27 de outubro de 2019

"Retratos" em tons de cinza

Por estes dias estive em conversa com um casal da freguesia do Vale. Depois de vários anos entre França e Suiça e já com filhos por lá instalados, regressou de vez à sua terra, o que aconteceu já há alguns meses. Mas a esposa, disse que estava já quase decidida a regressar à Suiça, porque não se estava a adaptar a uma vida demasiado tranquila, desocupada, numa freguesia que "parou no tempo", com menos dinamismo que há anos atrás e em que o desenvolvimento parece ter parado, com os mesmos problemas de há anos por resolver, os mesmos buracos na rua por tapar, as mesmas obras ou melhoramentos por fazer e qualquer coisa de estrutural nem sequer equacionada. Enfim, "uma tristeza de sítio", lamentava-se. O marido, pouco falou, encolhendo os ombros, mas com ar de quem concordava.
Ainda os procurei animar, dizendo que deviam aumentar o círculo de amizades, envolver-se nas coisas e causas da freguesia e da comunidade, para se sentirem úteis e com interesses, mas parece que não os convenci. Daqui a poucas semanas estarão de regresso a outras paragens, fechando mais uma casa a juntar a muitas outras com os estores descidos.

Este "retrato" pelo casal "pintado", referente ao Vale, poderia igualmente ser "pintado" com as mesmas cores por um qualquer casal de Guisande, de Pigeiros ou de outras pequenas freguesias que já no anterior sistema tinham imensas dificuldades em resolver as necessidades mais básicas e prementes, mas que uma vez forçadas a uniões de freguesias indesejadas, têm visto agravar-se as dificuldades, com um óbvio distanciamento entre os eleitos e os eleitores, mesmo que nos slogans eleitorais se fale em proximidade, a par de danos graves no desrespeito pela identidade e cultura intrínsecas de cada freguesia.

As freguesias cabeças de união tendem naturalmente a chamar a si o grosso do investimento e a olhar com ares de superioridade para os seus umbigos enquanto que as outras, as pequenas, estão no fim da fila das preocupações, à espera do último ano de mandato para verem algum alcatrão. É claro que as coisas mesmo neste contexto de orfandade poderiam ser diferentes, mas não tem havido mandantes com visão equitativa  à altura e as boas vontades manifestadas em sorridentes campanhas eleitorais desvanecem-se logo nos primeiros dias da gestão. 

No caso da freguesia do Vale, rica de tradições e de boa gente, até há alguma identidade preservada  em associações como a centenária Banda Marcial, o Rancho de Pessegueiro, etc, mas no caso de Guisande o esvaziamento tem sido notório e mesmo com uma falta de desconsideração objectiva traduzida numa total inoperância, num nada fazer. Em rigor a Junta de Freguesia tem servido apenas para ajudar a enterrar os mortos e pouco mais. Dos vivos e das suas necessidades não tem tratado. Faltam dois anos para o final do mandatoe quando a importância dos votos começar a fazer sentido, alguma coisa será feita, mas até aqui o marasmo tem sido sepulcral. 

A própria situação do Centro Social de Guisande, com a sua "vida" suspensa por decisões e apoios prometidos que tardam, ajuda a realçar a desmotivação e o desinteresse de quem manda e decide. Muito tem feito o seu presidente, mas perante tanta desconsideração tem sabido resistir e lutar. Por mim as chaves já tinha sido entregues para ficaram penduradas no chaveiro autárquico e o equipamento encerrado como monumento à indiferença. 

Os "retratos" que se queiram pintar sobre estas nossas pequenas e pobres freguesias têm necessariamente que ser em tons de cinza, o que até parece estar na moda. Mas que é triste e desmotivador, é.