18 de outubro de 2019

Mané, um maná no deserto da riqueza


Quem vai acompanhando o futebol profissional mundial, sabe que Sadio Mané, senegalês de 27 anos, é uma das grandes figuras da equipa inglesa do Liverpool, vencedora da última Liga dos Campeões e actual líder isolada da Premier League.

Bastará isso para perceber que não sendo um Lionel Messi ou um Cristiano Ronaldo, ou outros que tais, é um profissional da bola pago a peso de ouro. Por isso têm corrido de forma viral pelas redes sociais e na imprensa, algumas das frases extraídas de uma entrevista que deu ao sítio nsemwoha.com, nomeadamente, em resposta à pergunta, porque ganhando tanto (diz-se que 680 mil euros mensais) levava uma vida modesta e sem exibição de luxos?

Respondeu: "...para que quero 10 Ferraris, 20 relógios com diamantes e dois aviões? Que faria isso pelo mundo? Eu passei fome, trabalhei no campo e sobrevivi a tempos difíceis, joguei descalço e não fui à escola. Hoje com o que ganho posso ajudar muita gente."

E continua: "...no meu país, Senegal, construí escolas, um campo de futebol, ofereço roupas e calçado, alimentos para pessoas em extrema pobreza. Dou ainda mensalmente 70 euros a todas as pessoas de uma região muito pobre do Senegal para contribuir para a sua economia familiar".

Como se percebe, ainda há muita gente que valoriza esta atitude e a realça, nem que seja de forma automática pelas redes sociais. Ou seja, as pessoas percebem o alcance desta postura de alguém que tendo origens na pobreza e tendo a felicidade de ascender a uma posição ou profissão muito bem paga a aproveita para de forma humilde e despojada ajudar quem mais precisa na sua terra, deixando para plano secundário os aspectos de uma vida de luxo e extravagância, tão característica das estrelas mundanas.

Ora se o Sadio Mané faz isso e tem essa consciência humanista, leva-nos a pensar que com muito mais condições, porque infinitamente mais ricos, poderiam também fazê-lo figuras como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, entre muitas outras tanto no mundo do desporto como do espectáculo, etc. Mas mesmo com boas vontades como as do Mané e de muitos outros, a verdade é que a extrema pobreza existe porque em contra-ponto existe a extrema riqueza. Esta de poucos se comparada com aquela, de muitos mais.

É claro que esporadicamente vai-se noticiando que figuras como Messi e Ronaldo, apesar da sua ganância que os leva a fugir ao pagamento de impostos e daí condenados, têm ajudado muitas pessoas e contribuído para organizações, muitas vezes de forma anónima. Claro que têm todo o direito elegitimidade a ter uma vida compatível com o que ganham, por isso de luxo e milionária, mas, mesmo assim, e no caso de Ronaldo, tomado como mero exemplo e porque com luxos e extravagâncias mais divulgadas e mesmo ostentadas, afigura-se-nos como imoral que alguém tenha tanto e de forma tão extravagante e desnecessária, imensamente acima do que precisa para ele e para os seus mesmo que num padrão de muito alta qualidade de vida, pelo que apetece perguntar: No que daria para ajudar pessoas e instituições, um dos seus muitos carros, um dos seus iates, um dos seus muitos relógios de ouro e diamantes, uma das suas muitas casas?

Mas, em tudo isto, e aparte o mero exemplo de alguém apenas porque  é conhecido à escala global, não são culpados nem de longe nem de perto, todos os Cristiano Ronaldos e Messis deste mundo, nem muitos outros bilionários, nem têm eles por si só obrigação de o salvar, mesmo que pudessem (para além do que darão), dar imensamente mais a pessoas e a entidades que zelam pelas pessoas.
A verdadeira culpa é de toda a sociedade, como um todo, que ajuda e permite que indústrias como o desporto, de modo particular o futebol, o espectáculo, o entretenimento, etc,  paguem estas imorais exorbitâncias, como 100 ou 220 milhões por um futebolista (que dizem que custou Neymar ao Paris Saint Germain), acrescidos de ordenados de milhões anuais, e muito, muito mais.

Em resumo, nesta sociedade capitalista e consumidora reside em muito a justificação para que 1% da população detenha 80% da riqueza mundial. Esta é que é a imoralidade e para ela, em muito, contribuímos porque vamos todos contentes pagar bilhete para ver uns artistas pagos a peso de ouro dar uns pontapés na bola, pagar bilhete para ver uma banda ou um artista musical que está na onda, mas em muitas mais opções meramente consumistas que ajudam a alimentar grandes lucros de grandes indústrias, mesmo a desportiva.

Mas é o que temos e estes exemplos como os de Sadio Mané, são mesmo lenitivos que fazendo a diferença para quem os recebe, sem dúvida, mas que se mostram insignificantes na escala do que é necessário para que pelo menos se erradique a extrema pobreza.

Mas Sadio Mané dá um exemplo a seguir a todos os que como ele ganham milhões, que podem ajudar de forma decisiva muita gente, apenas a troco de prescindir de alguns excessos. O excesso aqui deveria ser apenas o de bondade e humanismo. Tão só.