31 de dezembro de 2022

Incertezas

Quando chegamos a uma certa idade, em que já podemos dizer a alguns, muitos, que poderíamos ser seu pai ou avô, uma das coisas a que não conseguimos fugir é o reviver de momentos, episódios, situações com que algures, em tempos mais viçosos, fomos confrontados.

O Macedo, já na casa dos sessenta, mas feliz com o que a vida lhe deu e tem, não encontra nela grandes remorsos ou arrependimentos tão simplesmente porque convencido está que isso em nada lhe acrescentará. Mas de quando em vez, como quem faz rewind numa velha cassete do tempo, recorda alguns namoricos e casos sentimentais, ou oportunidades deles, que teve antes de, cansado deles, decidir-se a enlaçar-se com aquela que lhe pareceu ser mais parte de si, a sua Fátima.

Numa dessas viagens ao passado, em que tudo se vê de olhos cerrados, viu-se fresco e viçoso, mesmo na altura em que fora convocado ao serviço militar por onde lá pelas lisboas marchou durante dois anos certinhos. Travara, por essa altura, conhecimento com a Celeste, ainda mais fresca do que ele, quase a transpor a maioridade mas ainda menor.

Durante alguns poucos meses encontravam-se e namoravam sem o saber, em longas ou curtas conversas, em que por vezes falavam mais os olhos que as bocas, o olhar que as palavras. Pelo meio, algumas cartas trocadas, sem subterfúgios ou ideias disfarçadas na semântica. De tão ingénuas e transparentes, poderiam ser cartas de irmãos. E se o Macedo enredava na escrita uma qualquer segunda intenção, só a Celeste a poderia decifrar.

Apesar disso, o Macedo era um rapaz na força da vida e tinha naturalmente desejos de poder colher e saborear aquela frescura rubra de cereja a baloiçar no ramo, que se lhe oferecia, e também o percebia nas feições e palavras da Celeste. Mesmo naquela ocasião em que se viram sozinhos na casa da tia dela, numa tarde de chuvinha macia, ficaram tão perto que o silêncio os cobriu e as mãos tocaram-se numa tímida hesitação. O Macedo, jovem mas maduro o suficiente para saber de como as coisas se complicam, sabia da diferença de idades e do facto dela ser menor e quando lhe passou pela cabeça aproximar os seus lábios dos dela, que lhe pareciam convidativos e serenos como porto seguro, estremeceu e recuou enquanto disse uma qualquer banalidade sobre o tempo. A Celeste enrubesceu e respirou fundo como que a acordar de um sonho de segundos.

Continuaram amigos por mais algum tempo e pouco depois cada um seguiu o seu rumo. Ela emigrou, casou, dizem que ainda não teve filhos. Viam-se, esporadicamente, pelo verão, uma ou outra vez, por circunstância, mas a ele parecia-lhe já distante aquele Celeste, maneirinha, fresca, cabelo comprido, olhos negros e lábios de cereja que ele poderia ter saboreado. 

Ele cumpriu a tropa, casou e teve filhos. Sente-se pleno e feliz e nem esta ou outras parecidas situações, lhe trazem angústias. De resto, para além do medo das consequências, no fundo hesitou e recuou porque jamais poderia lidar com a recusa. Pareceu-lhe que naquele passado momento a Celeste também o convidava, mas nunca se sabe o que vai na alma das mulheres e até mesmo uma rapariga naquele silêncio morno  poderia despertar e dizer, não!

Se de tudo aquilo algum dissabor deixou ao Macedo, apenas a incerteza. Como teria sido se deixasse o corpo seguir o seu instinto? Com que consequências para si, para a Celeste ou para ambos?

Não! Não importa imaginar cenários e desfechos. Afinal, a incerteza é sempre um essência da nossa vida. Porque atalhamos pela esquerda e não pela direita ou porque não recuamos ou seguimos em frente? Se formos a dar palco às incertezas, a nossa vida ficaria de tal modo assoberbada que não restaria tempo para a viver. E tão curta que ela é….

29 de dezembro de 2022

Voando e aterrando

O ministro das infraestruturas e habitação Pedro Nuno Santos, finalmente, depois de um longo e atribulado voo, aterrou, e já não faz parte do instável Governo da maioria. 

Depois de vários casos que o debilitaram, nomeadamente o puxão de orelhas do primeiro ministro a  propósito da localização do putativo aeroporto, e agora da recente escandaleira com uma tal de Alexandra Reis, a juntar a outros tantos, só tinha mesmo essa saída. 

Foi a decisão que se impunha mas já vai tarde, quase três anos. 

Quanto à TAP, nem deveria existir porque é uma empresa ruinosa que desbarata milhões e milhões de todos nós contribuintes e, contudo, continua a ter uma gestão milionária, como se vivesse de forma independente e altamente rentável. Negociar prémios chorudos à administração, contratar frotas de automóveis de luxo, e dar euromilhões a quem sai, é no mínimo de bradar aos céus, o que faz sentido sendo uma companhia aérea.

Assim, sendo, há ainda muito a fazer, desde logo demitir a actual administração, a custo zero, e logo que possível privatizar o que resta desse buraco negro antes que continue a absorver fundos e dinheiros que, está visto, não temos.

Claro está, que António Costa, vai-se esgueirando por entre os pingos da chuva, mas ele próprio tem muitas responsabilidades e só por isso se justifica que um governo de maioria, que deveria ser estável, já vá  numa dezena de saídas e outras tantas entradas.

Como bem comentou João Batalha, da Frente Cívica, exigia-se ao primeiro ministro mais qualidade e escrutínio em quem mete no Governo e saber do seu passado ético e político de modo a evitar estes contratempos que o desgastam. Não o fazendo e, pior do que isso, enredando-se numa teia de nomeações, interesses e ligações familiares ou partidárias, põe-se a jeito.

28 de dezembro de 2022

Reis parta a coisa!



Nas próximas eleições legislativas vamos todos contentinhos, arrigementados, a votar nos mesmos, a renovar novas maiorias.

Talvez por isso, por cá, os pensadores andam entretidos com banalidades, mudos e calados, ou estão de férias natalícias. Comentar o SNS, ou casos como o do euromilhões concedido pela TAP, ou pelo sistema, a uma tal de Alexandra Reis, é o comentas.

Siga! Vamos lá sorrir de contentes que a TAP é para isso mesmo, para fazer o nosso dinheiro voar. 

A senhora Reis recebeu 500 mil mocas mas parece que queria quase dois milhões (1,47). Uma gulosa! É um bocadito mais que os 125 euros que o Governo nos devolveu do que nos tira. Cada um é para o que nasce. 

Assim, a somar ao meio milhão, uma insignificância, serão necessários à nossa aérea mais 225 mil para tributação. Pouca coisa, a nova injecção de insulina já está aprovada.

Siga que é Portugal!

25 de dezembro de 2022

Nota de falecimento

Faleceu António Vicente Ferreira Lopes (Tono do João), solteiro, de 55 anos de idade [05 de Abril de 1967 a 25 de Dezembro de 2022]. Residia no lugar de Cimo de Vila - Guisande.

Cerimónias fúnebres na próxima Terça-Feira, 27 de Dezembro, pelas 15:30 horas, na igreja matriz de Guisande, indo no final a sepultar no cemitério local.

Na próxima Sexta-Feira, 30 de Dezembro, ocorrerá a Missa de Sétimo Dia, pelas 18:30 horas na igreja matriz de Guisande.

Sentidos sentimentos a todos os familiares. Paz à sua alma!

A cagar fininho

O Arménio começou o dia  de Natal a cagar fininho. 

Pergunta aos seus botões se terá sido dos rojões com grelos, besuntados com azeite extra e dentes de alho, comidos na consoada vespertina em casa da sogra, ou se pelos clisteres de  longos intervalos de 20 minutos de publicidade no filme "Sozinho em Casa", já com mais tradição natalícia do que ir à Missa do Galo. 

Sentenciou que não, que não foi dos rojões com grelos, porque lhe souberam pela vida, mas sim da publicidade, dos perfumes, dos relógios, dos azeites e dos telemóveis. Foi, de facto, uma overdose e neste enjoo matinal não arrotava a alhos mas a Chanel N.º 5.

Mais logo à noite, como qualquer bom guisandense bem sabe, é que se cumpre a verdadeira tradição com a consoada no próprio dia 25. Prometeu a si mesmo, o Arménio, desligar a puta da televisão. Mais uma dose daquilo, ou apanhar nas ventas com a notícia de que uma tal Alexandra Reis foi prendada pela TAP com uma insignificância de meio milhão de euros, só porque não cumpriu o contrato, porque lhe arranjaram outro arranjinho, ou mesmo ver o nosso presidente entertainer com uma multidão atrás de si para o ver tomar uma ginginha, poderá resultar numa verdadeira caganeira. É que tratamentos desses são mais fortes do que o PLENVU ou PICOPREC.  A mais grossa será como azeite.

O povo por ora anda entretido com consoadas, rabanadas e aletria, mas logo que as luzes sejam desligadas e os presépios desmontados,  vai arrotar de fastio e enjoo e as caganeiras serão tão óbvias  que até podem ser previstas pelo IPMA e resultar em alertas alaranjados pela Protecção Civil.

Portem-se bem! Com jeitinho, a senhora Reis vai distribuir a prenda pelos mais pobrezinhos.

Feliz Natal!

24 de dezembro de 2022

O Natal nos meus livros de religião da escola primária

 






Entre o meu montão de livros, tenho os de religião da escola primária, das quatro classes. Em todos eles está presente o tema de Natal, com ilustrações alusivas, que acima publico. 
Abaixo as páginas e as capas do conjunto.
Espero que gostem da partilha e que com ela se revigore o espírito natalício desses bonitos tempos de infância e da escola primária.



Ainda é Natal?


Tal como o disse num deste dias o meu amigo Mário Augusto, continuo a gostar muito do Natal, pelo que representa de valores cristãos, confraternização familiar e tradição, mas de facto já não é a mesma coisa como nós, os mais velhos, sentimos noutros passados tempos. E não porque antes fosse melhor, no que diz respeito a fartura de coisas boas, das que se põem na mesa e extasiam os olhares; bem pelo contrário, pois por esses tempos tudo o que ía à mesa na abençoada noite, era escasso e custoso. Mas era singular, genuíno e diferente de tudo  quanto se oferecia no resto do ano. Além disso, algumas das coisas associadas, só mesmo nessa altura do ano. Claro que ainda o bacalhau, as batatas e couve penca, as rabanadas, a aletria e pouco mais. Bolo-rei era um luxo para burgueses e a criançada animava-se com um rato de chocolate. Gente simples sempre teve gostos simples.

Hoje em dia a fartura e diversidade chega a enjoar e a tirar o apetite e quase que nos leva a desejar que esta quadra passe depressa, que não deixa saudades. Há de tudo e mais alguma coisa com a mesa inundada das coisas do costume e outras exôticas. As prendas são sofisticadas e qualquer pirralho de cinco anos é prendado com um smartphone ou um tablet de boa marca. Para as madames é coisa fina e perfumes só de 100 euros para cima. Já os homens, um vinho onde a qualidade seja o preço. Uma fartazana.

Para além de tudo, no que às tradições religiosas e espiritualidade do Natal diz respeito, a coisa ainda é mais sombria e passar a quadra com uma ida à igreja ou mesmo sequer abrir a alma para um pensamento mais elevado, é coisa que já não vai à mesa de muita gente, o que ajuda a reforçar a ideia de uma mera ocasião para comer, beber e divertir como se ao mesmo nível dum Carnaval. Não é por essa ligeireza que vem o mal ao mundo, concerteza que não, porque é sempre positiva a alegria e o são divertimento, mas nestas como noutras coisas é sempre importante colocar cada uma no seu próprio lugar.

Por tudo isso e mais alguma coisa, o Natal tornou-se escravo do mercantilismo, do comércio e do markentig associado, e os meios de comunicação social fazem o favor de nos lavar o cérebro já  a partir de Setembro.  Chega a ser um massacre de publicidade, com spots repetidos vezes sem fim como para terem a certeza de que os vimos e ouvimos. Durante semanas andamos a ser encharcados com perfumes a preços do ouro, algemados com relógios da mais sofisticada ourivesaria suiça e mais bucolicamente besuntados com azeites e tentados com postas de bacalhau dispostas na mesa por um tal de David, que também faz carreira nestas coisas de encher e vender chouriços.

Mas pronto, são sinais dos tempos e já não há volta a dar; Ou alinhamos pela velha máxima de que não os podendo vencer, juntemo-nos a eles, ou então já nada sobra do Natal porque atolado nesta torrente de vendilhões.

Posto isto, votos de um feliz e santo Natal para todos os familiares e bons amigos. Para os inimigos, para os invejosos e maldizentes, também um feliz Natal!

Nota à margem: A simples ilustração deste artigo é baseada na que em Dezembro de 1982 rabisquei para a capa do jornal "O Mês de Guisande" (na imagem abaixo), por isso uma memória com 40 anos.