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2 de junho de 2023

Pó da terra


O homem num desígnio bíblico

É de pó feito, transformado,

E à terra em pó tem seu retorno

Como fraqueza de humanidade.

Mas será um destino ciclíco,

Num recomeço renovado

Ou apenas um inerte abandono

À terra por toda a eternidade?


A. Almeida


O poema aborda a condição humana em relação à mortalidade e à sua conexão com a terra. Através de uma análise técnica e poética, podemos explorar os elementos presentes no poema e sua significância.

A estrutura do poema é marcada por duas estrofes curtas, ligadas, e versos breves, o que contribui para transmitir uma sensação de concisão e contundência. O uso de rimas num esquema ABCD, ABCD, e a métrica regular procuram conferir um ritmo cadenciado à leitura, enfatizando os contrastes presentes no conteúdo.

O poema inicia-se com a afirmação de que o homem é feito de pó e que, eventualmente, retorna à terra. Essa imagem evoca a ideia bíblica da criação do homem a partir do pó da terra e sua consequente morte e decomposição. A primeira estrofe também sugere uma reflexão sobre a transitoriedade e fragilidade da condição humana, ressaltando a inevitabilidade do fim.

Na segunda estrofe, surge a indagação sobre o destino do homem após seu retorno à terra. O termo "ciclíco" indica a possibilidade de um recomeço ou renovação, sugerindo a ideia de um ciclo sem fim. Essa interpretação pode estar relacionada à noção de renascimento ou reencarnação presente em algumas tradições espirituais.

No entanto, a última linha da estrofe sugere uma outra possibilidade: a de um "inerte abandono à terra por toda a eternidade". Essa expressão poética evoca a ideia de um fim definitivo e a noção de que, após a morte, o homem estaria abandonado à terra, sem qualquer tipo de existência ou consciência.

A análise técnica e poética desse poema permite-nos perceber a forma como o autor explora contrastes e questões existenciais. O uso de imagens bíblicas, como a criação do homem a partir do pó e seu retorno à terra, adiciona uma dimensão simbólica e religiosa ao texto. A ambiguidade presente nas possibilidades de um destino cíclico ou um abandono inerte cria uma tensão entre a esperança e a resignação diante do inevitável ciclo da vida e da morte.

Em suma, este poema apresenta essencialmente uma reflexão sobre a condição humana, explorando a transitoriedade, a mortalidade e diferentes perspectivas sobre o destino após a morte. Através de sua linguagem poética e imagética, o poema convida o leitor a refletir sobre a natureza efêmera da existência humana e as questões relacionadas à vida, morte e eternidade.

1 de junho de 2023

Contradições



Para quê ser todo sorrisos

Se meus lábios estão presos?

Importará ser criança meiga

Se não sei como ela brincar?

Meus passos vão indecisos,

Na noite há medos acesos;

Sou um rio preso na veiga

Que demora a chegar ao mar.


Para quê tentar ser doce

Se a amargura me inunda?

Porquê esperar suave cetim

Se não sou mais que  rudeza?

Sou a modos, como se fosse

Uma inquietação profunda

A contradizer tudo em mim,

Onde até a dúvida é certeza.


A. Almeida


"Contradições" é um poema que explora o tema das contradições internas e a luta entre diferentes aspectos da personalidade. ma e sua expressão lírica.

O poema é composto por quatro estrofes, ligadas duas a duas, cada uma com quatro versos, seguindo uma estrutura regular de quartetos com um esquema de rimas ABCD, ABCD, ABCD, ABCD.  A combinação de versos curtos e a presença de pausas criam um ritmo marcado e uma cadência pausada.

A primeira estrofe apresenta a contradição entre a aparência externa e a realidade interna. O eu lírico questiona a necessidade de parecer alegre e inocente quando, na verdade, seus lábios estão presos e ele não sabe como ser uma criança brincalhona. Essa contradição revela uma tensão entre a persona que se mostra para o mundo e a essência interior.

Na segunda estrofe, o eu lírico expressa a indecisão e os medos que o acompanham durante seus passos incertos. A imagem do rio preso na veiga, que demora a chegar ao mar, representa a sensação de restrição e a dificuldade em alcançar a plenitude ou a liberdade desejada. Essa estrofe reforça a ideia de limitação e frustração.

A terceira estrofe aborda a contradição entre a tentativa de ser doce e a presença constante de amargura. O eu lírico se pergunta por que esperar por suavidade quando é envolto pela rudeza. Essa dicotomia entre a doçura desejada e a amargura presente cria um conflito interno que o eu lírico enfrenta.

A quarta estrofe revela uma contradição profunda dentro do eu lírico, em que até a dúvida se transforma em certeza. Essa afirmação sugere uma inquietação constante e uma tendência à contradição interna. O poema termina destacando a luta entre diferentes aspectos da personalidade, enfatizando a complexidade e a ambiguidade do eu lírico.

"Contradições" procura um retrato da experiência humana de viver com conflitos internos e a dificuldade de se adequar a expectativas externas. O poema utiliza imagens vívidas e metáforas fortes para expressar a tensão entre a aparência e a realidade, entre o desejo e a limitação.

A repetição das palavras "para quê" no início de cada estrofe enfatiza a busca de respostas e a reflexão sobre a relevância de certos comportamentos ou expectativas. As contradições apresentadas no poema refletem a complexidade da existência humana e a luta constante para conciliar diferentes facetas da personalidade.

A linguagem poética é marcada por uma dicotomia entre opostos, como sorrisos e lábios presos, criança meiga e desconhecimento de como brincar, doçura e amargura, suavidade e rudeza. Essas contradições intensificam a sensação de conflito interno e a dificuldade em encontrar.

A. Almeida

28 de maio de 2023

38 - No fim de contas apenas um número, um dejá vu

 


Conforme já o escrevi por aqui há algumas semanas, confesso que pelo andar arrastado da carruagem das últimas jornadas não tinha grande esperança de ver o Benfica a conquistar o seu 38.º título de campeão nacional de futebol da 1.ª Liga Portuguesa. Chegou a ter 10 pontos de vantagem e com possibilidade de chegar aos 13 mas acabou apenas com 2. Decidido ficou o título na última jornada vencendo com naturalidade o último classificado, o Santa Clara. 

Apesar disso, pela parte que me toca, sem qualquer entusiasmo e euforia. De resto nem vi nem ouvi o jogo apesar do seu carácter decisivo e festivo. E se nesta noite abri um bom espumante nem foi para celebrar tal coisa, mas antes pela amizade e convívio, não com benfiquistas, mas com um portista.

Isto porque, deve ser do raio da idade, já nada acrescenta e porque aprendemos a colocar cada coisa na ordem natural de importância nas nossas vidas. Ora o futebol, incluindo o nosso clube, numa época em que não passa de uma indústria que gere, recebe e paga balúrdios de milhões, onde os jogadores são profissionais, príncipes e idolatrados,  e tantas vezes meros mercenários, porque trocam de clube por uns trocos a mais no salário, já perdeu aquela mística verdadeiramente genuina e clubista onde havia uma coisa chamada amor à camisola e ao clube.

Quanto ao F.C. Porto, lutou naturalmente até ao fim, como é seu timbre, e na partida que poderia ser decisiva foi logo a partir dos 2 minutos de jogo que a coisa ficou inclinada a seu favor com uma estúpida e inexplicável expulsão (bem justificada) de um jogador do Vitória de Guimarães. O castigo de ser ultrapassado pelo Arouca foi mais que merecido. Há nódoas que não se apagam e só não apanharam 11 porque o Porto desligou quando sabia o resultado que corria lá para os lados da Luz e o Taremi à custa de uma inusitada (mas normal)  fartura de penalties sagrou-se o mellhor marcador da Liga. Mas foi merecido para o iraniano porque quem tanto mergulha acaba por nadar. E de resto, reconheça-se, é um excelente avançado.

Apesar disso, nas últimas jornadas o Porto manteve sempre o discurso de acreditar mesmo que não dependendo de si. Isto é crença e porque fica bem perante a massa adepta, mas é sobretudo fanfarronice. Quando não dependemos de nós próprios temos que o salientar e valorizar. Mas isto durou muitas jornadas e nas últimas até a imprensa azul e branca andou a alimentar a coisa e até foi desenterrar ao Japão um tal de Kelvin a recordar gloriosos milagres como se isso bastasse para decidir a seu favor algo que dependia dos outros. Ainda na véspera da jornada decisiva o habitual condicionamento dos árbitros. Mas até aqui é tudo natural e dali não se espera nunca que venha qualquer mérito ao adversário, nem por via de dúvidas. Um treinador que não sabe empatar nem perder e até nem vencer, andará toda a vida como aquele soldado que no pelotão considera que vai a marchar de passo certo e que todos os outros é que andam descompassados.

É futebol! Para a próxima será mais do mesmo, vença Benfica, Porto, Sporting ou qualquer outro. Será sempre um filme já visto, um dejá vu.

25 de maio de 2023

Dúvida


Ó dúvida permanente, inquietante,

Sobre o que há para além da morte,

Se apenas nada, um frio escuro breu

Ou, então, uma vida nova, incessante,

Onde o homem mortal se torna forte,

Pleno de luz da serenidade do céu.


A. Almeida

22 de maio de 2023

Ainda futebol...

Já depois de escrito o anterior artigo, o Benfica jogou ontem à noite em Alvalade contra o Sporting. Não vi nem ouvi um segundo sequer e soube do resultado já depois de terminado o jogo. Do que li hoje no início da manhã terá sido um excelente jogo, um bom derbi com o Sporting a dominar a primeira parte, em que chegou a vencer por 2-0, e a segunda parte foi do Benfica que conseguiu empatar já ao caír do pano. Um resultado que não serviu para o Benfica se sagrar ali campeão mas que arrumou o Sporting da pretensão de chegar ao 3.º lugar e com ele o acesso à Liga dos Campeões. Para o Benfica o empate até poderá ser menos mau já que conforme está a classificação até poderá empatar em casa no último jogo com os açoreanos do Santa Clara, último classificado, isto desde que o F.C. do Porto não vença o V. Guimarães por mais de 11 golos de diferença, o que convenhamos que não sendo impossível mesmo que surpreendente, é muito difícil tanto mais que os vimaranenses têm demonstrado qualidade e ainda têm pretensões de manter o 5.º lugar o que pode estar ao alcance do surpreendente Arouca.

É pena, para os adeptos, que o Benfica tenha chegado a esta situação de ter que resolver, ou não, o título na última jornada, quando chegou a ter 10 pontos de vantagem e com possibilidade de aumentar para 13. Quem assim se deixa alcançar naturalmente que põe-se a jeito e vai para o último jogo que nunca é fácil porque os nervos são muitos e a lucidez pouca.

A ver vamos, sendo que eu benfiquista que assisto à distância, já vi de tudo e já estou bem vacinado. Nada do que possa acontecer na última jornada será surpresa, até mesmo que o F.C. do Porto venca o Guimarães com uma dúzia de golos de diferença e com 8 ou 10 penalties a favor. Se o Taremi falhar algum ainda terá direito a repetir.

Os Calabotes andam por aí.

Boa Segunda-Feira e os meus amigos portistas sabem que isto não passa de brincadeira. Antes isto que uma dor de dentes!

16 de maio de 2023

Saudade seleccionada


A Editora Chiado Books está a organizar o I Volume da Antologia de Literatura Portuguesa Contemporânea “Saudade”.

No convite aos autores, justifica que "a saudade é um sentimento profundo e único, enraizado na cultura e na alma dos povos de língua portuguesa. É uma emoção que nos conecta com as nossas memórias, com pessoas queridas e com lugares distantes. Nesta antologia, queremos explorar e celebrar a saudade através da escrita.".

Na participação é informado que aos autores selecionados para a obra não será exigida nem oferecida nenhuma contrapartida pela participação. Além disso, não serão disponibilizados exemplares gratuitos da antologia.

Por outro lado, para garantir a uniformidade da antologia os poemas devem ter o limite máximo de 30 versos e as prosas devem ter o limite máximo de 250 palavras. Cada autor deverá enviar somente um poema ou prosa.

Face a este convite, encolhi os ombros e pensei para mim próprio: - Porque não? Não há nada a perder nem exigidas contrapartidas, como por vezes se faz ardilosamente como forma de publicar e vender, por isso abri a torneira da inspiração para ver se algumas gotas brotavam e em 15 minutos tinha um simples poema escrito. Poderia ir trabalhando nele ou noutras versões até à data limite para a submissão até ao dia 15 de Junho, mas foi quase de rajada e pouco depois já o remetia à editora.

Certamente que a antologia reunirá largas dezenas ou centenas de poemas e textos, mas será certo que nem todos os participantes verão a sua parte seleccionada e publicada. Por isso foi com surpresa e natural contentamento que horas depois tenha sido informado que o meu poema foi analisado e seleccionado e fará parte da referida antologia, pelo que devo ficar a aguardar a informação quando se der o lançamento da obra. É esperar para ver! 

Quanto ao meu poema, mesmo que não tenha sido colocada essa condição, por uma questão de princípio aqui o partilharei apenas e só após a publicação.

Uma feira de gente santa

Início da manhã numa Segunda-Feira fresca mas a prometer sol.  

Quando vamos a Santa Maria da Feira já parece que vamos ao Porto ou a Braga e o trânsito transborda pelas ruas como nos velhos regos quanto o Ti Manel abria o bueiro da presa das Corgas. Mas aí a água corria límpida e fresca pelos canais desimpedidos a caminho da rega dos milhos, do feijão ou das batatas ressequidas a estalar a terra. Já o trânsito de agora flui aos solavancos, porque ordenado pelas rotundas, pelos semáforos ou por alguém que se mete, ora da esquerda, ora da direita, um motard armado aos cucos que não aprendeu o significado de uma linha contínua ou um peão descontraído que atravessa a dois metros da passadeira. Um autêntico lufa-lufa e quem não quiser ter surpresas nesta batalha de máquinas quase voadoras, tem que sair mais cedo da toca para se pôr a horas aonde tem compromisso.

Desta vez, a caminho para uma consulta externa no Hospital da Feira. Não há quem o não saiba, mas o parque de estacionamento do hospital foi projectado como se fora para um pequeno centro de saúde e por isso de há anos que é pouco para as encomendas e encontrar um lugarzinho vago, mesmo que apertadinho ou nas bordas dos acessos, face a tantos carros tem que ter carradas de paciência e esperar em fila que algum saia ou andar por ali num interminável carrocel como a bolinha na roleta da sorte, como antigamente nas festas do Viso ou do Santo Ovídeo. O próprio hospital já recomenda que não se utilize o seu parque e o remédio é estacionar a pagar, uma praga moderna que veio para ficar e chular os já muito chupados contribuintes, ou bem ao largo dos parquímetros num daqueles parques privativos que são autênticas minas de fazer dinheiro sem que o dono ou explorador pague um cêntimo de impostos. Típico de portugueses espertos. 

Felizmente, construiram a cinco minutos dalia a pé o Lidl e o Mercadona e os respectivos parques têm servido como uma boa e grátis alternativa. O hospital bem que lhes podia pagar uma avença como recompensa. Mas não pagará, que o Estado, já se sabe, é mau pagador, e cheira-me que um dia destes os estabelecimentos vão ter que arranjar algum controlo de acesso aos parques porque já devem ter cheirado o refugado e percebido que muitos que ali estacionam não é para entrar e comprar batatas ou arroz mas sim para irem aos senhores doutores do hospital ali perto. Afinal, à vontade não é à vontadinha.

Na sala de acesso às consultas, e ainda não eram 8 horas, já havia fila para o check-point e os habituais remoques para quem, mais desenrascado, fazia a verificação nas máquinas laterais, estas sem pessoal da casa a orientar. Mas explicou a auxiliar que as máquinas laterais eram para quem as soubesse utilizar pelo que quem estava na fila e a elas não recorria não podia reclamar que outros o fizessem. Mas reclamavam porque português que se preze, reclama por tudo e por nada. Eu também reclamo, por vezes por nada e tantas por tudo, mas por ali não dei razão ao senhor de bigode farfalhudo nem à senhora enorme (porque agora é politicamente incorrecto classificar alguém como gordo ou gorda). Que fizessem o mesmo e enfrentassem as tecnologias! Mas qual quê? Isto de inserir o cartão de cidadão numa ranhura, esperar e carregar com o dedo na marca para imprimir a senha, é para muitos uma tarefa de todo o tamanho. Mais fácil sachar um campo de batatas ou deitar abaixo um pires de moelas no Ramadinha.

- Siga a linha laranja! Uma terminologia de metropolitano que depois de passar por um corredor sem grandes paisagens, apesar da bonitona de mini-saia e salto alto que seguia na frente, desembocava numa apertada sala de espera já cheia de gente à espera e alguma gente já cheia de esperar. Depois, a voz artificial da menina do ecrã das chamadas que ora chamava a senha M76 como a seguir a M12 como depois a M99 ou a R35 ou a A25, pelo que não valia pena a quem naquela anarquia procurava algum padrão harmónico. Matutar nessa confusão era aumentar o stress. Pois se então a minha senha era o 22 e o fulano do 99 chegou à sala muito depois de mim, porque é que foi chamado muito antes? É esquecer! Ali não há lugar a lógica nem à lei da gravidade pelo que  sol é que circunda a terra e os rios nascem no mar!

Depois é gente a ir às casas de banho e a deixarem as portas abertas para o pessoal ouvir o troar dos canhões e a cascata da sanita. Saem aliviadas as criaturas mas as portas abertas ficam porque o aroma deve ser a alecrim e a alfazema como em dia de procissão. Há criancinhas a berrarem a faltarem ao infantário, já com problemas de oftalmologia mas não de garganta, velhinhos amparados por filhos que faltaram ao trabalho a tossir numa pigarreira desgraçada, mas já todos livres, sem máscara, porque isto de tossir para dentro de uma fralda tem que se lhe diga. Além do mais, para mal dos pecados do arejamento, diz o regulamento das construções que os compartimentos de estebelecimentos têm que ter um mínimo de 3,00 m de pé-direito (altura do piso ao tecto) mas ali acharam por bem fazer por menos e desconfio que não chega aos 2,40 m. Para a próxima levo a fita métrica ou o medidor laser para matar aquela dúvida mesmo não a tendo.

Finalmente, depois de quase uma hora ainda dentro do horário da consulta, que já havia sido adiada duas vezes, e depois de meia hora para além da hora marcada, fui chamado pelo próprio senhor doutor que estava com ares de ter acordado tarde e tarde chegado ao trabalho, mesmo que não tenha tido necessidade de ir estacionar no Mercadona. Mas era tão simpático quanto novo e passou a consulta a escrever no teclado pelo que fiquei sem ter a certeza se estava a tomar notas do que se ía falando ou se a entreter-se no Whatsapp  ou no Tinder.

Como suspeitava, e sempre que espero carradas de tempo nestes sítios, em 5 minutos estava despachado. Na despedida disse-me que ficasse tranquilo que a coisa parecia normal, mas que por via de dúvidas seria chamado para um exame a confirmar o tamanho exacto da coisa, mas que a tal máquina sofisticada que há-de fazer a medição estava ausente, e que não sabiam se iria demorar um mês ou um ano a regressar à casa. Por isso ou seria ali no dia de Santo Não Se Sabe Quando ou então no Porto, dali a uns meses ou mais uns picos. Quantos, também não sabia dizer, mas que depois notificavam a dar a novidade.

Aviado, passo pela sala de entrada com uma fila ainda maior e a serpentear pelo que deu-me um flashback e por momentos vi-me no processo de vacina Covid no Europarque. Mas não, era tudo gente para tirar a senha pelo que a maior parte, supostamente doente, haveria de passar ali o resto da manhã ou mesmo parte da tarde. Ele há coisas e fora as greves, há sempre médicos entupidos no trânsito e a tomarem café a toda a hora.

Regresso aliviado ao Mercadona por um passeio repleto de peões a marchar nos dois sentidos, quase todos com exames do Centro Médio da Praça nas mãos, com ares de quem nao íam a Fátima a pé, mas ali ao lado ao hospital de S. Sebastião que, não sendo Nossa Senhora, foi mártir e faz parte da gente santa. 

- Vale-nos, S. Sebastião, que te enchemos de doces fogaças, para que nos livres desta fome peste e guerra que é ir à cidade em hora de ponta a uma consulta hospitalar! 

Santa Maria da Feira, uma feira de gente santa!

3 de maio de 2023

Ainda a leste do Facebook

No início do ano informei por aqui mais uma pausa na minha frequência da rede social Facebook, o que de resto já havia feito noutras alturas.

A pausa dura assim há quase quatro meses e de facto não tenho acedido à conta pelo que não tenho partilhado ou visualizado qualquer publicação. 

Entretanto, e porque não estava mesmo a utilizar e poderia confundir alguns amigos, nomeadamente deixando-me mensagens a que não daria resposta, desactivei mesmo a conta temporariamente. 

Como se costuma dizer, nem sempre nem nunca e por isso em qualquer altura pode-se retomar a coisa, mas por agora vai seguindo assim.

Escusado será dizer que quem quiser acompanhar o que vou escrevendo e partilhando, pode sempre visitar esta minha página que, ao contrário do Facebook, tenho mais controlo em muitas das definições e privacidade de dados.

25 de abril de 2023

In memorian - Tio Zeca



Faleceu José Índes Alves da Fonseca, o meu tio Zeca, irmão de minha mãe, natural de Guisande. 

Nasceu a 10 de Fevereiro de 1945 e faleceu a 24 de Abril de 2023, com 78 anos, tendo hoje ido a sepultar. 

Apesar de, por contigências da vida, os contactos terem sido poucos desde há muitos anos, e vi-o  pela última vez precisamente há quase 22 anos quando veio ao funeral do seu pai e meu avô, está presente nos nossos pensamentos. 

Que esteja em eterno descanso!

13 de abril de 2023

Choro de rosas


Na frescura densa do amanhecer

Há pranto no roseiral do jardim;

As rosas em lágrimas de orvalho

Choram por razão imerecida.

Ontem jovem, agora a envelhecer

Também choro com elas, e assim

Dou comigo a medir o que valho

Numa equação sem peso e medida.

 

Mas porquê, meu Deus,chorar

E esta angústia e desatino?

Afinal, como rosa a desfolhar,

Cumpre-se apenas o meu destino.

 

 AA-13/04/2023

12 de abril de 2023

Tempo fugaz




 

Ando eu aqui desvairado

A revirar as páginas do dia

Na procura vã do tempo perdido;

Afinal, é apenas passado

E o que passei não perdia

Porque só o viver fazia sentido.


Como água que a mão não retém

O tempo é assim, fluido, fugaz,

Como o dizer na partida a alguém:

- Fica comigo! Não te vás!


AA - 12/04/2023


13 de fevereiro de 2023

Viagem

Chegado aqui,

numa escalada suada,

eis-me no ponto cimeiro

do promontório agreste.

Em frente,

Diante dos meus olhos, 

Oferece-se um mar imenso,

Regaço pronto a acolher

a última nau ou caravela.

Embarcarei na viagem final

como marinheiro destemido

à descoberta do continente celeste, 

de uma nova terra 

que sustente a imortalidade.


7 de fevereiro de 2023

Rabiscos

 

Sorriso

Se soubesses, amor,

Quão me domina o teu sorriso,

Tinhas todo o poder sobre mim,

No arbítrio do bem ou mal.

Todo eu seria dor

Se me privasses do pleno juizo,

Mais valendo, que sofrer, o fim,

Como ferido um animal.


Mas creio que se por bem, apenas,

Sorrindo esses teus lábios doces,

Tão bom seria ter-te plena em mim.

Sorri, sorri sem dores ou penas,

Sorri, linda,  ainda como se fosses

A vida contida entre princípio e fim.

6 de fevereiro de 2023

Partícula



Ascendi à serra, sereno e só,

buscando um encontro de intimidade,

naquela aspereza criadora

granítica, despojada,

para me sentir envolto

numa nudez primitiva

onde a cama é de erva

e o cobertor de estrelas e luar.


A serra, ampla, sincera, tem este dom:

o de nos submeter

à insignificância que somos,

mas como um grão de areia

que faz sentido e dá forma

ao areal na imensa praia.


O universo majestoso é, afinal, 

uma massa densa de partículas, 

ínfimas mas plenas, 

onde cada ser

tem lugar, espaço e sentido.


A. Almeida - 06022023

14 de janeiro de 2023

Pausa de Facebook


Tenho já dito que a rede social do Facebook é uma plataforma excepcional se utilizada com algum critério e qualidade, sobretudo que visem o enriquecimento cultural, o debate de ideias e partilha de coisas interessantes. Mas, todavia, verifica-se que no geral é usada com banalidades, partilha e replicação de vulgaridades que pouco ou nada acrescentam. Originalidade, pouca  ou mesmo nenhuma. Os auto-elogios, os egocentrismos, as poses e as nossas coisinhas e vaidades como se fossem importantes para os outros, são também lugares comuns e recorrentes.

Para além de tudo, falta gente com qualidade que promova a partilha e debate de ideias sobre os assuntos que a todos interessam.

Não sou, de todo, o melhor exemplo e também cometo os meus pecados, mas pelo que vou vendo há de facto uma pobreza extrema e aqueles "amigos" que conheço e que poderiam acrescentar valor de intervenção e mesmo de cidadania, andam por fora e raramente aparecem ou intervêm. Porventura é o que fazem melhor. De facto, na maior parte das vezes, intervir e participar é "chover no molhado". Discussões idiotas é o que não falta e lá diz o velho ditado que "lavar a cabeça a burros é perder tempo e gastar sabão" ou mesmo, "a burros dá-se palha e não conversa".

Neste contexto, quando a corrente comum é a banalidade, faz bem entrar em quarentena, em pausa curativa até que volte a surgir uma nova vontade de participar. Pode ser daqui a semanas ou meses. Quando apetecer. De resto já não é a primeira vez que faço férias da coisa. Como excepção a esta inactividade, apenas para a partilha de alguma situação que considere importante e especial.

Para aqueles que eventualmente gostam de seguir o que vou publicando, escrevendo e opinando, podem sempre passar aqui por este espaço.

Por isso, malta amiga e habitual do Facebook, um até já!

31 de dezembro de 2022

Incertezas

Quando chegamos a uma certa idade, em que já podemos dizer a alguns, muitos, que poderíamos ser seu pai ou avô, uma das coisas a que não conseguimos fugir é o reviver de momentos, episódios, situações com que algures, em tempos mais viçosos, fomos confrontados.

O Macedo, já na casa dos sessenta, mas feliz com o que a vida lhe deu e tem, não encontra nela grandes remorsos ou arrependimentos tão simplesmente porque convencido está que isso em nada lhe acrescentará. Mas de quando em vez, como quem faz rewind numa velha cassete do tempo, recorda alguns namoricos e casos sentimentais, ou oportunidades deles, que teve antes de, cansado deles, decidir-se a enlaçar-se com aquela que lhe pareceu ser mais parte de si, a sua Fátima.

Numa dessas viagens ao passado, em que tudo se vê de olhos cerrados, viu-se fresco e viçoso, mesmo na altura em que fora convocado ao serviço militar por onde lá pelas lisboas marchou durante dois anos certinhos. Travara, por essa altura, conhecimento com a Celeste, ainda mais fresca do que ele, quase a transpor a maioridade mas ainda menor.

Durante alguns poucos meses encontravam-se e namoravam sem o saber, em longas ou curtas conversas, em que por vezes falavam mais os olhos que as bocas, o olhar que as palavras. Pelo meio, algumas cartas trocadas, sem subterfúgios ou ideias disfarçadas na semântica. De tão ingénuas e transparentes, poderiam ser cartas de irmãos. E se o Macedo enredava na escrita uma qualquer segunda intenção, só a Celeste a poderia decifrar.

Apesar disso, o Macedo era um rapaz na força da vida e tinha naturalmente desejos de poder colher e saborear aquela frescura rubra de cereja a baloiçar no ramo, que se lhe oferecia, e também o percebia nas feições e palavras da Celeste. Mesmo naquela ocasião em que se viram sozinhos na casa da tia dela, numa tarde de chuvinha macia, ficaram tão perto que o silêncio os cobriu e as mãos tocaram-se numa tímida hesitação. O Macedo, jovem mas maduro o suficiente para saber de como as coisas se complicam, sabia da diferença de idades e do facto dela ser menor e quando lhe passou pela cabeça aproximar os seus lábios dos dela, que lhe pareciam convidativos e serenos como porto seguro, estremeceu e recuou enquanto disse uma qualquer banalidade sobre o tempo. A Celeste enrubesceu e respirou fundo como que a acordar de um sonho de segundos.

Continuaram amigos por mais algum tempo e pouco depois cada um seguiu o seu rumo. Ela emigrou, casou, dizem que ainda não teve filhos. Viam-se, esporadicamente, pelo verão, uma ou outra vez, por circunstância, mas a ele parecia-lhe já distante aquele Celeste, maneirinha, fresca, cabelo comprido, olhos negros e lábios de cereja que ele poderia ter saboreado. 

Ele cumpriu a tropa, casou e teve filhos. Sente-se pleno e feliz e nem esta ou outras parecidas situações, lhe trazem angústias. De resto, para além do medo das consequências, no fundo hesitou e recuou porque jamais poderia lidar com a recusa. Pareceu-lhe que naquele passado momento a Celeste também o convidava, mas nunca se sabe o que vai na alma das mulheres e até mesmo uma rapariga naquele silêncio morno  poderia despertar e dizer, não!

Se de tudo aquilo algum dissabor deixou ao Macedo, apenas a incerteza. Como teria sido se deixasse o corpo seguir o seu instinto? Com que consequências para si, para a Celeste ou para ambos?

Não! Não importa imaginar cenários e desfechos. Afinal, a incerteza é sempre um essência da nossa vida. Porque atalhamos pela esquerda e não pela direita ou porque não recuamos ou seguimos em frente? Se formos a dar palco às incertezas, a nossa vida ficaria de tal modo assoberbada que não restaria tempo para a viver. E tão curta que ela é….