29 de novembro de 2021

Caninamente obediente


Há nele um não sei quê de patego, mesmo um lorpa, e simultaneamente a esperteza cega de uma minhoca calculista que se adapta, contorce e progride nos meandros da oportunidade, mesmo do oportunismo. Pode parecer uma adaptação escorregadia, moldável, ou mesmo uma marioneta num contexto mais teatral, mas o certo é o que o homem lá vai indo e progredindo, assegurando que a sua sela esteja bem presa ao dorso do cavalo e assegura que os seus cavalguem também seguros. Por vezes aposta no cavalo errado mas, que raio, até um relógio parado tem horas certas duas vezes ao dia!

Se fosse carpinteiro ou serralheiro o rapaz só faria janelas de oportunidade. Mas verdade se diga, a reboque de algum trocadilho, ele tem mais pinta de mercenário de que marceneiro. O Marceneiro, o verdadeiro, esse pelo menos tinha o dom de bem cantar o fado. Já para este, o mercenário, o fado é foda, e prefere bem mais cantar loas trovadorescas e galantes a quem lhe dá solda e saldo. Nessa monocórdica concordância, está ele sempre na linha da frente e se os chefes dizem "mata" ele não perde tempo a dizer "esfola". 

Como chegou a caracterizá-o o Dinis Pastos, eminente leitor de carácteres, o tipo faz-nos lembrar aqueles cãezinhos que numa certa época de azeiteirice, ali pelos anos 60 e 70, criavam pulgas na traseiro peludo dos automóveis, sempre abanando a cabeça numa atitude de permanente concordância ante o dono. Sem cansaços, sem torcicolos.

Mas, foda-se, tanta prosa para contornar o que de forma mais prosaica se pode dizer que o gajo é apenas, e não é pouco, um grande lambe-botas.

Todavia, que se lhe dê mérito, pois nesse modo de estar, lá vai indo e progredindo, verde, viçoso e cheiroso, um verdadeiro pau para toda a colher, assente na sólida filosofia de que os chefes têm sempre toda a razão. Não o contrariemos, porque o manter um chefe bem disposto é, em si mesmo, um posto. E é esse o seu posto, manter os chefes bem dispostos, principalmente se estes não gostam de ser contrariados. Ora tudo menos indispôr as chefias. Nem que se apanhem sabonetes do chão da sauna. Com o sentido de missão não se brinca!

Posto isto, aposto que perceberam nada, mas perguntem ao Pastos, que ele descodifica; se há  fixação que o prenda, é a ficção.

Já agora, vou encomendar um desses cãezinhos de pescoço oscilante e, claro, uma alcatifa peluda para o instalar.