1 de agosto de 2023

Uma imagem que precisa de mil palavras


É da gíria dizer-se que uma imagem vale por mil palavras, mas nem sempre a imagem só por si é reveladora de tudo quanto possa dizer. Nem sempre tem a objectividade óbvia, a leitura clara e por isso importa que o texto, as palavras, complementem tanto o que os olhos veem como o que está para além dela.

Uma imagem pode mostrar, por exemplo, um simples caminho, com pedras gastas pelo tempo e para muitos olhares não passará disso mesmo, um trecho incaracterístico já gasto por passos e rodados de outros tempos, agora pouco percorrido, desinteressante e mais ou menos similar a muitos outros. Mas as palavras podem acrescentar que é um trecho de uma milenar calçada romana, das muitas realizadas por todo o império e que ligavam cidades, províncias e regiões, da Hispânia, Gália e Britannia a Roma, segundo técnicas de construção que permitiram que chegassem sólidas aos nossos dias, quando, obviamente, não destruídas pela voragem dos tempos modernos e pela indiferença e indistinção dos valores do património histórico e cultural.

Mas adiante, porque a imagem que ilustra este artigo nada tem a ver com romanos, suas estradas ou outras façanhas de engenharia. Mas, como um caminho, ainda que metaforicamente, a imagem com a casa e o espaço onde se ergue, conduzem a outros tempos e lugares, a pessoas e a momentos, unicos e singulares.

Para quem não conhece, esta casa ali nas traseiras da capela do Viso, foi de meu bisavô paterno, Raimundo Almeida, depois de seu filho Joaquim, meu avô, que a ampliou e que já pelo fim da sua vida a transmitiu a alguns dos seus filhos, uma parte das quais a meu pai. Por conseguinte, pertence por herança e por aquisição de algumas das partes a alguns dos irmãos, a meus pais, e ainda uma parte inferior a primos. 

Pela sua antiguidade, pelas vicissitudes e efeitos de desgaste do tempo, bem como ainda por não pertencer todo o edifício a uma só propriedade, por conseguinte com os obstáculos inerentes a um edifício que é de todos e de ninguém, certo é que se tem acentuado o seu desgaste e por isso está hoje em dia com um aspecto triste e decadente, de resto como tantas outras similares construções, espalhadas pelo nosso concelho como por outros, nem sempre, ou nunca, protegidas no seu valor arquitectónico pelos organismos e instrumentos de gestão territorial, ficando assim entregues às garras do tempo e de outras vontades urbanísticas. No fundo são, em muito, umas ilustres casas de Ramires, testemunhando a decadência de homens e seus tempos, porque o tempo e as suas mudanças não se compadecem com lirismos de nobres tempos antigos e dos seus vetustos valores. O progresso e o vendaval das suas mudanças trouxeram igualmente rupturas e decadência porque quase sempre num barco a navegar sem homens ao leme.

Em grande parte, estas casas ditas de lavrador eram os solares de gente abastada mas que vivia essencialmente do seu trabalho e da vida ligada ao campo, à floresta e aos animais. Gente que no geral não nascia já rica por desígnio maior, mas que se fazia a si própria com muito sacrifício, trabalho e esforço. Por conseguinte, são estas casas uma espécie de solares minhotos ou beirões, bem mais modestos, sem brasão no cimo do portão da entrada, porque não foram erigidas sobre dinheiro de emigrantes fazendeiros arrancado lá pelos brasis, ou de condes, viscondes ou morgados, ou de qualquer outro título de nobreza de fachada, tantas vezes cimentada à custa do suor dos demais que os serviam a preço de uma côdea e água por jeira. Ainda por um oportunismo avaro da ignorância inocente de gente mal remediada. Sempre foi assim porque "em terra de cegos quem tinha um olho era rei". 

Não faltam, pois, por aí e mesmo por aqui, histórias de gente e famílias que foram salteadas em cartórios, porque quem sabia ler e escrever redigia contratos e escrituras que eram assinadas literalmente de cruz. Surripiar à luz de contratos ardilosos várzeas e soutos a gente boa mas iletrada, era como roubar doces a bébés. Assim se consolidaram fortunas, ampliaram tapadas e largas ribeiras, ao abrigo do resgate por incumprimento tantas vezes falhado, não por falta de palavra, que era lei e honra, mas por ratoeiras e estratagemas de clérigos e doutores.

Mas adiante, porque ali por aquela casa do Ti Jaquim do Viso sempre morou gente, não tica mas remediada e sobretudo honrada, e não fosse assim, o património de terras ao luar seria imensuravelmente superior. Ainda sobrou um bom naco e feita a partilha ainda em vida, cada um dos muitos filhos pôde herdar um bom quinhão composto de leiras, campos e matos, porque dinheiro vivo esse era raro, mesmo em casa dos mais abastados lavradores. Pena que apenas alcondorados em montes íngremes e ribeiras apertadas, longe das ruas que ladeiam o casario e que o progresso urbanístico valoriza. Servem agora para pasto de chamas e alfobres de giestas e tojo. E nem o raio da auto-estrada ali passou para serem expropriadas a preço de ouro. Por ali até o diabo perderia as sandálias.

Todavia, em rigor não é principal propósito deste texto falar da casa em si, embora naturalmente me entristeça assistir à sua decrepitude num misto de naturalidade e impotência. Acima de tudo,  pela sua proximidade, porque ali à sombra da capela de Nossa Senhora da Boa Fortuna e Santo António, quero realçar a relação da casa com o nossa festa do Viso. 

Tanto a capela como a parte mais antiga da casa serão mais ou menos contemporâneas, por isso construídas ali pelo ano de 1869 onde naquele monte nascia apenas carqueja, esteva e alguns sobreiros. Por conseguinte, a casa e a gente que nela foi habitando, em diferentes tempos e gerações, assistiram a muitas festas, a momentos de devoção, de partilha e diversão. Gente que trabalhava no campo mas que naquele dia, no primeiro Domingo do estival Agosto, celebrava a vida na abundância de uma pipa de vinho aberta e do sacrifício de um porco ou galo subtraídos ao aido ou à capoeira. Ainda e principalmente a celebração da fé e a sua religiosidade na figura e invocação materna de Maria, sob o título de Nossa Senhora da Boa Fortuna. Também a Santo António porque por esses tempos o gado e os animais tinham valor de gente e o lisboeta que morreu francsicano em Pádua era o seguro a quem se recorria. Não surpreende que por ele e na exaltação das suas virtudes ali no púlpito da capela, em dias de festa, se tenham proclamado inflamados sermões por abades mestres da oratória, principalmente em tempos em que a importância de chamar um afamado pregador tinha a mesma que agora contratar um Quim Barreiros ou outro que tal.

Havia foguetes, bandas de música, como sardinhas em lata aninhadas em pequenos e coloridos coretos; tascas a aviar vinho e iscas de bacalhau. Na própria casa funcionou durante muitos anos uma mercearia e taberna que nesses dias de festa eram uma roda viva de forasteiros com o balcão repleto de copos de quarteirão inundados de vinho a empurrar azeitonas, iscas e pataniscas; havia à volta da capela tendas onde se vendia fruta e sobretudo melão que grupos de rapazes e namorados compravam a partilhavam em doces talhadas ali à sombra do velho sobreiro; havia concertinas, harmónicas, violas e bailaricos onde homens e mulheres, rapazes e raparigas ganhavam ali o direito e permissão para se enlaçarem ao ritmo de um vira ou malhão.

Chegava gente com promessas a cumprir, da nossa terra mas também das aldeias vizinhas, de Louredo, do Vale e Romariz, entre outras. Durante muitos anos, ainda criançola, habituei-me a ver ali as mesmas pessoas que depois da missa estendiam a toalha à sombra do sobreiro ou das austrálias e a cesta de verga paria coisas boas, como enchidos, doces e fruta.

É claro que com o tempo foram envelhecendo, os romeiros e a casa  avoenga, esta perdendo as suas cores, atapetando-se já o musgo nas paredes e telhado, cumes levantados pelo vento, que no Viso sopra mais alto. Também as pessoas que ali passaram as suas vidas, subindo e descendo escadas, abrindo e encerrando portas e janelas, também, uma a uma, foram partindo e no que diz respeito à festa, senão radicalmente, é pelo menos diferente, mas com coisas e ritmos que permanecem imutáveis tanto hoje como há cem anos, desde logo a fé, a devoção, o amor à terra e às suas coisas. A casa e a capela, como irmãs, já velhinas, permanecem ali, de algum modo imutáveis nos seus alicerces sob a fraga do monte, na sua essência e na sua alma mesmo que desbotadas na cor e com a cal e o saibro a cairem às lascas. 

Pode mudar tudo, porque até as pedras envelhecem, mas que não se mude nem perca o mais fundamental: a alma, a nossa identidade, o sentido de pertença e o respeito por nós próprios e pelo terrão onde se implantam as nossas mais profundas raízes. Quando estes valores forem desconsiderados e mesmo esquecidos, então, mesmo que não mortos, estaremos irremediavelmente pobres, ocos e escancarados como uma velha casa sem telhado, sem portas e janelas ou se ainda com elas, já empenadas e sem gonzos. 

Há imagens que precisam de mil palavras, mas estas serão sempre escassas e insuficientes na descrição que se queira fazer sobre as visões que apenas estão presentes no mais profundo de cada um de nós.

Esta imagem, pois, para além dela própria, tem muitas outras que mesmo que invisíveis são bem mais indeléveis porque profundas.

Momentos marcantes...

Não sendo, para o caso, importante a identificação, fica aqui, no entanto, o agradecimento das jovens peregrinas alemãs de origem vietnamita, acolhidas cá em casa, em resposta ao também nosso agradecimento e despedida na expectativa de que a sua experiencia entre nós pudesse ter sido plenamente enriquecedora:

"Américo e Preciosa, nós é que devemos agradecer a vocês.

Por concordarem em nos receber sem nem mesmo saberem quem viria, por nos acolherem de braços abertos e permitirem que conhecêssemos seus amigos e familiares.

Foi fascinante aprender, comer e celebrar a cultura. É muito diferente do que estamos acostumados, mas ainda assim conseguimos aproveitar tudo graças a você.

Tivemos um ótimo tempo e esperamos visitar Portugal novamente no futuro. Seria maravilhoso nos vermos novamente.

Do nosso lado, se você algum dia quiser visitar a Alemanha, nós te receberemos de braços abertos.

Devido à nossa herança vietnamita, você também teria a oportunidade de conhecer duas culturas diferentes enquanto estiver lá, então se você quiser fazer a viagem, com certeza valerá a pena.

Mais uma vez, obrigado por nos proporcionar um lugar para descansar e recarregar as energias, por nos dar a oportunidade de conhecer e aprender sobre sua cultura.

Foi realmente uma experiência única na vida. Obrigado.

Desejamos e rezamos por sua saúde, que os momentos felizes sejam sempre longos e os momentos difíceis sejam curtos."


Em resumo, creio que este agradecimento é sincero e revelador da importância que as pré-jornadas da JMJ 2023, nomeadamente os momentos vividos com as famílias de acolhimento, tiveram para os jovens envolvidos. 

Creio ser importante este testemunho, que certamente não será diferente do de qualquer um dos mais de 100 jovens que passaram pela nossa comunidade inter-paroquial, e quiçá os que estiveram espalhados por todo o nosso país e regiões autónomas, e que em muito ajuda a perceber o que de positivo se revelou para ambas as partes, mesmo que, conforme já por aqui escrevi em jeito de resumo,  tivesse sido possível fazer diferente.

Questionário para frequentadores de festas de aldeia

Um estudo de mercado é uma pesquisa sistemática e detalhada que tem como objetivo analisar e compreender o ambiente e as condições em que um determinado produto, serviço ou ideia será comercializado. Ele é realizado para obter informações relevantes sobre o mercado-alvo, os consumidores, os concorrentes, as tendências, as oportunidades e os desafios que possam afetar o negócio em questão. Essa análise é fundamental para auxiliar na tomada de decisões estratégicas de empresas, empreendedores e instituições governamentais e até mesmo uma Comissão de Festas.

Assim, importará, talvez, a quem organiza uma festa de aldeia saber o pensamento da maioria dos potenciais visitantes. Daí e com esse propósito poderá ser feito um questionário junto das populações para apalpar o pulso à coisa e para em face dos resultados ser possível tomar as melhores decisões e assim garantir o êxito da mesma coisa.

Fica, pois, de seguida, uma versão de um questionário possível, com apenas 15 questões de resposta múltipla para não se perder muito tempo a responder:


Questionário para frequentadores de festas de aldeia


1 - Costuma ir à festa anual das aldeias?

A - Sim! Eu vou a todas!

B - Mas ainda se fazem? É dinheiro fodido à toa!

C - Não! Prefiro ficar no sofá a ver a CMTV ou a Fanny.

D - Vou, mas contrariado, só porque a mulher/marido obriga.


2 - Quando vai, entre primeiro na capela ou igreja para rezar aos santos?

A - Primeiro vou à tasca mamar uma bejeca.

B - Vou sempre. Rezo uma oração e depois siga a diversão.

C - Não sei rezar, mas vou ver as flores dos andores. Tão bonitas!

D - Vou rezar, mas não ajuda quando lá fora o Quim Barreiros canta o "Chupa Teresa"


3 - Gosta mais de cantores pimba ou bandas de baile?

A- Gosto mais das bailarinas.

B- O que vier morre.

C- Gosto mais da Cuca Roseta. Aquele traseiro...

D- Prefiro os "Irmãos Leais"


4 - Gosta mais de ficar a assistir ou dançar?

A- Gosto de ficar sentado a ver a banda.

B- Festa sem dança não presta.

C- Eu é mais tasca.

D- Fico só a ver o ambiente e as cenas.


5 - Se fosse parte da Comissão de Festas, como é que gastaria o dinheiro?

A- Primeiro fazia obras na capela/igreja. O que sobrasse era para a festa.

B- Estourava-o todo em foguetes.

C- Contratava os Rolling Stones.

D- Contratava o Padre Borga.


6 - Acha importante que uma festa de aldeia tenha uma Banda Filarmónica?

A - Acho que não pode faltar, pois faz parte da tradição.

B - Dispenso! É sempre a mesma coisa e sempre a mesma banda. Pó. pó, pó, pó!.

C - Se não tiver banda não dou os meus 5 euros de oferta.

D - Adoro! A missa e a procissão solene não seriam a mesma coisa sem a banda.


7 - Se fosse da Comissão de Festas, quem contrataria entre estes 3 artistas, o José Malhoa, o Quim Barreiros e a Mónica Sintra?

A - Nem uns nem outros, antes pelo contrário.

B - Preferia o pequeno Saúl, mas ele agora está grande.

C - Você faz cada pergunta difícil...contratava os 4!

D - Se a Junta de Freguesia e o Mestre da Cor ajudassem contratava os 5 e ainda o Augusto Canário, a bomba da Ana Malhoa e ainda os 3 Carreiras.


8 - O que é que mais aprecia numa procissão solene numa festa de aldeia?

A - Os andores, tão bonitos com flores, lenha de poda, casca de palmeiras e rosas azuis.

B - Gosto de ver os homens de calção e sapatilhas a levaram bandeiras e lanternas. Ficam tão bonitos com aquelas opas vermelhas.

C - Gosto de ver as criancinhas mascaradas de três pastorinhos.

D - Gosto de ver a Banda a passar a tocar a marcha da "Transfiguração" a respirar o incenso.


9 - Costuma participar na missa solene?

A - Raras vezes, pois são sempre em cima do meio dia. Deviam ser pelas 8 horas da matina.

B - Não posso falhar. É o momento mais significativo da festa.

C - Gosto de ouvir o pregador a pregar a pregação.

D - Vou, pois gosto daquele ambiente solene com muita fumarada de incenso e foguetes a Santos. Até me vêm as lágrimas aos olhos.


10 - Costuma pagar a sua oferta à festa antes ou no dia da mesma?

A - Sou muito esquecido pelo que pago quando é feito o peditório.

B - Pago mesmo na última hora. É tradição da casa.

C - Pago só depois de ver se a coisa correu bem.

D - Se puder faço-me esquecido e não apareço para pagar, pois se o dinheiro sobrar eles já não vêm chatear.


11 - Se houver saldo positivo como deve ser aplicado?

A - Todo para o padre.

B - Deve ser gasto na conservação da capela/igreja.

C - A Comissão de Festas deve fazer uma jantarada com marisco e leitão, pois merecem.

D - Deve ser passado para a Comissão do próximo ano na condição de ser aplicado em foguetes.


12 - Na missa e procissão solenes é importante convidar pessoal da Junta e da Câmara?

A - Os da Junta vêm quase sempre a não ser quando vão para o Algarve. Já da Câmara, depende da importância eleitoral da terrinha. Mas é importante porque o respeitinho é muito bonito.

B - Não ligo a isso. Aos olhos de Deus somos todos servos inúteis.Por mim nem me incomodava a convidá-los.

C - É importante, pois são gente importante, e fico sentido quando o presidente da Câmara vai à freguesia vizinha e põe fotografias no Facebook e não vem à nossa. Lá de casa, são menos 5 votos.

D - Acho que não! No fundo é só protocolo e  é tudo uma feira de vaidades. Preferia que viesse o presidente da Confraria do Chouriço Bem Cheio.


13 - No geral o que mais gosta na festa da aldeia, a parte religiosa ou a profana.

A - A parte religiosa deve ser sempre a mais importante.

B - Por mim acabava-se com a parte religiosa. Só pimbas e comediantes a dizer asneirolas.

C - Deve haver um equilíbrio pois há lugar para ambas.

D - Já não há respeito pela parte religiosa. O povo quer é farra e comes e bebes. Uma vergonha!


14 - Acha que a Viagem Medieval prejudica as festas de aldeia quando coincidem?

A - Claro que sim. Mas o que é que se há-de fazer? Acha que isso os incomoda?

B - Não! Não faz mossa e que me importa a mim que vão para lá pagar cerveja a preço de Barca Velha, comer  sandes de porco a preço de Filé Mignon e tremoços como se fossem camarões?

C - Não aquece nem arrefece. De resto quanto mais gente mais pó e cheiro a suor e a mijo.

D - Por mim troco a nossa festa pela Viagem Medieval. Por mim aquilo duraria 13 meses por ano.


15 - Finalmente, uma só palavra que defina as nossas festas de aldeia?

A - Lindas!

B - Tradição!

C - Vaidades!

D - Pró ano há mais! (desculpe mas só sei contar até dois).

31 de julho de 2023

Onde habita o segredo


Para lá das portas onde habita o segredo

Há labirintos intrincados, imaginários;

Teu corpo é prisão que me tem em degredo

Onde vou penando por pecados solitários;


Não sei quantos quartos tens fechados

E neles quantas camas já remexidas,

Com lençóis húmidos de corpos suados

Onde se encontraram ou perderam vidas.


Mas há em mim esta constante tentação

De te ter toda aberta, acolhedora, pura,

Possuir a chave mestra da fechadura,

Aceder à profundidade do teu coração.


Não sei que segredos guardas, zelosa,

Como a mais bela pérola a rude ostra,

Como espinhos a envolver a suave rosa,

Como seguro jogador a fazer a aposta.


Não sei que segredos tens escondidos

Nem em que gavetas e cofres encerrados,

Tão pouco se os tens, porque já perdidos,

Ou se apenas, sem pena, desencontrados.


A.Almeida - 31072023

Sofreguidão


Possa eu condensar todas as histórias,

Como espremer o sumo de uma laranja,

Beberei a doçura de tantas memórias

Num trago só, quanto a sede abranja.


Vigorado nessa densa, doce frescura,

O meu ser, todo eu ficarei então assim,

Saciado de uma sede sôfrega, pura,

De condensar-me no princípio e fim.


A.Almeida - 30072023

Festa de Nossa Senhora da Boa Fortuna e Santo António - 2023 - Procissão

Tarde de Domingo da nossa festa do Viso - Guisande. Esperando não ter feito mal a contagem, creio que foram 15 os andores que integraram a procissão solene na edição deste ano de 2023, em honra de Nossa Senhora da Boa Fortuna e Santo António, sendo que repetida a imagem da Senhora de Fátima .

Mesmo que na velha ideia de que é possível fazer sempre mais e melhor, pareceu-me que a nossa procissão deste ano teve os principais ingredientes para a sua valorização, com muitos participantes, muita assistência ao longo da extensão do percurso, e como resultado da devoção, empenho e esforço de muitos, fosse de forma mais visível ou discreta. A decoração do percurso esteve interessante e muito colorida e que deveu-se ao esforço de muitos que se privaram de momentos de convívio familiar para ali estarem na sua elaboração.

Apesar disso, a procissão solene na nossa festa não é melhor nem pior do que as de outras terras, porque estas coisas devem valer sobretudo pela devoção e fé e não tanto pelo aparato das decorações, do número de andores e da riqueza dos arranjos florais ou da passadeira na rua, mas é muito nossa e como tal a todos deve orgulhar por vários aspectos, desde logo o tal cumprimento da devoção para com Jesus, Nossa Senhora da Boa Fortuna e demais santos e santas de Deus e ainda pelo cumprimento do dever de uma comunidade que se une para celebrar, comungar e partilhar. É isso que importa. É isso que deve valer. O resto tantas vezes é acessório e fogo de vista, que pode deslumbrar o olhar mas que pouco vale aos olhos de quem, superiormente julga, o Altíssimo. Mas creio e quero acreditar que nestes actos de devoção, por Ele somos perdoados por algumas vaidadezinhas e pelas nossas limitações humanas.

Parabéns a todos quantos tornaram possível esta importante manifestação de devoção, sem dúvida um dos pontos altos da nossa festa.

Foi ainda importante e enriquecedor, que tantos jovens estrangeiros tivessem experienciado esta nossa manifestação religiosa, social e cultural, identitária da nossa comunidade. De resto, as jovens que foram acolhidas na minha casa tiveram a oportunidade de também elas transportarem por algum tempo um dos andores de Nossa Senhora. Ficaram sensibilizadas por esta oportunidade de vivência e partilha. 

Ainda de registar a honrosa presença de Matthias König, bispo auxiliar da Arquidiocese de Paderborn, Alemanha, que aqui se deslocou para expressar na primeira pessoa o agradecimento à nossa comunidade pelo acolhimento dedicado aos jovens da sua diocese. 






Lista dos andores integrantes:

Nossa Senhora da Boa Fortuna

Santo António

S. Mamede

Senhor do Bonfim

Senhora das Dores

Nossa Senhora do Rosário

Nossa Senhora de Fátima - 1

Nossa Senhora de Fátima - 2

Sagrado Coração de Maria

Menino Jesus de Praga

S. José

S. Sebastião

Santa Teresinha

Santa Gema Galgani

Santa Rita

Um saldo positivo mas que poderia ter sido melhor

Terminaram as ditas pré-jornadas da Jornada Mundial da Juventude e os muitos jovens peregrinos internacionais que um pouco por todo o lado estiveram perto das nossas comunidades, nomeadamente integradas em famílias de acolhimento, foram ou estão já a caminho para Lisboa onde decorrerá o evento maior durante esta primeira semana de Agosto.

Como nota prévia, sem rodeios, pela minha parte, enquanto membro de família de acolhimento e enquanto comunidade, a experiência foi muito positva e enriquecedora.

Importará agora, talvez, fazer um pequeno resumo ou um balanço dos dias que por cá passaram, concretamente na nossa comunidade inter-paroquial de Guisande, Pigeiros e Caldas de S. Jorge. Assim, e tendo em conta apenas a minha experiência como parte de uma família de acolhimento, parece-me, e ressalvo que é somente a minha opinião em face da experiência pessoal e familiar, que o programa delineado para a semana desta pré-jornada poderia ter contemplado alguns outros aspectos que dessem ao relacionamento e partilha dos peregrinos acolhidos com os acolhedores um maior espaço e tempo e deles uma dinâmica mais pessoal. 

Conforme foi programado e executado, parece-me que os momentos exclusivamente familiares, senão poucos, foram pelo menos curtos e basicamente circunstanciais. Os jantares (no nosso caso apenas por 3 vezes) foram sempre condicionados pelo horário, porque entre o momento de recolher os jovens depois dos eventos do dia, dar-hes tempo para tomarem banho, comerem e de novo levá-los aos locais dos eventos da noite, tiveram manifestamente pouco tempo. Foi uma correria constante entre refeições e eventos. Ainda, no grupo Whatsapp criado para o efeito, alguma descoordenação na informação de horários, a várias vozes e com informações por vezes contraditórias ou confusas. Chegou mesmo a anunciar-se que a missa de Domingo na capela do Viso seria transmitida pelo Porto Canal. Obviamente que um inocente lapso já que a transmissão se referia à celebração da missa na cidade do Porto, no Sábado. Também quanto a transportes, o que foi informado que inicialmente era uma desobrigação, para além de facilitar a básica deslocação para os pontos de recolha em cada paróquia, acabu por se tornar quase um imperativo e não fosse assim não sei como seria para muitos dos peregrinos ir ou regressar dos eventos.

Sendo certo que alguns momentos programados para as noites eram abertos às famílias e comunidade, em rigor e pela dinâmica própria de diferentes gerações e ainda porque alguns dos acolhedores (como nós) estavam em período de trabalho, com horários a cumprir, não podemos dizer que o contexto tenha sido o ideal a essa interactividade. Por conseguinte, apesar da experiência globalmente positiva e de nossa parte tudo fazermos para que houvesse uma plena partilha com as peregrinas acolhidas, em rigor, analisadas as coisas, sobretudo pela limitação de tempo e circunstâncias da programação, fomos, em certa medida,  famílias de alojamento e não tanto de acolhimento. Com quem na mesma situação de família de acolhimento fui falando, a percepção era semelhante.

Creio que uma forma que poderia contribuir para esse melhoramento das condições, seria que os momentos após os jantares ficassem exclusivamente reservados por conta das famílias que assim poderiam levar os peregrinos a outros pontos e experiências. Mas não foi assim! Parece-me que por parte dos programadores, mesmo que com a melhor das intenções, houve uma preocupação em dar divertimento aos jovens, com boas doses de concertos, música e dança, como se no fundo e em grande medida as suas necessidades se resumissem a isso. Parece-me que no contexto de uma jornada com cariz ecuménico, é certo, mas também e sobretudo católico, os momentos de diversão poderiam ser um bocadinho menos expressivos a favor de outros que privilegiassem o tal espaço, tempo e contacto alargado com as famílias de acolhimento, porque estas foram peças fundamentais não só logísticamente como nas vertentes social e cultural da dinâmica da semana.

Mas, isto sou eu a falar com os meus botões e, passe esta impressão e sensação de constante correria, conforme disse na nota prévia não deixo de considerar a experiência globalmente muito positiva e merecedora de enaltecimento ao empenho e dedicação de muita gente nas diferentes comunidades, como o pároco, os grupos de jovens e não só, que trabalharam e coordenaram toda esta dinâmica.

A todos, nomeadamente aos da nossa paróquia, bem hajam!.

Quanto aos jovens estrangeiros que passaram por cá esta semana, um desejo de que a mesma tenha sido positiva e enriquecedora e que levem de Portugal e dos portugueses uma imagem positiva da sua forma de estar e acolher. Nós sabemos, queremos e gostamos de acolher, não a qualquer preço, mas de gente com vontade de também dar contributos e desde logo o respeito e esforço de integração na cultura e identidade do país que acolhe. Quem cá chega em contextos de mero mercantilismo, oportunismo de um certo laxismo ou facilitismo das entidades públicas e do estado social, impondo e fazendo querer prevalecer os seus hábitos e culturas, não são bem vindos, porque nada acrescentam. 

Como cantava o Zeca Afonso, quem vier por bem, traga outro amigo também!