15 de dezembro de 2017

Uniões e desuniões de facto

Por estes dias, à passagem do meio ano (seis meses) sobre os trágicos incêndios de Pedrógão Grande e concelhos vizinhos, como Castanheira de Pêra, um dos habitantes de uma das aldeias atingidas, que entre outros familiares perdeu os pais, dizia algumas coisas muito acertadas, daquelas que em momentos de dor nos saem da alma, como, por exemplo, sobre o pagamento das indemnizações pelo Estado a cada vítima, estabelecida no mínimo de 70 mil euros. Dizia que não tinha conhecimento directo, apenas pelo que se ouvia dizer nas televisões, ignorando os procedimentos para receber essa verba e que sabendo o Estado quem morreu bastaria fazer as contas  e pagar de forma directa. De resto como faz o próprio Estado quando é para receber dos contribuintes, sem requerimentos ou outras papeladas, cobra pesadas coimas, aplica elevados juros de mora, penhora e executa sem dó nem piedade e em prazos acelerados.

Ainda nessa reportagem, uma das pessoas da associação das vítimas, falava da importância de se dotar as aldeias com  abordagens de resiliência comum, dotando-as com  meios mínimos de combate e sobrevivência e orientadas por alguém com sentido de líder de modo a que numa situação de ameaça ou tragédia seja possível articular decisões e meios de protecção antes da chegada de socorros exteriores. No fundo, cada aldeia ter meios próprios de protecção e de proximidade, com alguém conhecedor de cada canto e de cada pessoa e das suas necessidades e limitações de modo a poder agir e fazer agir coordenadamente.

Esta última questão pode muito bem, e a propósito, ser trazida ao de cima no contexto da realidade das actuais uniões de freguesias em que após um primeiro mandato desta nova forma de gerir e administrar, nenhuma das freguesias, sobretudos as mais pequenas de cada união, estão satisfeitas, e pelo contrário sentem-se abandonas e até mesmo desprezadas. Para além do mais, escolhem-se pessoas que muitas vezes pouco ou nada conhecem da realidade de cada freguesia, sendo nas mesmas estranhos ou pouco conhecidos pelas comunidades porque quase não integrados nestas. E basta tomar como a exemplo a nossa freguesia de Guisande agora inserida numa união a quatro, em que à custa de dificuldades várias e de vontades adversas, perdeu nitidamente em todos os aspectos face à anterior realidade administrativa, desde logo pela perda de proximidade e identidade. Se na anterior realidade administrativa havia no mínimo três elementos da Junta, agora há apenas um e em rigor com poucas ou nenhumas competências atribuídas para poder agir e decidir e muito menos compensado para isso. Foi assim no mandato anterior e certamente não mudará no actual ou nos futuros.

Mesmo sem a dimensão do drama de tragédias como estas dos incêndios, é de lamentar que não exista um funcionário que num momento de mau tempo e tempestades como a de Domingo passado, possa limpar sarjetas e ou desobstruir árvores de caminhos. A jeito de quem não tem cão caça com gato, pessoalmente sem ter essa responsabilidade fiz isso inúmeras vezes, mas é lamentável que uma Junta de União não tenha ela própria um ou mais funcionários permanentes em cada uma das freguesias e a ela dedicados nas pequenas ou grandes aflições e necessidades. Face a este vazio de liderança e de meios, as mesmas freguesias ficam entregues as elas próprias e à espera que um acaso ou uma alma caridosa faça o trabalho e que alguém ligue para a protecção civil, para a EDP, para os bombeiros ou para a GNR. 

Assim sendo, bastaria tomar como exemplo estas necessidades constatadas agora nas aldeias atingidas pelo drama dos incêndios criminosos para se perceber a importância da proximidade e do auto-conhecimento como mais valias a favor das pessoas e das comunidades. Infelizmente num passado recente, maus políticos e más políticas pensaram ao contrário e contra as pessoas promoveram asneira da grossa.

Numa altura em que parece que o Governo vai entretanto abordar o assunto das uniões de freguesia, faz todo o sentido que no nosso concelho algumas pessoas, incluindo ex-autarcas comecem a dar passos associativos unindo-se de modo a que quando chegar o momento tomarem posição favorável à reversão do processo ou pelo menos à sua correcção. Neste contexto, ouvi por estes dias na Rádio Clube da Feira, será já neste Sábado, 16 de Dezembro, que terá lugar uma reunião pública no Salão Paroquial do Vale, aberta a essa importante discussão.

Terão, pois, que ser as próprias freguesias mais afectadas a fazer esse trabalho pois já se sabe que por parte da Câmara Municipal não se pode esperar grande coisa, de resto em consonância quando o processo teve início e depois na sua concretização, nunca tomando uma posição de força em contrário, mesmo que certos papagaios lambe-botas vão palrando que no concelho se faz bem. Ora faz-se muita coisa bem, certamente, mas também algumas valentes cagadas e esta das actuais uniões e dos respectivos desenhos territoriais foi uma delas.