20 de outubro de 2023

Não gosto do mar, pronto


Tenho uma paixão pelos rios mas não tanto pelo mar. Nunca gostei dessa massa monstruosa, caminho ondulante de embarcações e marinheiros, sempre em tempestade e raramente em bonança. Tragou ao longos dos tempos, desde que o homem em frágeis canoas se aventurou a passar da orla das praias, uma infinidade de gente, em exploração, em recreio, em trabalho, em guerra. Quantos corpos e esqueletos de embarcações jazem nas suas profundidades?  Mas, em contraponto, tenho um fascínio pelo mesmo, mesmo que apenas de relação apenas visual e poética.

Como dizia Pessoa, 

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Apesar do significado profundamente poético, a verdade é que o mar nunca foi nosso nem de ninguém, porque indomável. 

Na praia, que todos gostamos quando os calores apertam, basta-me que me chegue aos tintins. Mesmo que fosse um exímio e intrépido nadador não arriscaria mais do que a distância de sentir os pés em terra e mesmo assim, di-lo a experiência, é demasiado risco. Mais vale um cobarde vivo que um corajoso morto, é sentença que aplica-se na perfeição na nossa relação com o mar quando toca a desafiá-lo.

Apesar disso reconheço a sua importância para a vida e para na Terra, da forma como regula o clima e todas essas coisas mais ou menos aprendidas nas escolas. 

Mas mesmo assim, a relação do homem com o mar, com o oceano vasto, foi sempre temerosa, de respeito. Alguns, muitos, dizem que de fascínio, quase de enfeitiçamento, mas mesmos esses, não raras as vezes, pagam com a própria vida essa ligação.

Há coisas assim, tão grandes, imensas, que a nossa relação com elas ou é de fascínio ou temor, porque um e outro estão sempre interligados.

Assim em jeito de análise, algumas considerações por essa nossa contradição permanente em relação ao mar, ao oceano.

O fascínio e o temor pelo mar ou oceano são sentimentos profundos e contraditórios que têm fascinado a humanidade ao longo da história. Esses sentimentos reflectem a complexidade e a imprevisibilidade dos mares, bem como a profunda ligação entre os seres humanos e a água.

Fascínio:

1. Beleza natural: O oceano é conhecido por sua beleza impressionante, com suas vastas extensões de água azul profunda, praias de areia branca e uma rica diversidade de vida marinha. A beleza natural do mar muitas vezes atrai as pessoas para a costa e as inspira.

2. Mistério e descoberta: O oceano cobre grande parte da superfície da Terra e, no entanto, grande parte dele permanece inexplorada. As profundezas marinhas escondem uma infinidade de segredos e mistérios que a humanidade ainda não desvendou.

3. Fonte de recursos: Os oceanos fornecem uma abundância de recursos, incluindo alimentos, energia, minerais e até mesmo rotas de comércio. As atividades marítimas desempenham um papel fundamental na economia global.

4. Recreação e turismo: Muitas pessoas têm um fascínio pelo mar devido às atividades de lazer que ele oferece, como natação, mergulho, surf e passeios de barco. O turismo costeiro, os cruzeiros, também representam uma indústria significativa e em crescimento.

Temor:

1. Poder destrutivo: O mar tem o potencial de ser incrivelmente destrutivo, especialmente em tempestades e tsunamis. Inundações costeiras, erosão e perda de vidas são ameaças associadas ao poder do oceano.

2. Isolamento e solidão: No alto mar as pessoas podem sentir-se isoladas e solitárias, longe da civilização e da ajuda. Isso pode gerar sentimentos de temor e vulnerabilidade. Estes ingredientes foram motivo de obras literárias e de cinema como o Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, que explora as situações de naufrágio e sobrevivência em terras desertas e isoladas colocando o homem em extrema solidão e perante os elementos.

3. Desconhecido e incontrolável: A imprevisibilidade do oceano, com suas correntes, tempestades e mudanças climáticas, cria uma sensação de incontrolabilidade que pode causar ansiedade e medo.

4. Mitos e lendas: Muitas culturas têm mitos e lendas que retratam o oceano como um reino misterioso e habitado por criaturas sobrenaturais. Essas histórias contribuem para a aura de temor em torno do mar. São mais que muitos os seres míticos ou de ficção associados ao oceano como o Kraken, as sereias, o bíblico Leviatã, Kelpie, Moby Dick, o nosso Adamastor, etc.

5. Impacto ambiental: À medida que a humanidade compreende melhor o impacto das actividades humanas nos oceanos, como a poluição e a pesca excessiva, cresce o temor pelo estado de saúde dos ecossistemas marinhos e o seu futuro. As alterações climáticas, o degelo nos polos e a consequente subida dos mares e inundações de zonas costeiras estão na ordem do dia das preocupações da humanidade.

Em resumo, o fascínio e o temor pelo mar ou oceano são reflexos da complexidade e da dualidade desse ambiente. Enquanto o oceano inspira admiração por sua beleza e vastidão, ele também gera temor devido ao seu poder e à sua capacidade de desafiar o controle humano. Esses sentimentos continuam a influenciar a nossa relação com o oceano e a forma como o exploramos e o protegemos. Continuamos assim com uma relação de temor e fascínio.