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15 de maio de 2020

Rio Inha e outras questões




Num dos meus apontamentos relacionados à freguesia de Guisande, a que designo de "Historiando", já me referi à figura de Pinho Leal Augusto Soares d'Azevedo Barbosa, nomeadamente à referência que faz à nossa freguesia na sua obra "Portugal Antigo e Moderno", de 1873. 

Por outro lado falei da incongruência que o autor fez relativamente à Capela de Santo Ovídio, dando-a como pertencente a Guisande, mas também a Lobão, na descrição que faz sobre esta freguesia vizinha.
Apesar da inegável importância da obra de Pinho Leal, todavia parece estar pontilhada de situações omissas, dúbias e mesmo incorrectas. Não, é, pois, uma obra que se possa consultar como fidedigna e rigorosa, de resto porque já afectada pelos naturais efeitos do tempo decorrido. Continuará certamente a ser uma referência documental e histórica,  mas simultaneamente a carecer das devidas e necessárias ressalvas.

Apesar dessas nítidas imprecisões, ou mesmo incorrecções, parece que não falta por aí quem transcreva partes da obra de Pinho Leal e as dê como fidedignas, numa aparente falta de confirmação, histórica nuns casos e geográfica noutros.

Para além da referida incongruência quanto à Capela de Santo Ovídio, atentos à descrição que na sua mesma obra faz do nosso mais ou menos conhecido rio Inha (um dos principais cursos de água do nosso município), são também diversas as patacoadas do autor, de certo modo mais surpreendentes porque chegou a ter residência durante alguns anos no lugar do Carvalhal, freguesia de Romariz, portanto bem próximo da zona por onde nasce, corre e desagua. Pela proximidade deste elemento geográfico tinha o dever de conhecer melhor, ou pelo menos não cometer os erros que cometeu.

Pinho Leal descreveu o rio Inha, afluente do rio Douro, nos seguintes termos, a páginas 394 do Volume III: “Tem seu nascimento n’uns pequenos arroyos que vem do Monte do Castêllo, freguezia de Escariz, concelho de Arouca. Passa próximo a Cabeçaes (ao O.), regando as freguezias de Escariz, Fermedo, Romariz, Valle, Louredo, Gião e Canedo (sendo a primeira, segunda e quinta do concelho de Arouca e as mais do da Feira, e fazendo nas duas ultimas trabalhar fabricas de papel). 

Desagua na esquerda do Douro, no sítio da Foz do Inha, a 1 km abaixo de Pé de Moura, e a 24 km a E. do Porto. Tem 18 km de curso. Faz mover muitos moinhos, e traz algum peixe, miúdo mas muito saboroso, em razão de correr arrebatado por entre pedras. Tem algumas pontes de pau e uma boa de pedra, no Cascão. 

Dá-se n’este rio uma singularidade. Logo abaixo da tal ponte do Cascão (que é próximo da aldeia de S. Vicente de Louredo) é a fábrica de papel da Lagem. A margem esquerda é da freguezia de Gião, concelho da Feira, e a direita é da de Louredo, concelho de Arouca, e, como a maior parte do edifício da fábrica está construído sobre o rio (que é muito estreito) pode um indivíduo (ou uns poucos, estando em linha) estar de pé no meio de uma sala, e ter metade do corpo na comarca da Feira e a outra metade na comarca de Arouca. (…). O Inha recebe vários ribeiros, por uma e outra margem.” .

Como a seguir procurarei esclarecer, nesta descrição do Rio Inha, Pinho Leal tem várias imprecisões ou mesmo erros crassos.

De resto, pesquisando na Internet pelas referências a este curso de água, afluente pela margem esquerda do rio Douro, são mais que muitas as imprecisões a seu respeito, e que se repetem e replicam mesmo em sítios que pela sua relevância deveriam ter mais algum cuidado e rigor na informação prestada, sobretudo no que concerne ao local onde o Inha nasce bem como quanto às freguesias por onde passa ou corre.

De facto, repetidamente é referido que o rio Inha nasce na freguesia de Escariz, concelho de Arouca, o que é correcto, mas de forma generalizada que no lugar de Cimo da Inha, o que é incorrecto. Este lugar existe na freguesia de Escariz, mas na realidade o Inha junta-se umas centenas de metros mais a montante, reunindo os arroios ou nascentes da encosta poente do monte do Castêlo (formação que se localiza entre o lugar da Abelheira-Escariz e a freguesia de Mansores, mas também conhecido por Monte da  Abelheira.

Neste aspecto particular da origem da nascente, o atrás referido Pinho Leal, fez a descrição certa porque na realidade o rio Inha forma-se a partir de pelo menos três principais linhas de água que escorrem da encosta nascente do referido monte; Uma mais a norte, que desce de perto da Capela de Nossa Senhora da Conceição da Abelheira e corre pelo lugar de Alvite de Cima, outra mais a sul, no lugar da Gestosa, próxima do Restaurante "Relvas" e uma terceira ainda mais a sul, que vem das imediações do alto do lugar das Alagoas e que passa pelo lugar de Alvite de Baixo e que se junta ao trecho formado pelas duas primeiras um pouco abaixo da igreja matriz de Escariz, próximo dos lugares da Leira e Outeiro dessa freguesia. Daqui para baixo, está formado o Rio Inha, o qual naturalmente vai engrossando com os seus pequenos ou médios afluentes em ambas as margens, até que desagua no rio Douro, entre as freguesias de Canedo-Santa Maria da Feira e Lomba-Gondomar, entre as fozes do rio Arda, a nascente e a do rio Uíma, a poente.

O rio Inha é indicado como tendo um comprimento de aproximadamente 18 Km, com orientação predominante de sul para norte. No seu curso superior, tem uma orientação de nascente para poente mas junto à ponte no lugar do Londral muda de orientação de sul para norte, que praticamente mantém até à foz.

Para além da freguesia de Escariz, concelho de Arouca, onde nasce, passa por territórios ou serve de fronteira nas freguesias de Fermedo (zona a poente dos lugares de  Cabeçais e Mascotes), Romariz (lugares de Carvalhal e Reguenga), Louredo (no limite com a freguesia do Vale, nos lugares de Santa Ovaia e Mouta e ainda no limite entre Parada-Louredo e Vale), Vale (lugares de Oliveira, Cedofeita, Póvoa, Pena, Pessegueiro e Serralva), Canedo e Lomba-Gondomar onde entre estas ali desagua no Rio Douro. O troço final do rio Inha é relativamente amplo pois beneficia do efeito da albufeira da barragem de Crestuma-Lever. 

Os principais afluentes do rio Inha são pela margem esquerda a ribeira da Mota (que nasce em Guisande na encosta poente do monte de Mó), a ribeira de Tozeiro, e pela margem direita, o rio Amieira, ou ribeira da Lavandeira, que drena todo o vale de Fermedo e ainda o ribeiro de Mourão que drena encostas da serra do Camouco entre Rebordelo - Canedo e Vizo - S. Miguel do Mato.

Este atrás referido rio Amieira não está devidamente referenciado, sendo que num ou noutro elemento aparece relacionado ao troço que capta as águas das vertentes da serra do Camouco e serra de Parada, dos lugares de Rebordelo a norte, Vizo e Covelas a nascente e Parada, Belece e Mosteirô a sul.

Na minha modesta opinião, o seu troço principal, porque o mais comprido e com maior caudal, é aquele que nasce a sul  captando as águas das vertentes a norte do monte Coruto e atravessa todo o vale da freguesia de Fermedo, passando ainda um pouco a nascente da igreja matriz de S. Miguel do Mato prosseguindo o seu curso para norte em vale encravado, contornando pelo nascente o lugar de Parada-Louredo e então depois reunido-se e engrossando com as águas dos lugares de Rebordelo, Vizo e Belece..
O Amieira encontra-se com o Inha um pouco a sul da ponte que o atravessa na estrada que liga os lugares de Pessegueiro-Vale a Rebordelo-Canedo, conhecida como ponte da Carvalhosa.
Este rio Amieira em Fermedo é conhecido por rio ou ribeira da Lavandeira.

Regressando à descrição de Pinho Leal sobre o rio Inha, foi asneira da grossa dizer que o mesmo passava por território da freguesia de Gião e que tinha uma ponte do Cascão, junto à fábrica de papel da Lage (Lagem), contando até uma "singularidade" a esse propósito.

Ora, Pinho Leal confundiu aqui grosseiramente o rio Inha com a ribeira da Mota. A ribeira da Mota, essa sim, divide território de Louredo e Gião e junto à antiga fábrica de papel tem a conhecida ponte do Cascão que integra a Estrada Nacional 326. É um erro crasso, ainda, porque a ribeira da Mota só encontra o rio Inha já na freguesia de Canedo, a nascente do lugar do Louzado-Canedo e entre os lugares da Inha-Canedo, a norte, e Serralva-Vale, a sul.

O que espanta nisto, é que alguns "autores" da actualidade insistam em citar e divulgar asneiras e  assimilar dados pouco ou nada rigorosos, só porque se entende que citar uma fonte antiga dá ares de coisa importante.

Nunca é tarde para corrigir o que se apresenta como errado, até porque sabemos que tendencialmente uma mentira ou uma asneira contada muitas vezes pode passar a ser considerada como verdade.

15 de abril de 2020

A freguesia de Guizande, segundo Pinho Leal


Num anterior artigo (ligação) falei aqui das estórias à volta da sineta da Capela de Nossa Senhora da Boa Fortuna e Santo António, popularizada como Capela do Viso. 

Nesses apontamentos, falando então da Capela de Santo Ovídio, à qual está ligada a falaciosa teoria de que a sua sineta foi roubada pelos fregueses de Guisande para a colocarem na Capela do Viso, transcrevemos a anotação que Pinho Leal, no seu "Portugal Antigo e Moderno" de 1873, a páginas 370 do vol. III, dedicou à freguesia de Guisande  dizendo que "...tem uma capela dedicada a Santo Ovídio onde se fazem três festas no ano, muito concorridas. A quem tiver padecimento nos ouvidos, tem (segundo a crença da gente d´aqui) um óptimo remédio. É furtar uma telha e levá-la de presente a este santo; fica logo bom e a ouvir perfeitamente. É medicamento muito experimentado e aprovado pela gente da terra da Feira. A telha há-de ser furtada senão não o vale".

Apesar desta referência à Capela de Santo Ovídio como sendo da freguesia de Guisande, admite-se que Pinho Leal (que casou com Maria Rosa de Almeida, do lugar do Carvalhal, freguesia de Romariz, onde construiu casa e nela ali morou) tivesse feito confusão, porque na sua mesma obra e na sua descrição referente à freguesia de S. Tiago de Lobão também lhe atribui a pertença da capela do Santo Ovídio. Não nos parece, pois, que a capela fosse meeira das duas freguesias vizinhas nem que existissem duas distintas capelas sob a mesma invocação. Seja como for, essas referências de Pinho Leal, mais do que dissipar dúvidas, porventura aumentou-as e deixa ambas as freguesias a reclamar a capela, até porque o arraial onde se implanta é partilhado por ambas.

A obra deixada por Pinho Leal, com o título pomposo de "Portugal Antigo e Moderno: Diccionario Geographico, Estatistico, Chorographico, Heraldico, Archeologico, Historico, Biographico e Etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias…", comporta 12 volumes, publicados em Lisboa pela Livraria Editora de Mattos Moreira entre 1873 e 1890, foi importante no seu tempo. 

Todavia, tal obra não é propriamente conhecida ou reconhecida pelo rigor de muitas das suas entradas, o que de resto seria uma missão quase impossível. Se o critério fosse mesmo o rigor e o detalhe, precisaria Pinho Leal de várias vidas e dedicação exclusiva a tão grande empreendimento, sobretudo numa época em que quase não existiam estradas nem meios de transporte nem elementos que o ajudassem na pesquisa. Certamente que pelos cargos que teve, nomeadamente enquanto administrador da Casa do Côvo, em Oliveira de Azeméis, visitou muitas das aldeias e vilas, consultou arquivos e documentos e contou com a colaboração por correspondência de muitas pessoas a quem terá certamente pedido ajuda, mas seria exigir demais no que se refere a pequenas aldeias quase sem grandes documentos e elementos da sua história.
Por isso, algumas das suas referências não deixam de ser meras curiosidades e que em muitos casos  pouco esclarecem, como é o caso da propriedade e localização da Capela de Santo Ovídio. 

Para além da referência à dita Capela de Santo Ovídio, não deixa de ser curiosa a sua anotação sobre a Capela de Nossa Senhora da Boa Fortuna, bem como a indicação de que na sua envolvente, se realizava uma feira (nova) de vários géneros e gado cavalar, suíno e bovino, então conhecida como "Feira da Boa Fortuna". Terá sido mesmo assim? Nesta referência, em contraponto à questão da capela do santo protector dos ouvidos, tudo indica que sim, com mais fundamento, já que os mais antigos guisandenses falam de referências de seus pais e avós a essa dita feira.

Igualmente curiosa a indicação de que havia prémios para os melhores expositores, prémios esses atribuídos pela Câmara Municipal. Um assunto a confirmar junto dos arquivos do município.
Não é referida por Pinho Leal  a periodicidade da feira, presumindo-se que, a ter em conta a maioria das feiras na região, que fosse mensal e a feira de ano a coincidir com a data de celebração da titular da Capela, podendo aí ter sido a origem da Festa do Viso, que se realiza sempre no primeiro Domingo de Agosto.

Em todo o caso, as feiras eram por esses tempos relativamente regulares e numerosas pois constituíam basicamente uma das poucas formas de comerciar artigos em geral, pois eram poucos os estabelecimentos comerciais, sobretudo quanto à venda de certos produtos ou bens, como o caso do gado, ferramentas, etc.

A realizar-se tal feira, seria de facto nova, como menciona o autor, já que a capela era recente. De facto à data do início da publicação da obra, por 1873, a Capela do Viso tinha sido construída há poucos anos, concretamente dada como concluída em 1869. Ou seja, partindo do princípio que Pinho Leal escreveu a entrada sobre Guisande uns anos antes da publicação do respectivo volume, poderia, perfeitamente, ter visitado a freguesia quase por altura da sua construção  e mesmo presenciado as obras, até porque por esses tempos já viveria no lugar do Carvalhal, freguesia de Romariz, onde, como atrás se disse, construiu casa e ali terá vivido com regularidade até pelo menos 1865, altura em que passou a residir em Lisboa depois de ter ganho uma disputa judicial sobre o seu descobrimento das jazidas de carvão no concelho de Castelo de Paiva. Sendo apenas uma mera suposição nossa, não custa a acreditar que pela proximidade Pinho Leal tivesse estado em Guisande.





27 de novembro de 2019

Memórias Paroquiais de 1758 - Guisande - Lugares


Em 1758, três anos após o terrível sismo de Lisboa de 1755, em certa medida para saber da situação das terras e consequências do terramoto no território nacional, o Marquês de Pombal mandou realizar um inquérito em todas as paróquias. O mesmo foi enviado a todos os Bispos das Dioceses do país, para que por sua vez fosse encaminhado às então 4073 freguesias existentes em Portugal  e respondido pelos seus párocos. As respostas às diferentes perguntas (ver abaixo) deveriam ser tão precisas quanto possível e de seguida remetidas à Secretaria de Estado dos Negócios do Reino.

A tarefa de proceder à organização das respostas de todos os documentos coube ao Padre Luís Cardoso, sendo concluída apenas em 1832, já depois do seu falecimento, altura em que se terá completado o índice de todas as respostas aos inquéritos. Os originais das respostas ao inquérito encontram-se na Torre do Tombo.
Na paróquia de S. Mamede de Guisande, sucedendo ao Pe. Manuel de Carvalho, fundador da Confraria de Nossa Senhora do Rosário, no presente ainda activa, era pároco na altura o Dr. Manuel Rodrigues da Silva, que respondeu ao referido inquérito.

Desde há muitos anos que é de consenso comum e adquirido que a nossa freguesia de Guisande é constituída pela Parte de Cima e pela Parte de Baixo e por 14 lugares, concretamente: Igreja, Quintães, Viso, Cimo de Vila, Outeiro, Estôse, Pereirada, Leira, Gândara, Fornos, Barrosa, Reguengo, Lama e Casaldaça.

No entanto, na resposta ao ponto 6º do referido inquérito de 1758, o pároco referiu as partes ou metades de Cima e de Baixo, bem como os 14 lugares, mas estes com nomes que diferem um pouco da situação actual.
Respondeu o abade que a metade de Baixo era formada por  sete lugares chamados de Reguengo, Barroza, Fornos, Lama, Lamozo e Cazaldaça; e que a outra metade, chamada de Cima, tinha oito lugares, chamados de Leyra, Estôze, Pereirada, Quintam, Oiteiro, Simo de Villa, Quintana e Trás-da-Igreja.
Ora atentos à descrição, e relevando a questão da grafia própria da época, o abade começa por se enganar no total de lugares da parte de Baixo, dizendo 7 quando elenca apenas seis. Além disso, acrescenta os lugares de Lamozo e Quintam (este último que corresponderá a Quintão), mas não refere os lugares do Viso e Gândara.

Claro que ficamos sem saber em rigor qual o uso da época, podendo até ser esse o alinhamento dos lugares da freguesia na época, pelo que posteriormente, certamente devido à expansão dos lugares, terão sido acrescidos o do Viso e o da Gândara enquanto que por sua vez os lugares de Lamozo e Quintam deixaram o estatuto de lugares, passando a sítios, que de resto ainda hoje são conhecidos.

O Abade Dr. Manuel Rodrigues da Silva à data do inquérito já paroquiava Guisande há vários anos pelo que não é crível que ainda desconhecesse a composição por lugares da sua paróquia a ponto de se justificar o que poderia ser um lapso.
De todo o modo, fica a dúvida e o mistério para procurar esclarecer no futuro.

Voltaremos a este assunto das Memórias Paroquiais e o inquérito de 1758 que lhe deu corpo.

Entretanto ficam abaixo as perguntas que constavam do Inquérito ordenado pelo Marquês de Pombal.

Acrescente-se que, pelo que fui lendo nas respostas dadas por certos párocos de certas freguesias, referentes a várias freguesias, tanto do nosso concelho como de Arouca, Castelo de Paiva e outras, nem sempre os párocos respondiam à totalidade das perguntas ou apenas resumiam as mesmas tanto quanto possível, ou diziam nada ter a declarar. Sendo os padres uma entidade com conhecimento e cultura bastantes, não podiam encontrar desculpa no desconhecimento ou incapacidade de resposta às várias perguntas. Preguiça, certamente, pois tempo é que não faltaria aos então clérigos.


As perguntas colocadas no inquérito de 1758 foram as seguintes:

Parte I: O que se procura saber da terra

1. Em que província fica, a que bispado, comarca, termo e freguesia pertence.

2. Se é d’el-Rei, ou de donatário, e quem o é ao presente.

3. Quantos vizinhos tem, e o número de pessoas.

4. Se está situada em campina, vale, ou monte e que povoações se descobrem dela, e quanto distam.

5. Se tem termo seu, que lugares, ou aldeias compreende, como se chamam, e quantos vizinhos tem.

6. Se a Paróquia está fora do lugar, ou dentro dele, e quantos lugares, ou aldeias tem a freguesia, e todos pelos seus nomes.

7. Qual é o seu orago, quantos altares tem, e de que santos, quantas naves tem; se tem Irmandades, quantas e de que santos.

8. Se o Pároco é cura, vigário, ou reitor, ou prior, ou abade, e de que apresentação é, e que renda tem.

9. Se tem beneficiados, quantos, e que renda tem, e quem os apresenta.

10.Se tem conventos, e de que religiosos, ou religiosas, e quem são os seus padroeiros.

11.Se tem hospital, quem o administra e que renda tem.

12. Se tem casa de Misericórdia, e qual foi a sua origem, e que renda tem; e o que houver de notável em qualquer destas coisas.

13. Se tem algumas ermidas, e de que santos, e se estão dentro ou fora do lugar, e a quem pertencem.

14. Se acode a elas romagem, sempre, ou em alguns dias do ano, e quais são estes.

15. Quais são os frutos da terra que os moradores recolhem com maior abundância.

16. Se tem juiz ordinário, etc., câmara, ou se está sujeita ao governo das justiças de outra terra, e qual é esta.

17. Se é couto, cabeça de concelho, honra ou beetria.

18. Se há memória de que florescessem, ou dela saíssem, alguns homens insignes por virtudes, letras ou armas.

19. Se tem feira, e em que dias, e quanto dura, se é franca ou cativa.

20. Se tem correio, e em que dias da semana chega, e parte; e, se o não tem, de que correio se serve, e quanto dista a terra aonde ele chega.

21. Quanto dista da cidade capital do bispado, e quanto de Lisboa, capital do Reino.

22. Se tem algum privilégio, antiguidades, ou outras coisas dignas de memória.

23. Se há na terra, ou perto dela alguma fonte, ou lagoa célebre, e se as suas águas tem alguma especial virtude.

24. Se for porto de mar, descreva-se o sitio que tem por arte ou por natureza, as embarcações que o frequentam e que pode admitir.

25. Se a terra for murada, diga-se a qualidade dos seus muros; se for praça de armas, descreva-se a sua fortificação. Se há nela, ou no seu distrito algum castelo, ou torre antiga, e em que estado se acha ao presente.

26. Se padeceu alguma ruína no terramoto de 1755, e em quê, e se está reparada.

27. E tudo o mais que houver digno de memória, de que não faça menção o presente interrogatório.

Parte II: O que se procura saber da serra

1. Como se chama.

2. Quantas léguas tem de comprimento e quantas tem de largura, aonde principia e acaba.

3. Os nomes dos principais braços dela.

4. Que rios nascem dentro do seu sítio, e algumas propriedades mais notáveis deles; as partes para onde correm e onde fenecem.

5. Que vilas e lugares estão assim na Serra, como ao longo dela.

6. Se há no seu distrito algumas fontes de propriedades raras.

7. Se há na Serra minas de metais, ou canteiras de pedras, ou de outros materiais de estimação.

8. De que plantas ou ervas medicinais é a serra povoada, e se se cultiva em algumas partes, e de que géneros de frutos é mais abundante.

9. Se há na Serra alguns mosteiros, igrejas de romagem, ou imagens milagrosas.

10. A qualidade do seu temperamento.

11. Se há nela criações de gados, ou de outros animais ou caça.

12. Se tem alguma lagoa ou fojos notáveis.

13. E tudo o mais que houver digno de memória.

Parte III: O que se procura saber do rio

1. Como se chama assim, o rio, como o sitio onde nasce.

2. Se nasce logo caudaloso, e se corre todo o ano.

3. Que outros rios entram nele, e em que sitio.

4. Se é navegável, e de que embarcações é capaz.

5. Se é de curso arrebatado, ou quieto, em toda a sua distância, ou em alguma parte dela.

6. Se corre de norte a sul, se de sul a norte, se de poente a nascente, se de nascente a poente.

7. Se cria peixes, e de que espécie são os que traz em maior abundância.

8. Se há nela pescarias, e em que tempo do ano.

9. Se as pescarias são livres ou algum senhor particular, em todo o rio, ou em alguma parte dele.

10. Se se cultivam as suas margens, e se tem muito arvoredo de fruto, ou silvestre.

11. Se têm alguma virtude particular as suas águas.

12. Se conserva sempre o mesmo nome, ou começa a ter diferente em algumas partes, e como se chamam estas, ou se há memória que em outro tempo tivesse outro nome.

13. Se morre no mar, ou em outro rio, e como se chama este, e o sitio em que entra nele.

14. Se tem alguma cachoeira, represa, levada, ou açudes que lhe embaracem o ser navegável.

15. Se tem pontes de cantaria, ou de pau, quantas e em que sítio.

16. Se tem moinhos, lagares de azeite, pisões, noras ou algum outro engenho.

17. Se em algum tempo, ou no presente, se tirou ouro das suas areias.

18. Se os povos usam livremente as suas águas para a cultura dos campos, ou com alguma pensão.

19. Quantas léguas tem o rio, e as povoações por onde passa, desde o seu nascimento até onde acaba.

20. E qualquer coisa notável, que não vá neste interrogatório.

26 de agosto de 2019

Escola do Viso em reconstrução



Como se sabe, na actualidade o edifício da Escola Primária do Viso, depois de ter ficado devoluto, sem comunidade escolar, acabou por ser integrado no Centro Cívico, onde o Centro Social S. Mamede de Guisande desenvolve as suas actividades, embora estas ainda a "meio gás" por falta da decisão da Segurança Social relativamente ao programa de apoio, no que tem sido uma falta grave do poder político, mantendo, por interesses de cativações orçamentais, num impasse o acordo inicialmente aprovado. Adiante.

Como se percebe, este emblemático edifício, sobre o qual já aqui temos falado, nomeadamente sobre aspectos relacionados à sua origem, foi sendo alterado na sua configuração, sobretudo ao nível da cobertura e da zona dos alpendres dos recreios, bem como, naturalmente, da zona envolvente.

Recuando um pouco no tempo, e consultando o arquivo do jornal "O Mês de Guisande", ficamos a saber que pelo ano de 1985 o edifício entrava em obras de requalificação, depois de muito tempo de reclamação por parte dos professores quanto às suas precárias condições. Manuel Alves, então o presidente da Junta de Freguesia de Guisande, desculpava o executivo pelo facto de tais obras serem da responsabilidade da Câmara Municipal e que esta tardava em resolver o assunto apesar da pressão que sobre ela mantinha desde há dois anos antes (No passado como na actualidade, Guisande esquecida e ignorada pelo poder político).

Como se pode ler pelo recorte do jornal "O Mês de Guisande" na edição de Setembro de 1985, as obras constavam essencialmente de colocação de soalho novo, uma placa no tecto, reconstrução da cobertura e sua estrutura, passando a mesma das "quatro-águas" originais para "duas-águas", bem como obras nos recreios e remodelação das instalações sanitárias. Também se previa a substituição do mobiliário. Manuel Alves previa que a Câmara Municipal gastaria com tais obras pelo menos dois mil contos.

Todavia,bem à portuguesa, porque não se planearam as obras para o período de férias, perspectivava-se que as mesmas não estariam concluídas antes do início do ano lectivo pelo que se colocou a necessidade de arranjar provisoriamente um local alternativo para o funcionamento das duas salas de aulas.  O presidente da Junta informou que o Sr. Manuel Tavares, no Viso, então presidente do Guisande F.C., poderia vir ceder por algum tempo, até à conclusão das obras, o edifício da sua habitação, que na altura estava em fase final de construção mas ainda não habitado. Porém, tal não se veio a concretizar, porque tal proposta não foi aceite pelo Sr. Tavares.

Como alternativa, o presidente da Junta indicou o Rés-do-Chão do recém construído edifício da Junta de Freguesia de Guisande, no lugar da Igreja. Assim, em 30 de Setembro de 1985, teve lugar uma reunião com a presença  do Delegado Escolar, Sr. Carlos Tenreiro e o Director da Escola do Viso, Sr. Prof. Carlos Alberto Letra, a fim de serem analisadas as condições do local para funcionamento das aulas, ainda que de modo provisório. O Sr. presidente da Junta na altura não pode estar presente mas deixou as chaves. 

O parecer dos responsáveis escolares foi negativo já que consideraram que a instalação tinha reduzida luz e ventilação naturais e um pé-direito baixo. Visitaram de seguida o piso superior e concluíram que ali existiam condições para a alternativa de funcionamento das aulas. No entanto esta escolha acabou por não agradar à Junta, que a recusou, justificando vários inconvenientes, pelo que uma vez mais surgiu a necessidade de uma nova alternativa. 

No início de Outubro, a solução acabou por ser sugerida à Junta de Freguesia pelo Sr. Professor Carlos Alberto Letra e localizava-se no lugar do Viso, no edifício pertencente ao Sr. Mário Sá, na ~então emigrante na Venezuela, cuja esposa, a Srª Cecília Almeida, na altura era funcionária da Escola Primária do Viso e daí ter sugerido a possibilidade ao director escolar. Contactado o Sr. Mário Sá, este concorda em ceder a Cave da sua habitação, ampla e espaçosa, e a Junta é posta ao corrente desta opção, concordando com a mesma e garantindo os trabalhos da instalação do mobiliário ematerial necessário às aulas.

Entretanto, pela freguesia foram surgindo algumas insinuações negativas de que a Sr.ª Cecília Almeida teria algum interesse em ceder a casa pela cobrança da renda (falava-se em 20 mil escudos mensais). Porém tal não correspondia à verdade já que a intenção e disponibilidade de empréstimo do espaço da Cave da habitação era a título gratuito, apenas sob a justa condição de no final serem garantidas as mesmas condições de conservação aquando da posse, caso se registassem alguns estragos.

Para esclarecer este assunto e sanar as insinuações, a Junta de Freguesia passou uma declaração assinada pelo seu presidente, pelo Delegado Escolar e pelos professores da Escola do Viso, atestando a cedência a título gratuito. Como contrapartida a Junta comprometia-se a pagar a correspondente factura da electricidade e reparar ou pintar o espaço caso fosse necessário, devolvendo-o aos proprietários nas mesmas condições à data da sua posse.

Para reforçar este assunto, a Direcção da Escola do Viso Nº 2 - Posto Telescola Nº 666, emitiu uma circular dirigida aos pais dos alunos agradecendo publicamente a cedência do espaço para funcionamento da escola provisória  ao Sr. Mário Sá e esposa. Solicitava ainda aos pais dos alunos para instruírem e sensibilizarem os filhos quanto à importância da máxima conservação do espaço de modo a não causarem estragos e prejuízos. 

O início das aulas foi então programado para o dia 7 de Outubro mas a Junta acabou por não assegurar a mudança do mobiliário até à data, pelo que só no dia seguinte foi possível arrancar com as aulas.

Pelas previsões da Câmara e da Junta de Freguesia, as obras de requalificação da Escola do Viso teriam uma duração de 15 a 30 dias mas certo é que as mesmas se foram prolongando e pelo final de Outubro o prognóstico já apontava para a proximidade do Natal. Por outro lado, o empreiteiro era ainda menos optimista e informava o director da Escola que previa o final das obras apenas para Abril do ano seguinte (1986).
Esta situação naturalmente não agradava aos professores e aos pais já que as aulas decorriam num espaço improvisado, sem as condições adequadas e a insatisfação e críticas começaram a ser dirigidas à Junta de Freguesia, por sua vez também acossada pela oposição.

As obras de facto não foram realizadas até ao Natal, mas não se prolongaram até Abril como tinha sido previsto pelo empreiteiro, tendo, sim, sido dadas como terminadas em Fevereiro de 1986. A mudança para a escola renovada aconteceu precisamente no dia 26 de Fevereiro desse ano. Terminara, pois, um período de funcionamento em local provisório que durou quase cinco meses.

Esta situação certamente que hoje já não é lembrada por muitos, mas aconteceu e faz parte do historial deste emblemático edifício que diz muito a várias gerações de guisandenses.

16 de agosto de 2019

Motorizadas em Guisande - Ali vai o Tozé pela Farrapa abaixo....



Foi um dos eventos míticos dos anos 80 ocorridos na nossa freguesia de Guisande. Estávamos em 24 de Outubro de 1982, um Domingo cinzento e chuvoso, como se esperaria que fosse a meio do Outono.
Num circuito formado por algumas ruas da freguesia, realizaram-se provas de motociclismo com veículos com motores de cilindrada de 50 cm3, vulgo motorizadas.

As provas, nas categorias de juniores e seniores, extra-campeonato, foram organizadas pela Associação Desportiva e Cultural de Lobão, com o carismático Nani, como director das provas. Na época estas corridas de motorizadas eram populares e disputavam-se um pouco por todo o lado já que as exigências regulamentares e de segurança eram, a bem dizer, nenhumas.

Nestas provas em Guisande, rezam as crónicas que participaram cerca de 30 pilotos e respectivas equipas técnicas. Na altura esteve presente o campeão nacional, um tal de José Pereira, o qual não logrou melhor que o 4º lugar.

As provas tiveram o seu início pelas 16:00 horas, com duas horas de atraso em relação ao programado, devido à chuva e à desorganização. 

Pelas 16:00 horas teve lugar o ensaio geral para testes e afinações; Pelas 16:30 horas a sessão de treinos oficiais para a categoria de juniores. Pelas 16:45 horas o treino oficial para os seniores. Pelas 17:15 horas, a prova dos juniores com 15 voltas ao circuito, com 16 pilotos. Pelas 17:45 horas a prova principal, com o seniores a darem também 15 voltas, participando 14 pilotos. Venceu o piloto Nº 1, "Tozé" com um avanço de cerca de 500 m.
Pelas 18:30 horas, já quase de noite, a entrega dos prémios. 

O circuito (ver mapa abaixo), com uma extensão aproximada a 1, 6 Km, englobava aquelas que são hoje partes das ruas S. Mamede (da Farrapa de Baixo à Gândara, passando por Linhares), Rua Nossa Senhora de Fátima (da Gândara à Leira) e Rua Cónego Ferreira Pinto (da Leira à Farrapa de Baixo), com sentido anti-horário. A meta estava colocada na recta da Gândara.


Na altura (em que uma câmara de filmar era um luxo) alguém filmou parte das provas, localizando-se no cruzamento da Leira. Esses vídeos (de onde extraímos as imagens), são de fraca qualidade mas ainda podem ser encontrados pelo Youtube.
Com a ajuda dos referidos vídeos e das memórias desse tempo, porque assisti à prova, percebe-se o amadorismo da organização, com o público nas bermas, circulando e atravessando constantemente a estrada, mesmo com as motorizadas a circular. Os homens da organização estavam equipados com umas bandeirolas (verdes, para mandar "assapar" e vermelhas (para parar) e ainda uns enormes walkie-talkies com umas antenas compridas que mais pareciam canas de pesca, com os quais comunicavam as ocorrências.

Num dos vídeos vê-se mesmo uma aparatosa queda de um dos participantes, com este a dar várias cambalhotas no alcatrão e a motorizada a deslizar quase "varrendo" alguns dos que ali assistiam. "Foge Quim..."



Vistas as coisas à distância do tempo, e já lá vão quase 40 anos, não conseguimos resistir a uns sorrisos, sobretudo pelo amadorismo da organização e condições de segurança e assistência, que em rigor não existiam, para além de uns fardos de palha colocados na saída de algumas curvas. De resto as estradas estavam em péssimo estado, chovia e o público, como já se disse, passeava livre e descontraidamente pelo circuito, numa passividade domingueira, com a indiferença de alguns elementos da GNR que ali estavam de serviço, muito solenes nas suas polainas de cabedal e cassetete a tiracolo.



Bons tempos, esses, em que as motorizadas eram rainhas das nossas estradas e o tal de Tozé acelerava pela Farrapa abaixo, destemido, enfiado no seu fato de napa e montado na sua motorizada toda produzida para "cortar o vento".

13 de agosto de 2019

Rádio Clube de Guisande - Chama intensa


Era uma vez um grupo de jovens, que algures pelo início dos anos 1980 criaram uma associação cultural e nela um jornal mensal entre outras múltiplas actividades. Bem, em rigor foi ao contrário; primeiro o jornal e depois a associação. Não foi em Lobão, Gião ou Louredo, mas em Guisande.

Poucos anos mais tarde, em meados dos anos 80, a febre das rádios locais, rádios livres ou piratas, como vulgarmente eram conhecidas, andava a atacar um pouco por todo o lado e os mesmos jovens, não de Lobão, Gião ou Louredo, mas de Guisande, decidiram criar uma rádio local. Estávamos em Agosto de 1985.

Vai daí, com o nome dado, Rádio Clube de Guisande, escolhido num dia de praia em Espinho, por Américo Almeida e Rui Giro, e com o indispensável apoio técnico do entusiasta da electrónica  António Pinheiro, e com a aderência de muitos outros jovens, em pouco tempo e após a melhoria gradual das condições técnicas, a jovem rádio chegava a muitas casas, não só na freguesia como nas freguesias vizinhas e até mais além, (depois de instalada uma antena - ela própria com uma estória) que ainda hoje resiste).

Certo é que, de acordo com o jornal "O Mês de Guisande", em Dezembro de 1986 a emissão já estava estruturada e com um vasto grupo de pessoas a dar corpo ao manifesto.
Assim: 

Domingo: Das 07:00 às 09:00 horas: "Bom Dia, Domingo", com Mário Costa e Marco Paulo Alves;
Das 09:00 às 12:30 horas: "Domini", com Américo Almeida;
Segunda-Feira a Sábado: Das 14:30 às 17:00 horas "Guisande à Tarde", com David Conceição (uma das figuras emblemáticas da RCG, na foto acima);
Segunda-Feira: Das 20:00 às 23:00 horas: Desporto e Música", com Américo Almeida, Rui Giro e Elísio Monteiro;
Terça-Feira: Das 20:00 às 23:00 horas: A Vez e a Voz", com David Conceição;
Quarta-Feira: Das 20:00 às 23:00 horas: "Rota Nocturna", com Alberto Jorge;
Quinta-Feira: Das 20:00 às 23:00 horas: A Vez e a Voz", com David Conceição;
Sexta-Feira: Das 20:00 às 24:00 horas: Espaço Jovem", com José Higino Almeida;
Sábado: Das 13:00 às 14:30 horas: Quiosque do Som", com Elísio Mota;
Das 17:00 às 18:00 horas: "Sábado Especial", com Mário Costa e Marco Paulo Alves;
Das 18:00 às 20:00 horas: "Tema Livre", com Mário Silva.

Um ano antes, em Novembro de 1985, a programação (com carácter experimental) da rádio publicada no jornal "O Mês de Guisande", com a curiosidade do primeiro logotipo:



Um pouco mais tarde, era imperioso meter ordem na casa e o Governo lá arranjou um processo de candidaturas e atribuição de frequências. Mesmo que candidatando-se com um grupo de outras boas rádios do concelho (Rádio Clbe de Guisande, Rádio de Lourosa, Rádio Santa Maria e Rádio Independente da Feira), num projecto comum designado de "RTF - Rádio Terras da Feira", as duas licenças previstas para o concelho da Feira foram atribuídas à Rádio Clube da Feira (frequência 104.90) e (com enorme surpresa) à Rádio Águia Azul (frequência 87.60 ), em 21 de Abril de 1989.

Poucos dias antes, à margem da apresentação do Programa  de Apoio às Associações Juvenis, que decorreu em Viseu, em 15 de Abril de 1989, o director do jornal "O Mês de Guisande" e da Rádio Clube de Guisande", Rui Giro, ainda teve a oportunidade de falar pessoalmente com o então Ministro da Juventude, Couto dos Santos, mas apesar das palavras de estímulo e esperança deste, tal acabou por ser inconsequente e de nada valeu o esforço.

Depois ainda subsistiu a esperança de atribuição de uma terceira frequência ao concelho numa segunda-fase, mas tal não veio a suceder.  De resto alguém no concelho, se esforçou para que não fosse atribuída uma terceira frequência.

Este foi um processo polémico em que logo se percebeu que quem melhor mexeu os cordelinhos das influências políticas recebeu a prenda.  Deu-se primazia à rádio de uma única pessoa em detrimento de uma rádio que englobava um grupo alargado de pessoas e freguesias.

É claro que depois alguém andou durante anos a fazer as devidas vénias a quem fez por isso. Coisas da política. Mas, já passaram 30 anos e alguns dos então intervenientes já por cá não andam. Coisas passadas que já não movem moinhos, nem de água nem de vento. Apenas as memórias baloiçam na brisa do tempo.

De lá para cá as referidas rádios deram muitas voltas, piruetas e cambalhotas, mas mesmo que longe dos pressupostos iniciais, lá continuam, umas vezes na onda de cima, outras na de baixo.

Pela nossa parte e de quem ficou de fora nessa época, foi pena, mas temos que admitir que era necessária ordem numa anarquia que se instalou, embora salutar. 

Certo é que enquanto durou, a "Rádio Clube de Guisande" tornou-se numa referência de cultura e convívio para muitos jovens na nossa freguesia. As memórias e saudades são, naturalmente, muitas.
De facto aqueles jovens na década de 80 não tinham internet, nem facebook, nem smartphones, e poucos tinham carro, ou, se sim, apenas chaços, mas tinham uma chama intensa e um forte espírito de grupo e partilha.

Hoje em dia, apesar dos meios tecnológicos e fácil acesso a plataformas de comunicação, incluindo de rádio e tv, não se vêem grandes projectos, sobretudo os ligados à cultura e identidade das aldeias, mas fundamentalmente boçalidades e egocentrismos. Mas há que respeitar. Afinal são novos os tempos e os sinais deles. Nem tudo mal, mas nem tudo bem.


10 de agosto de 2019

Guisande Futebol Clube - Campos de Jogos - 2


Retomando os apontamentos à volta dos campos de jogos no historial do Guisande F.C., no anterior artigo referimos que o Campo de Jogos "Oliveira e Santos" foi inaugurado  em 2 de Novembro de 1986. Todavia, as obras realizadas até àquela data foram as estritamente necessárias para as condições mínimas na altura exigidas. Por conseguinte, depois dessa importante data, o campo de jogos, tal como o conhecemos hoje, foi resultado de várias obras durante diversos mandatos e dinamizadas por diferentes corpos gerentes.

As obras iniciais não foram fáceis porque desde logo as verbas então existentes eram escassas, como na altura, em Julho de 1985 o então presidente da Direcção, Sr. Manuel Tavares, dava conta em entrevista concedida ao jornal "O Mês de Guisande". 

De facto nesse mês de Verão, as obras iniciaram-se com a terraplanagem do terreno, realizada pelo empreiteiro de Paços de Brandão, Sr. Firmino Gomes, cujos trabalhos custaram 350 contos, mas tendo sido interrompidos porque não havia mais dinheiro. Em concreto existia numa conta do Banco Espírito Santo a quantia de 200 contos transitada da anterior Comissão de Obras e angariada para o campo de jogos anteriormente previsto noutro local da freguesia, mas cujo negócio deu em "águas de bacalhau" ou mesmo como então disse Manuel Tavares "...já haviam existido duas oportunidades para se criar campos de futebol e como é sabido ambas deram em fiasco e de uma maneira esquisita".

Como fonte de receita para as restantes obras necessárias à mudança de casa, Manuel Tavares esperava o apoio e colaboração da população, emigrantes, Junta de Freguesia e ainda da Câmara Municipal com o fornecimento de material e seu transporte.
Apesar dos constrangimentos financeiros face às necessidades da obra, o presidente da Direcção do clube dizia que "...isto não é para parar mas sim para prosseguir a todo o gás".

Como curiosidade do que Manuel Tavares declarou na referida entrevista ao jornal "O Mês de Guisande", as ideias ou projectos para o novo campo de jogos, incluiriam uma pista de atletismo e balneários subterrâneos. Ainda uma bancada central.
Estas boas ideias, excepto a bancada central, nunca vieram a ser concretizadas. Obviamente que o homem sonha e a obra nasce, diz o poeta, mas sem dinheiro e recursos as coisas ficam apenas pelos sonhos. Foi o que aconteceu. Em todo o caso, o Campo de Jogos tal como existe é de qualidade significativa e obviamente que custou muito do esforço da freguesia no seu todo.

A par das dificuldades financeiras da época, surgiram problemas com os aspectos legais do terreno doado pelo Sr. Américo Pinto dos Santos e sua esposa Maria Angelina Oliveira Gomes. A Câmara Municipal ter-se-á comprometido a tratar da legalização predial, nomeadamente junto das Finanças e depois na Conservatória do Registo Predial, pelo que seria complicado avançar-se com obras sem a doação estar devidamente formalizada e o terreno no nome do clube. 

Assim, de modo a adiantar o andamento das obras, em declaração que a seguir transcrevemos, e que na altura foi publicada no jornal "O Mês de Guisande", os doadores passaram um documento no qual declaram pública e oficialmente que "...para os devidos e efeitos legais, oferecem ao Guisande Futebol Clube uma parcela de terreno , sita no lugar do Reguengo, freguesia de Guisande, concelho da Feira, com a área de 12 mil metros quadrados, destinado ao campo de futebol do clube acima citado, não podendo a colectividade dar outro uso que não seja para o fim destinado e acima mencionado".

Mais declararam que o clube assim poderia dar início às obras que fossem destinadas à construção do campo de futebol e que desde essa data seriam da responsabilidade do clube. Mais ainda, que oportunamente, logo que as Finanças indicassem o Nº da inscrição matricial, formalizariam a doação por escritura notarial.
Esperamos vir a ter a oportunidade de publicar por aqui a escritura de doação. Para já, o recorte da publicação no "MG" da referida declaração.


Como se vê, no contexto das histórias relacionadas aos campos de jogos do Guisande F.C., há vários apontamentos de interesse e que se não forem anotados obviamente que acabarão por caír no esquecimento da nossa memória colectiva.

Voltaremos ao assunto.

7 de agosto de 2019

Aprender sobre a Escola do Viso







Poucos terão reparado, mas o edifício da Escola Primária do Viso ao longo do tempo da sua existência sofreu várias alterações, resultado de obras de conservação e requalificação. A primeira das fotos acima, com a data do ano de 1961, bem como a segunda, de 1982, são sensivelmente iguais à da construção original. 

Todavia, pelas obras realizadas já próximo dos anos 90, a configuração da cobertura foi alterada, passando do clássico de "quatro-águas" para "duas-águas". Também a zona do recreio foi fechada com caixilharias. Do mesmo modo as vedações exteriores, nomeadamente nas envolventes nascente, norte e poente foram alteradas.

Finalmente, com o encerramento da actividade escolar e com a exportação massiva dos nossos alunos para freguesias vizinhas, o edifício passou a devoluto. Felizmente, numa boa decisão e sentido de oportunidade, é integrado no edifício do Centro Cívico do Centro Social S. Mamede de Guisande, mantendo quase todas as suas características e sendo ampliado com as modernas instalações.

Quanto a alguns apontamentos sobre a história da Escola Primária do Viso, republico o que já há algum tempo por aqui publiquei, então um pouco a pretexto da água de nascente que vinda do Monte da Mó abastecia o edifício escolar.

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Escrevi então por aqui, alguns dados documentais sobre a construção do edifício da Escola Primária da Igreja, que ocorreu no ano de 1969. Fiz então uma referência ao período temporal em que terá sido edificado o edifício da  Escola Primária do Viso, tendo considerando por alguns testemunhos que entre o final dos anos 40 e princípio dos anos 50.

Para de algum modo confirmar esta suposição, tive a oportunidade de pesquisar o livro de actas da Junta de Freguesia de Guisande desse período, em que era presidente o Sr. António Leite de Oliveira Gomes, o Sr. Joaquim Gomes d´Almeida, secretário e o Sr. António Francisco de Paiva, tesoureiro.

A pesquisa foi curta e pouco exaustiva mas ainda assim dela colhi uma acta da sessão datada de 30 de Novembro de 1949, em que é mencionada a curiosa cedência/venda de direitos de abastecimento de água à escola do Viso, referida no documento como “novo edifício escolar”. 

Confirma-se assim que nessa data a escola já estaria edificada e concluída e por isso a necessitar de água. Por outro lado, considerando que a acta está reportada ao final do mês de Novembro, concretamente ao dia 30, será de supor que o ano escolar já teria começado, restando saber se já no novo edifício escolar, e se já com ou ainda sem  abastecimento de água, ou se a entrada ao activo aconteceria depois dessa data. Presumo que tendo este assunto sido motivo da acta da Junta em Novembro, o tal acordo de concessão terá ocorrido alguns meses antes, por conseguinte ainda a tempo de abastecer a escola por altura do começo do ano escolar (meados de Setembro, princípios de Outubro). 

É apenas uma suposição, mas não andará longe da verdade. Em todo o caso é uma situação a confirmar, eventualmente pesquisando o tal livro das actas a saber se há alguma referência quanto a esse pormenor ou então apelando à memória de alguém que tenha frequentado a escola no mesmo momento da sua entrada em funcionamento. Neste caso estamos a falar de pessoas que actualmente andarão na caso dos 74/75 anos, pois pressupondo uma entrada na primeira classe com 6 anos, para entrar em 1949 teria nascido em 1942/1943, por aí. Seja como for, é legítimo considerar e quase certo que a escola primária do Viso entrou em funcionamento em 1949 ou o mais tardar em 1950.

Voltando à questão do abastecimento de água à escola do Viso, é normal que fosse garantida uma solução de água de nascente, pois nessa época obviamente não havia rede pública e os poços eram poucos e os que havia necessitavam de rudimentares motores a petróleo, o mais vulgar, ou outro combustível, já que a freguesia por essa época  pós-guerra ainda não tinha rede eléctrica. Por conseguinte, entre a opção de encontrar água a uma cota elevada e pagar os respectivos direitos de exploração e passagem, o empreiteiro ou a entidade responsavável pela construção, acabou por encontrar uma solução no próprio local face à existência da rede de consortes. 

Independentemente do valor acordado como pagamento aos consortes, pelos tais 500 litros diários em dias de aulas, certamente que foi uma solução vantajosa para a entidade construtora ou adjudicante e com direitos perpétuos, tanto quanto se saiba. Obviamente que nessa altura ninguém suspeitaria que a então nova escola acabaria por fechar portas ao ensino passados mais ou menos 60 anos.

O contrato de concessão eventualmente poderia contemplar uma cláusula em que a mesma cessaria caso o edifício deixasse de ter a função de escola, por demolição ou por abandono. É uma questão a verificar caso ainda exista algum contrato da concessão, mas creio que não. De resto, mesmo tendo passado para a alçada do Centro Social, o edifício continua ainda a poder beneficiar da água, mesmo que já com ligação à rede pública.

Por outro lado, face a essa necessidade de água de nascente, não custa a crer que a localização do primeiro edifício escolar público em Guisande tenha sido escolhida em função da tal possibilidade de abastecimento por concessão de uma rede de consortes. de facto na época não seriam muitos os locais a beneficiar desse tipo de abastecimento. Por outro lado, na época procuravam-se para as escolas locais arejados e com boa localização, por isso com boas garantias no Monte do Viso e próximo à capela.

Quanto à referida rede de água de consortes, da qual foi concessionada uma parte ao edifício escolar, esta provém de uma nascente localizada na encosta poente do Monte da Mó, cujo percurso, da nascente à escola, ronda quase 1 quilómetro. A nascente  está na base de um poço com mais ou menos 20 metros de profundidade, por sua vez captada em três galerias que se desenvolvem em diferentes direcções e seguindo depois numa galeria com cerca de 100 metros de comprimento, do poço à boca da mina a partir da qual segue em tubagem.

Como se poderá perceber, à altura da edificação da escola do Viso, este abastecimento já existia há muitos anos e era à altura dos consortes referidos, dos quais se inclui o meu avô paterno. De resto a parte da água a ele pertencente ainda existe embora já dividida em quatro partes, uma das quais herdada pelo meu pai. A divisão da água pelas diferentes partes e consortes acontece num depósito distribuidor existente sobre o muro à face da habitação da Sr. Laurinda Almeida, minha tia. Dali parte para os diferentes consortes.

Esta rede de água originalmente estava entubada em tubos de grés, dos quais ainda há vestígios,  depois em tubos de ferro galvanizado e mais tarde entubada em tubo plástico. A nascente é abundante e nunca secou embora devido ao “raposo” e à seca no Verão por vezes o caudal sofra uma redução. Com a abertura da Auto Estrada A32, no lugar do Outeiro, o ramal foi afectado e maltratado, como outras estruturas na freguesia, e tem estado em parte a céu aberto no troço a montante da sua passagem debaixo do passeio do viaduto.

Depois do viaduto segue sempre enterrado até desembocar nos diferentes destinos. Entre o ponto mais alto (nascente) e o ponto mais baixo (Casa do Santiago) a rede tem um desnível de aproximadamente 60 metros (cota 290 até às cota 230). Já em relação à escola o desnível é de 40 metros. Em relação à caixa distribuidora o desnível é de 34 metros.

Quanto à referida acta da reunião de Junta, que abaixo se reproduz, para facilitar a leitura, a seguir transcrevemos a mesma na sua parte relacionada com o abastecimento de água ao edifício escolar. De notar que a importância  pelos direitos da água paga pelo empreiteiro aos consortes está com um espaço em branco, desconhecendo-se assim o respectivo valor e se tal foi deixado em branco de forma propositada ou por à data se desconhecer a quantia em concreto.

Acta da sesão da Junta de Freguesia de Guisande, concelho da Feira.

Aos trinta dias do mês de Novembro do ano de mil e novecentos e quarenta e nove, se reuniram em sessão ordinária presidente e vogais da referida Junta na sua sala de sessões pelas onze horas. Aberta a sessão disse o presidente que seria necessário e vantajoso constar no livro das actas, as condições que foram estabelecidas entre as autoridades da freguesia e os proprietários da água que abastece o novo edifício escolar.

Consortes da referida água são os seguintes: Joaquim Gomes de Almeida; Manuel Pereira dos Santos, António Alves Santiago e Elísio Ferreira dos Santos, fizeram esta concessão mediante a importância de (...) cujo a qual foi entrege pelo empreiteiro da mesma escola, tendo os referidos proprietários declarado que deixariam seguir para o tubo que a lá conduz cerca de 500 litros por dia, excepto aos Domingos, dias santificados e feriados, isto é, naqueles em que não há aulas, e além disso também durante todas as férias, só no caso se for preciso para lavagem da mesma. (---)


Saudosa escola do Viso,
À sombra do velho sobreiro,
Ecos de alegria e riso
Ressoam de um tempo primeiro.

Jogos, brincadeiras, folguedos,
Contas, ditados e escritas,
Tuas paredes guardam segredos
Memórias doces e bonitas.

Em ti aprendi a ler,
Nos livros que ainda guardo,
A fazer contas, a escrever
No caderno o ditado.

Professoras e meus colegas,
Rostos que ainda retenho;
Corridas, pião, cabra-cegas
Mas nas aulas, sempre empenho.

Por tudo isso, velha escola,
Saudades já tenho de ti,
Dos livros e lápis na sacola,
Letras e contas que aprendi.

Até agora, que morreste,
De tantos que partiram,
Quantas crianças acolheste,
Quantas lições te ouviram?

Já com as rugas da velhice
Regressam a ti de verdade;
Falta-lhes a cor da meninice,
Sobra-lhes a doce saudade.

- Américo Almeida

31 de julho de 2019

Guisande Futebol Clube - Campos de Jogos - 1


Em anteriores apontamentos sobre alguns dos aspectos históricos e desportivos do Guisande Futebol Clube, já abordamos a questão dos campos de jogos que o clube teve como seus.
Mesmo que ainda sem elementos adicionais que melhor possam contribuir para documentar esta importante questão, procuremos, todavia, ao que foi escrito, acrescentar outros apontamentos, mesmo que repetindo alguns já anteriormente publicados.

Campo da Leira

Do que tenho memória, e há quem a tenha de forma mais precisa e mais recuada no tempo, e até mesmo experienciada, no caso de quem por essa altura jogava, o Guisande Futebol Clube realizava os  seus jogos caseiros num campo localizado no lugar da Leira, já próximo do lugar da Gândara, daí ter ficado conhecido como o "Campo da Leira", implantado à face da estrada que é hoje a Rua Nossa Senhora de Fátima.
O terreno era propriedade dos pais do Jorge da Silva Ferreira, por eles cedido a título de empréstimo e por isso num contexto provisório e precário.


Acima, vista aérea do local onde existiu nos anos 70 o campo de jogos da Leira. Como se perceberá, o antigo rectângulo de jogo ocupava espaço agora ocupado por algumas habitações.

Os pormenores relativos ao campo e às obras mínimas necessárias, como terraplanagem e construção de balizas e vedação do rectângulo de jogo, têm histórias e particularidades curiosas, de que alguns felizmente ainda se lembram, sobretudo o Sr. Valdemar Pinheiro, antigo atleta, massagista e dirigente do clube. Importa, recolher no papel ou em vídeo esses testemunhos que parecendo de somenos importância, são deveras interessantes até porque ajudam a compreender a dinâmica e envolvência daquele grupo de pessoas que por esses tempos  projectavam já a formação de um clube com a identidade guisandense.

Estávamos no início dos anos 70, eventualmente ainda no final dos anos 60, e ali o clube ainda sem estar constituído como tal, disputava com alguma regularidade jogos de carácter amistoso (por vezes pouco, diga-se), essencialmente contra equipas vizinhas, como o Lobão, o Romariz, o Pigeiros e outras mais. Obviamente, com as equipas das freguesias vizinhas a rivalidade era esperada e aumentada e que por esses tempos já arrastava multidões à Leira. Sempre que havia golo, o grito da assistência entusiasmada pelo mesmo, ecoava por toda a freguesia e chegava mesmo ao alto do Viso.

O campo, sendo já quase um luxo por esses tempos, obviamente que não tinha mais nada para além de um terreno mais ou menos plano e duas balizas que até chegaram a ser de madeira e ainda uma cerca também em barrotes de madeira. Por isso, os atletas equipavam-se e tomavam banho de forma muito improvisada numa ou noutra casa no lugar da Leira (como na casa do Coelho na Leira) ou  na Gândara (no que é hoje a Casa Neves). A água, quando a havia, era do poço e fria, fosse de Verão ou Inverno pelo que os duches eram debaixo da bica bombeada na hora. - Olha, foi golo do Guisande! - comentava-se.

O campo era de dimensões reduzidas e com pouco espaço para o público, sobretudo na central nascente, entre o campo e a estrada. Entre a baliza norte e os prédios vizinhos  havia pouco espaço pelo que sempre que a bola para lá era rematada "à Romariz" - chutão para o ar, sem qualquer nexo - , era um cabo dos trabalhos para a resgatar. Podia ser alguma má vontade do vizinho, mas temos que reconhecer que também era uma chatice constante e além do mais causava estragos na horta ou no jardim. É claro que tratou-se de remediar a coisa com uma rede alta colocada no topo norte mas mesmo assim por vezes lá surgia um remate desenquadrado não só com a baliza como com a rede e a bola lá seguia aterrando num pé de alface derrubando uma couve galega.

Apesar da precariedade deste campo, certo é que ali se disputaram grandes jogos, emotivos e com assistência de fazer inveja a muitos dos actuais jogos de campeonatos nacionais.
Em todo esse tempo que durou o Campo da Leira, foi-se cimentando a identidade do Guisande F.C. e dos vários jogadores que por ali passaram, sobretudo os da terra, alguns continuaram a aventura de jogadores do clube e mais tarde dirigentes. Foi, pois, uma etapa cheia de significado.

Campo da Barrosa

O campo de jogos na Leira durou alguns anos, quase até ao final da década de 70, mas mais tarde, já com o Guisande F.C. constituído como associação e devidamente federado na Associação de Futebol de Aveiro, aconteceu a mudança de casa e da Leira mudou-se para o lugar da Barrosa, num terreno também exíguo, localizado a nascente da casa do Sr. Raimundo Almeida e onde hoje se encontra implantado um pavilhão onde labora uma actividade de embalagens de cartão.

Uma vez mais era uma casa a título provisório. Segundo o testemunho de um dos presidentes da Direcção do clube desse tempo, a utilização do espaço estava sujeita ao pagamento de uma renda mensal, embora não tivesse memória para o valor que então era pago à proprietária, a S.ra Conceição, tia do Prof. Rodrigo Correia. Segundo o Sr. Valdemar Pinheiro, há a ideia de que o valor da renda mensal seria de 150 escudos.


Acima, vista do local onde existiu o Campo da Barrosa, à face sul da  actual Rua 25 de Abril. 
Ainda existente, um anexo que engloba parte ou mesmo a totalidade do que era então o balneário. Na platibanda da fachada existia um elemento decorativo com o emblema e a designação do clube.



Acima, vista parcial do campo da Barrosa, de sul para norte. Foto de meados dos anos 1980, praticamente nas vésperas de mudança para o então novo campo no Reguengo.


O Guisande F.C. oficialmente foi fundado em 31 de Outubro de 1979, data a que corresponde a outorga da escritura pública no 2º Cartório da Secretaria Notarial da Feira, com entrada a folhas 67 do livro nº 541-B. É certo que as suas origens ou raízes são bem anteriores, mas legal e oficialmente, apenas em 1979.
Por sua vez, a constituição da associação que tomou o nome de Guizande Futebol Clube, foi publicada no Diário da República nº 296, III série, de 26 de Dezembro de 1979, conforme o testemunha o extracto abaixo reproduzido.

Nota à margem: Importa lembrar que mesmo sem actividade formal há já algumas épocas, o clube está a poucos meses de celebrar 40 anos de fundação e seria bom que algo se fizesse em favor da efeméride. Fica o repto. Quiçá um encontro convívio entre ex-dirigentes, atletas e sócios. Porque recordar também é viver.



Por conseguinte, a entrada do clube nas competições oficiais da Associação de Futebol de Aveiro acontece logo no mesmo ano da fundação, concretamente na época desportiva de 1979/1980, tendo participado no Campeonato Distrital da 3ª Divisão - Zona Norte - da Associação de Futebol de Aveiro, com 24 atletas seniores inscritos. No final da competição de 24 jornadas o clube obteve um honroso 5º lugar. Era Presidente da Direcção o Sr. Manuel Rodrigues de Paiva.

Os jogos foram, pois, já disputados no novo Campo da Barrosa. Segundo memória do Sr. Valdemar Pinheiro, o primeiro jogo oficial ali disputado aconteceu com o Mocidade Desportiva Eirolense, uma equipa da zona de Aveiro, em que o Guisande F.C. venceu por 3-1.
Sobre este clube do Eirolense, diga-se que foi fundado um pouco antes do Guisande, precisamente em 15 de Outubro de 1976.

O Campo da Barrosa tinha dimensões mínimas, com reduzido espaço para a assistência, sobretudo nas laterais, mas tinha uns balneários, muito básicos, mas suficientes para a exigências desses tempos. As balizas ali instaladas vieram do Campo da Leira e mais tarde foram para o campo do Reguengo.


Acima o local onde existiu o Campo da Barrosa durante quase toda a década de 1980. No local ainda existe, como um anexo, o que era parte do balneário do clube. Muito básico, mas melhor que nada. Por muitos outros campos de jogos da vizinhança as condições não eram muito superiores.


Uma das boas equipas do Guisande F.C. que jogou no mítico Campo da Barrosa. Entre vários atletas, alguns da casa, como Joaquim Alves (Teixeira) e António Ribeiro.

Campo de Jogos "Oliveira e Santos"

O Guisande F.C. jogou, pois, no Campo da Barrosa uma grande parte da década de 80, antes de se mudar para o Campo de Jogos "Oliveira e Santos", no lugar do Reguengo, o que aconteceu após a inauguração deste em 2 de Novembro de 1986.

O acontecimento da inauguração foi notícia em jornais nacionais, como "O Comércio do Porto" e o jornal "O Jogo", entre outros, e também mereceu reportagem do jornal "O Mês de Guisande", na sua edição de Novembro de 1986.
A cerimónia, foi uma festa rija, com a presença de  autoridades locais, dirigentes, sócios e população em geral e dela fez parte o jogo inaugural com a equipa do Macieira de Sarnes, em jogo a contar para a 2ª jornada do Campeonato Distrital da 2ª Divisão, em que venceu por 1-0.
Recorde-se que o clube havia subido da 3ª para a 2ª Divisão na época de 1982/1983, depois de ter obtido o 3º lugar na classificação geral.

Quando se dá a inauguração  e mudança para o novo campo de jogos, era treinador da equipa o carismático Carlos Pedro. Do plantel constavam jogadores como Fonseca, Baptista, Ernesto, Pedro Moreira, Armindo Gomes, Azevedo, Vítor, João, Vivas, J. Augusto, Maximino e Américo Vendas, entre outros..

O presidente da Direcção do clube, o Sr. Manuel Rodrigues de Paiva declarou nessa ocasião que as obras teriam custado ao clube a verba de 7 mil contos, uma grande parte desse dinheiro angariado em peditório à população de Guisande e junto dos associados, para além dos apoios da Junta de Freguesia e Câmara Municipal, entre outras entidades e pessoas.

É claro que o campo de jogos nessa época não tinha as condições tais como as conhecemos hoje. Foi um trabalho continuado pelos anos seguintes, com obras e melhoramentos, tanto nos balneários como nas vedações, bancada e cobertura da bancada central. Todas as obras pelos anos seguintes couberam às várias direcções do clube bem como de modo especial à capacidade do saudoso Elísio Mota que soube congregar esforços e apoios que permitiram dotar o local com boas condições, muito acima das de vários clubes com maior pujança.

Até mesmo a equipa actual designada como Veteranos Guisande F.C., pese as dificuldades, tem conseguido tratar da manutenção das instalações e, tão importante como isso, dar vida ao espaço, disputando ali um campeonato de futebol de veteranos, mesmo que fora do âmbito da Associação de Futebol de Aveiro. No caso, faz parte da Associação de Atletas Veteranos de Terras de Santa Maria, no qual tem participado com mérito.




Acima, imagens de aspectos e localização do actual Campo de Jogos "Oliveira e Santos"

Os beneméritos:

Importa para a história do Guisande F.C. realçar que a construção deste campo de jogos no Reguengo só foi possível a partir da generosidade dos beneméritos Américo Pinto dos Santos e sua esposa Maria Angelina Oliveira Gomes (já falecidos), que doaram ao clube os terrenos chamados do "Albitre", necessários ao empreendimento e respectivos acessos envolventes. Daí a designação, Campo "Oliveira e Santos", numa junção de apelidos do casal de beneméritos.

Inicialmente o espaço até foi designado pomposamente de "Estádio Oliveira e Santos", mas  soava a ambição a mais, já que na realidade era nessa altura apenas um simples campo de futebol, ainda sem vedações, sem bancada e com um pequeno balneário. Nas condições actuais justificaria melhor o epíteto de estádio, mas isso é o menos importante. Estádio, Campo ou Parque de Jogos, vai dar ao mesmo e mais importante do que isso é o peso da história carregada e o que o clube representou e ainda representa. É certo que atravessa um período sem actividade, sem corpos gerentes e sem competições oficiais, para além da boa excepção referente à actividade da equipa de veteranos, mas pelo menos importa que a memória não morra e que se mantenha a esperança de que mais cedo ou mais tarde o clube possa ser reactivado, mesmo que num contexto de actividade diferente.

Infelizmente no contexto de poder local actual, a esperança não tem muito a que se agarrar, pois deixou de haver o "amor à terra e à camisola" e por agora as freguesias são geridas como um negócio, sem afectos e com pouco respeito pela memória, tradições e identidade de um passado colectivo. Podem dizer o contrário mas a realidade desmente-os.


Lápide em mármore colocada na frontaria da entrada do campo de jogos, em reconhecimento dos beneméritos.

Muito mais haverá a dizer, sobretudo em relação a este Campo de Jogos  "Oliveira e Santos", nomeadamente quanto às questões relacionadas com a angariação dos dinheiros, promoção e realização das obras. Ficará para próximos apontamentos.

Pelo meio, há interessantes histórias à volta de outros locais que estiveram na berlinda para serem  o campo de jogos do Guisande F.C., nomeadamente em Cimo de Vila na zona do Monte de Mó, junto ao limite com Louredo, em terrenos do Sr. Manuel Pereira e ainda em Linhares, em terrenos do Sr. Abel Correia Pinto, onde actualmente se implanta a fábrica da Utilbébé. Inicialmente este terreno foi prometido e disponibilizado pelo próprio Sr. Abel, e fizeram-se trabalhos de abate de árvores, limpeza e  desvio da mina de água ali existente, mas depois e à posteriori, alguns familiares do doador vieram exigir contrapartidas, nomeadamente na abertura de uma estrada a atravessar terrenos da família e face à esta situação inesperada e inicialmente não apresentada como condição, a hipótese do campo de futebol nesse local ficou sem efeito. Porventura interessou a alguns familiares o vender em vez de doar, como veio a acontecer. É compreensível mas pena que nem sempre à palavra dada se dê o valor.

Em resumo, por promessas que não passaram disso mesmo, ou porventura a oferta de chouriços na expectativa de se receber presuntos, a angariação de um terreno e construção do equipamento, deu umas voltas e com episódios algo caricatos e que hoje até nos fazem sorrir, mas que não se vieram a concretizar pelo que o destino acabou por conduzir à oferta efectiva do terreno por Américo Pinto dos Santos e esposa e assim, finalmente, se concretizou o Campo do Reguengo.

Voltaremos a este assunto com actualizações sempre que se justificarem.

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