19 de setembro de 2022

Náufrago do tempo


Eis-me aqui, todo em pleno mar,

Sem farol a guiar a porto seguro,

Sem barco, sem âncora, nem bóia

Em água temerosa.


Fugi, perdi-me para me encontrar,

Mais livre, solitário, mais puro,

Como quem busca tesouro ou  jóia

Mais rica, valiosa.


Talvez nesta imensidão ondulante,

Espelho da negrura da alma e céu,

Eu encontre uma rocha firme, a fé,

Que me resgate desta morte certa.

Serei então um solitário mareante

Digno, sereno, despojado de labéu,

Um novo e renovado homem Crusoé

No reencontro da ilha deserta.


Eis-me aqui, náufrago em verdade

Já com fundada, renovada esperança,

Porque passada a dor, a tempestade, 

Ressurge a doce e vindoura bonança.


Eis-me aqui, vivo, já fora do mar,

Seguro, mesmo que a noite caia,

Porque um homem pode naufragar

Mas dará sempre à sua praia.

16 de setembro de 2022

Gente nossa - O José Almeida está de parabéns!



Porra! Anda um homem a escrever coisas bonitas e sentidas para os de fora e não as há-de escrever sobre alguém da família? 

Mas olhem que não é fácil, porque nestas coisas de enaltecimentos, os famíliares são sempre os mais poupados, não porque esquecidos ou menosprezados, mas um pouco como o pai do filho pródigo no tratamento para com o seu primogénito: - Filho, tu estás sempre comigo, e as minhas coisas são as tuas!

Mas a verdade é que esta parábola é mesmo difícil de mastigar, ao alcance  de poucos na sua aplicação, mas por isso, por quase impossível ao entendimento pelos olhos da nossa frágil humanidade, é que Cristo a contou como exemplo. Mas, retomando, nestas coisas de falar dos outros, estes são os filhos pródigos e os da casa, os filhos mais velhos. Creio estar desculpado ou pelo menos justificado.

Mas, hoje, a propósito do seu aniversário, e nem importa saber quantos, quero dar uma palavrita ao José Almeida, meu primo por parte dos nossos pais, o meu, o António, o dele, o Joaquim.

O José Almeida, o Zé ou o Zé da Glória, está naturalmente mais mole porque com o peso dos anos, os ensinamentos da vida e as artimanhas dos ossos. Mas mesmo que ainda com uns arrebates dos velhos tempos, já não é o que era de impetuoso, e por isso para melhor. Tinha um temperamento de mar do norte, ora calmo e sereno, ora a levantar ondas e tempestades. A bem dizer, fervia em pouca água, mas com a particularidade de apenas quando sentia que estava a ser desrespeitado ou desconsiderado.

Perdoar-me-á, mas só para atestar esta fácil fervura, partilho um episódio testemunhado na primeira pessoa: Houve uma altura em que o acompanhava à lota a Matosinhos onde comprávamos peixe congelado. Ao chegar, no parque de estacionamento estava ali um lugar disponível, mas ele precisava de dar a volta com a sua carrinha e então pediu-me que ficasse a guardar o lugar enquanto manobrava. Assim fiz, mas entretanto chega de rompante um chico-esperto, que mesmo contra a minha indicação de que o meu primo já ali vinha estacionar, ignorou e estacionou. Pois, bem! Ali chegado e posto ao corrente, o meu primo enfrentou o tipo com impropérios, sacou de uma espécie de bacamarte de partir queixadas, que tinha algures na carrinha, e o condutor espertalhão, perante aquela tempestade vulcânica não teve outro remédio senão, com o rabo entre as pernas, esgueirar-se a ir procurar abrigo. É que se não fosse isso, e a propósito do local, ele iria apanhar umas valentes solhas, congeladas, porque mais duras. Mas felizmente, a coisa resolveu-se, senão iria ser ali uma peixeirada. E num instante o Zé já estava outra vez envolto em bonança, calmo, sereno, a encher a carrinha de peixinho do mar do norte.

Mas apesar desta sua característica, o Zé é uma pessoa com uma enorme bondade e disponível para ajudar. É certo que esse seu temperamento por vezes dificulta as coisas, para ele e para quem com ele convive, mas, porra, quando um homem se sente com razão, não há força que o cale! Fosse a jogar uma sueca, a ver ou ouvir um jogo do seu Porto, convinha não agitar as águas com o Zé.

O José tem uma vida pacata e certinha, que vive ao lado da sua Adelaide de sempre, boa e fiel companheira, mesmo a aturá-lo na fervura. Bom marido, bom pai, e bom avô. Criou filhos e já com netos, e creio que bisnetos. Casou cedo, porque apesar de viver numa família onde nada faltava, tinha uma educação austera e por esses tempos as mãos maternas, porque calejadas, eram pesadas. Assim casou novo e e a lua-de-mel não tinha aquecido e já marchava para o serviço militar em África. Depois emigrou para França, regressou, trabalhou na Câmara Municipal da Feira e, finalmente, na merecida reforma, já há uns anos.

Mesmo com esse seu tal feitio que não é defeito, foi sempre participante da vida comunitária, exercendo, e bem, a sua quota parte de cidadania. Integrou corpos directivos do Guisande F.C., fez parte da política, do associativismo, até do Grupo Coral, e desde há alguns anos que é ministro da Comunhão cá na paróquia. Não se pode exigir mais. Há quem, literalmente, nunca tenha mexido uma palheira pela terra e pela comunidade.

Por tudo isso, e bastaria o ser gente, tanto mais boa gente porque familiar, faço votos de um feliz aniversário e que por cá ande muitos mais, mesmo que de vez em quando chateado com os ossos. É a vida!

Parabéns, primote, e desculpa qualquer coisinha por te expor assim publicamente!


Nota de falecimento

 


Faleceu no final do mês de Agosto (dia 30), Maria da Conceição Gomes de Almeida, viúva de Manuel José da Silva, com habitação em Cimo de Vila - Guisande,  mas que vivia há vários anos na África do Sul, junto de familiares.

Para quem não reconhece pelo nome, diremos que é irmã da Sr.ª Aida Gomes de Almeida, que vive em Fornos, e dos falecidos Sr. Alberto Gomes de Almeida, Sr. Higino Gomes de Almeida e Sr.ª Bernardina Gomes de Almeida..

As cerimónias fúnebres serão realizadas hoje, Sexta-Feira, 16 de Setembro, em Guisande, pelas 15:30 horas, com chegada do corpo pelas 14:00 horas.

No final vai a sepultar no cemitério local em jazigo de família.

Missa de 7.º dia amanhã, Sábado, 17 de Setembro, pelas 17:30 horas, também na igreja matriz de Guisande.

Sentidos sentimentos a todos os familiares!

Paz à sua alma!

Que Deus a tenha em eterno descanso!

15 de setembro de 2022

Efemeridade

Ainda ontem, durante a minha corrida, cruzei-me duas vezes com ele, um gato estilo siamês, ali entre a rotunda da Farrapa e a Rua das Fogaceiras (Urbanização de Linhares). Na parte inicial, fugiu assustado à minha frente, subindo com agilidade ao mato, mesmo entre tojo e silvas. Passado algum tempo, no regresso, 10 Km depois, já na berma, com ares de assustado, mas manteve-se calmo e parado enquanto eu passava ofegante. Percebeu que a minha corrida não era de perseguição mas a de um tolo qualquer a cansar o corpo.

Era, pois, um gato que por ali andava. De resto já o tinha visto dias antes.

Hoje, novamente no regresso da corrida, dei com ele nas piores circunstâncias, já na valeta, defunto por uma forte pancada certamente de automóvel. O chão ainda ensanguentado. Teria sido durante o dia de hoje.

Um pouco antes, tinha ouvido o sino de Guisande a gemer a finados. Não foi pelo gato, pois não, mas poderia ter sido. 

Rais´parta a vida como ela é!  Uma feliz criatura num dia, vivaço e livre, e no dia seguinte uma amálgama de nada, inerte, sem vida. 

Estragou-me o dia. Não o gato, mas o seu triste fim. Ainda tinha muita gatice pela frente, mas o destino ou o raio de gente apressada a conduzir que, mesmo podendo, nem se desvia, encurtaram-lhe a vida, ali, bem perto do território que marcara como seu.

Acredito que os animais também têm alma. Se não a têm, têm a que lhe damos.

Paz à sua alma!

Romaria de Santa Eufêmia





15 de Setembro, o dia grande da festa em honra de Santa Eufémia, na freguesia de S. Pedro do Paraíso, concelho de Castelo de Paiva. 

É sempre no próprio dia, seja à semana ou ao fim-de-semana, faça sol ou chova a potes.

Para quem não conhece, desengane-se se está à espera que a capela fique situada no corucho de um monte altaneiro, como o S. Domingos, Santo Adrião, Senhora da Mó ou S. Marcos. Na verdade fica ali numa quase cova, uns metros abaixo da estrada municipal que liga os lugares da Cruz Carreira ao Pejão. 

Também perca as esperanças quem está levado em crer que o local é muito povoado e concorrido em qualquer dia do ano, como se fora Espinho, Miramar ou Ribeiras de Porto e Gaia. Na verdade, tirando estes dois ou três dias, conforme se aproxima do fim-de-semana, no resto do ano é ali um sossego quase sepulcral,  e nem mesmo o parque, repleto de sombras de frondosas tílias e carvalhos, dado a convívio e piqueniques, recebe gente forasteira em número que quebre o sossego daquela gente.

Mas, verdade se diga, chegados o 14 e 15 de Setembro, a coisa enche a transbordar como uma presa de abundantes águas e nascentes de bifes tão tenros quanto enormes.

Não sou de tradições ferrenhas, mas a verdade é que ali vou com regularidade e devoção há pelo menos 30 anos. E tempos houve em que ia de véspera e no próprio dia.

É esta festa, uma das romarias mais populares da nossa região e que ainda mantém muitas das características antigas. Já não se esventra ali gado, como noutros tempos, é certo, e mesmo os merendeiros já não são tantos, mas há ali ainda muita devoção e popularidade com santidades diferentes mas genuínas.

Pelas características do lugar e dos acessos, não é propício a invasões e instalações de divertimentos infernais e roulotes modernaças com som e luzes, e talvez por isso a coisa ainda esteja um pouco salvaguardada dessa voracidade que caracteriza muitas das nossas festas.

Também, talvez por isso, não é propriamente uma festa de juventude e às tantas, avaliando as caras à nossa volta, já parece mais um encontro nacional de reformados. Mas ainda bem. Para isso os festivais de Verão são mais que as moscas em vacaria e a malta nova no geral prefere cocas colas a canecas de vinho verde e cachorros a bifes à Santa Eufémia. E ali não caberia um palco maior do que a capela.

Ademais, tudo tem o seu tempo, lugar e oportunidade.

Seja como for, cumprida está a tradição e a devoção. Mas até Domingo há tempo e lugar para outras visitas e outros visitantes. Por ora, depois da missa solene, vão animando a tarde a quase bi-secular Banda de Musical de Arouca e a Banda da Associação Cultural e Musical de Avintes.

Quanto a Santa Eufêmia, que se diz protectora sobretudo de quem tem males de pele, era descendente de uma família nobre da Calcedónia, cidade próxima de Bizâncio, actual Istambul na Turquia, por preservar na sua fé a Cristo, foi mártir aos 15 anos, em 304 DC, morta por enormes leões numa cena de martírio no tempo das grandes perseguições aos cristãos, pelo imperador romano Diocleciano.

O seu corpo foi recolhido pelos cristãos e depositado numa pequena igreja. Mais tarde, em 620 DC a cidade foi alvo das invasões pelos persas pelo que o corpo da jovem mártir foi deslocado para outro local e guardado numa nova igreja mandada edificar para o efeito pelo imperador Constantino. Posteriormente, já com o imperador Nicéforo, voltaram as ameaças aos cristãos ao seu culto e símbolos pelo que com medo, os devotos de Santa Eufémia voltaram a fazer nova mudança do corpo para lugar incerto. 

Depois disso, reza a lenda que a seguir a uma noite de violenta tempestade o sarcófago com a mártir desapareceu e em Julho do ano 800 acabou por dar á costa  do mar Adriático, junto a Rovinj, na Croácia. Os locais abriram o sarcófago e nele observaram o corpo de uma bonita rapariga, vestindo um luxuoso vestido e junto dela, um pergaminho com a inscrição HOC EST CORPUS EUFEMIAE SANCTAE... (este é o corpo de Santa Eufémia, virgem e mártir da Calcedónia, filha de um nobre senador, nascida para o céu em Setembro 16, ano 304 AD...).

Os habitantes locais tentaram retirar das águas o sarcófago mas apesar dos esforços, a tarefa estranhamente parecia impossível e acabou por ser um rapazinho guiando uma parelha de bezerros quem o retirou facilmente e então foi depositado na igreja local, onde na actualidade na sua bela catedral se venera o corpo intacto da santa e mártir a qual atrai anualmente milhares de peregrinos e turistas.

14 de setembro de 2022

Selvajaria

O que aconteceu por estes dias com o rapazito no estádio de futebol do F.C. Famalicão, é do pior que pode haver no futebol. Era adepto do Benfica, e que do Porto, Sporting, Arouca ou Feirense fosse.

Mas, estranhamente, há uma sensação de que isto não tem nada de surpreendente porque as tribos do futebol andam há muito extremadas. As claques andam desvirtuadas e são, regra geral, grupos de arruaceiros, sem respeito por eles próprios quanto mais pelos adversários. Pior do que isso, encobertos e apoiados pelos clubes, dos vermelhos aos azuis passando pelos pretos, verdes e amarelos.

Talvez por isso cada vez mais me interessa menos o futebol e, felizmente,  já dou comigo sem saber a que horas e com quem joga o meu clube. Vâo à bardamerda!

No dia em que nas bancadas não houver lugares distintos para grupos e grupinhos, onde cada um, do mais novo ao mais velho, se puder sentar de forma misturada com os seus e com os outros, sem que sejam discriminados e ofendidos, talvez esteja dado um salto civilizacional. 

Até lá tudo não passa de uma estrumeira, onde o conceito do desporto e do desportivismo é vilipendiado e com gente a contribuir risonhamente para isso.

Mas é esperar sentado. Volta e meia surgem estes casos, há indignação por se ver um rapazito obrigado por gandulas a despir a camisola do seu clube, ou por uma companheira de um conhecido macaco ofender no espaço público uma adepta de outro clube, porque vestida com cores diferentes, mas depois de algumas posições politicamente correctas, o estado normal volta à normalidade.

Já dizia Miguel Torga, aquando da sua passagem pela universidade de Coimbra, a propósito de selvajaria, "não há universidade que nos tire da idade da pedra lascada".

E mais um...

Mais um acidente na produtiva rotunda da Cruz de Ferro. Já perdi a conta. 20? 30? Mais?

Felizmente, sem danos físicos.

Siga! As oficinas agradecem!

Quem riscou e sobretudo quem aprovou esta ratoeira, dormem tranquilos.

A rotunda tal como está realizada proporciona o acidente porque na realidade quem circula de norte para sul pode fazê-lo a 120 Km por hora, porque não tem qualquer obstáculo.

Quem surge do lado direito vindo da Teixugueira, mesmo que parando e entrando com cautela, não tem hipótese com alguém que lhe surge acima da velocidade regulamentar. 

No meu humilde entendimento, e já falei nisso, bastaria que o troço de norte para sul inflectisse para o centro da rotunda, obrigando à redução da velocidade. 

Em resumo, sem ilibar quem entre do lado da Teixugueira, na maior parte dos acidentes neste local, moralmente são da responsabilidade de quem vem de norte a alta velocidade. Claro que as seguradores e os tribunais não julgam moralismos.

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