidos sentimentos a todos os familiares. Paz à sua alma! Que descanse em paz!

12 de janeiro de 2022

Sentir o cheiro da pocilga

Episódios de desrespeito e mesmo agressões às forças da ordem, guardas da GNR ou agentes da PSP, ou até mesmo a agentes municipais, como visto por estes dias, são mais que muitos, sendo que a maioria passa-nos ao lado da espuma dos dias. Para isso seria preciso assistir ao canal do país real, mas uma certa franja da sociedade tem-lhe aversão por nos mostrar que nem tudo é cor-de-rosa. Por vezes é preciso mesmo entrar na pocilga para lhe sentir o cheiro.

Depois, como se a desautoridade das autoridades fosse normal, os juízes condicionados por uma lei permissiva e por um parque prisional a rebentar pelas costuras, invariavelmente devolvem os suspeitos (e é interessante esta terminologia quando os casos são de flagrante delito), à procedência, e à recorrência do crime, aos furtos, assaltos e agressões, tantas vezes mesmo no próprio dia.

Em suma e em resumo, um sentimento geral de impunidade que leva a que quem anda nessa vida continue a considerar que vale a pena porque o risco e castigo são frouxos. Simultaneamente os agentes sentem-se impotentes para actuar e passam a ser meros bonecos e arriscando as suas vidas face à criminalidade que pela frente não hesita em disparar ou albarroar. 

Por esta recorrência não penalizada, ainda há dias queixava-se alguém da empresa Cavalinho, cujas lojas no nosso concelho têm sisdo sistematicamente assaltadas, que assim é complicado e desmoralizador, com os assaltantes a serem detidos e soltos na hora, prontos para o mesmo, quase numa atitude de gozo e escârneo.

A par disso, temos obviamente um código penal suave em que tanto paga quem mata um como quem mata 1000. Espanta, assim, que António Costa, simultaneamente primeiro ministro e candidato ao mesmo posto, aproveite com demagogia e deturpando o que Rui Rio disse sobre as condições e critérios de aplicação de pena de prisão perpétua, de resto prevista e ou aplicada, e bem, na maioria dos países europeus, porque há crimes tão hediondos e injustificáveis que a quem os pratica de forma planeada, fria, calculista e insensível não é merecedor de qualquer sentimento de humanidade. 

Mas António Costa parece ser dos que acha quem sim. Com ele, os autores dos massacres em Paris ou dos ataques às torres em Nova Iorque apanhavam 25 anos e ao fim de 10 ou 15 estavam cá fora, curados e redimidos para uma vida exemplar e santa ao serviço da sociedade, como se todos aqueles milhares de vítimas e famílias destroçadas para o resto das suas vidas, fossem apenas números e estatísticas. Custa a crer.

É certo que este tema é sensível porque mexe com questões de natureza religiosa, humanista e civilizacional, mas o nosso sistema é no geral muito permissivo e benevolente com o criminoso e desleixado e indiferente para com a vítima e com as forças da ordem sem ordem para exercer a autoridade quando à força é preciso recorrer. 

Obviamente que não se defende aqui a pena de morte, ou a lei do olho-por-olho, dente-por-dente, ou coisa que o valha, mas de facto a prisão perpétua, mesmo que com determinados e proporcionais critérios face à natureza dos crimes, sobretudo de natureza terrorista e de massacres indiscriminados, é mais que racional e compreensível que seja considerada e prevista. 

Para concluir, neste estado de coisas, de desautoridade da autoridade, de laxismo, indiferença e sobretudo de sentimento de impunidade  para os criminosos e desrespeito, injustiça e indiferença por quem é vítima, não surpreende que nos estejamos a pôr a jeito para o crescimento de certos extremismos.  Não tarda, colheremos os frutos da nossa sementeira.

6 de janeiro de 2022

Importa não esquecer

Ouvir Catarina Martins esgrimir com Rui Rio a questão da prisão perpétua, não deixa de ser interessante e paradoxal. 

Concordemos que a justiça não pode ser vingança, mas também não pode ser um ninho de acolhimento de terroristas, como os fascínoras da FP 25 de Abril, que em rigor nunca cumpriram as penas pelos crimes de sangue, incluindo o assassínio de um bébé.

Alguns desses operacionais encontraram ninho no Bloco de Esquerda. Ainda andam por lá! 

Otelo, um terrorista sofisticado, morreu para muitos como um herói nacional. É certo e indesmentível que foi importante o seu papel nos aconteciemntos da revolução de 25 de Abril de 1974 que levaram à queda da ditatura de Direita mas depois o seu caminho tornou-se demasiado tortuosos e pretendia levar a uma ditadura de Esquerda. Não o conseguindo pela via democrática enveredou pela da criminalidade e terrorismo.

Por conseguinte o seu papel na revolução tem que ser reconhecido mas não pode ofuscar ou suplantar todo o seu posterior percurso nomeadamente o que teve na organização terrorista FP-25 de Abril, com graves crimes de sangue dos quais em rigor nunca foi feita justiça, tanto para os criminosos como para as vítimas.

A amnistia soarista foi uma coisa lastimável e vergonhosa em nome de uma certa necessidade de apaziguamento da sociedade. Convinha ao regime fazer de conta que tudo aquilo nunca aconteceu. Optou-se pela erosão de todo o processo e as picadas no balão para que aos poucos fosse esvaziando. 

Tal como do facismo e seu intérpretes, importa igualmente não esquecer. O seu a seu dono e cada coisa no seu lugar. 

5 de janeiro de 2022

O filho da tal


Manso como um cordeiro alvo e fofo, o Alcininho sujeitou as mãos a uma ejaculação de gel higienizante e esfregando-as como de contente, seguiu as ordens da assistente jeitosa e sentou-se na cadeirinha desconfortável. 

Preencheu a ficha de rajada e na matriz do totobola do questionário só deu X. Dali a vinte minutos era chamado juntamente como mais um grupo a dirigir-se ao balcão para o check-in no processo de vacinação. Abriu os olhos à fila mais curta, um passo largo à frente e despacharam-no rápido: - Vai ser a Moderna! - Informou a menina sem levantar os olhos. O Alcininho agradeceu e pensou para consigo: - Até podia ser a antiga. Quero é despachar!

Correu despachado para a fila em forma de serpente. O casal que até ali, desde que entrara na bicha, sempre estivera na sua frente, foi ultrapassado nesta etapa. - Mas então este artista não estava atrás de nós desde lá de fora? - Sussurrou ela, empertigada, ao marido. - Pois estava! Filho da puta! Não sabe respeitar as pessoas! É só artistas!

O Alcininho, uns metros mais à frente, distraído e alheado do mimo, olhou então para trás e apercebendo-se que o casalinho perdera o lugar de entrada, recuou e simpaticamente fez-lhes sinal para passarem à sua frente, retomando o justo lugar. - Ah! Obrigada! - Murmurou a senhora, encabacada. Encostando-se ao ouvido do marido segredou: - Afinal o fulano até foi correcto, e tu a soltar-lhe os cães! - Quero lá saber... Não fez mais que a sua obrigação! - Respondeu, encolhendo os ombros e coçando discretamente os tintins.

A fila lá seguiu, contorcendo-se lentamente pelo átrio do auditório. Dali a meia hora, como um Ferrari a fumegar, o Alcininho lá entrava na box sorrindo para a enfermeira baixinha. Esta, indiferente, cravou-lhe a pica mesmo a meio do coração onde na tropa tatuara "Amor de Mãe" (a mesma há pouco ofendida) e depois das recomendações do gelo e do ben-u-rom, matou o tempo no recobro a ver gajas no Tinder. 

Escapou de boa, o Alcininho, pois durou apenas uns segundos o passar de "filho da puta" a pessoa correcta.

A vida é mesmo assim, feita de primeiras impressões. E contra elas não há vacina que resulte.

É só artistas!

Lá terá que ser...

- Então, por aqui?

- É verdade!

- Para a 3ª dose?

- Pois! Tem quer ser!

- Esperemos que seja a última!

- Não sei, não! Se calhar vai durar e lá para o verão, estamos aqui para a 4ª!

- Será?

- É capaz, é!

- Se calhar, lá terá que ser!

- Pois, terá que ser! Como cantam os Deolinda, o que tem de ser tem muita força! E sei que vai ser, porque tem de ser.

E lá foram os dois para a fila que serpenteava como uma cobra a enfeitiçar o passarinho, antes de oferecerem o braço despido à espetadela da víbora.

No fundo, protestámos, refilamos, mas somos todos mansos cordeiros. A nossa sociedade, dizem, é livre e democrática, mas feitas as contas, antes como agora, vamos para onde nos mandam e temos que fazer o que querem que façamos. 

Mas tudo é mais sofisticado porque num sofisma intrincado em que somos levados a crer que nós é que decidimos o que fazer. 

Será assim?