11 de novembro de 2022

S. Martinho

Bom dia, este de tradição

Em celebrar o S. Martinho;

Logo com sol do seu Verão,

Fogueira, castanhas e vinho.

3 de novembro de 2022

A chuva e a ribeirinha

Esta chuva miudinha,

Parecendo que não molha,

Vai caindo boa, fecunda;

Bebe dela a ribeirinha

Sedenta na sua recolha

Quando o vale se inunda.


Corre, corre, ribeirinha,

Vai assim toda ligeira

Como prata feita num fio;

A chuva cai, vais cheiinha,

Numa correria de canseira

Ao encontro de maior rio.

2 de novembro de 2022

Movimento perpétuo

São já frescas as manhãs 

em Novembro,

Depois, deixado p´ra trás,

Virá Dezembro,

Com o Natal, mais adiante,

Apetecido;

O tempo corre em instante

Ressurgido;

A roda roda em todo o tempo

Sem se deter,

Num só perpétuo movimento,

A renascer.

O tempo tem tempo demais,

Não se cansa;

Com começo e fim iguais

Quem o alcança?

O culto da ofensa

Num tempo de coisinhas politicamente correctas, andamos a criticar todo e qualquer acto de descriminação, xenofobismo, racismo, etc, apelando a princípios de civilidade e inclusão. Em suma, respeito.

Todavia, pelo que li e ouvi, um futebolista português ao serviço de uma equipa estranjeira, terá sido assobiado durante todo o tempo em que actuou num certo estádio, ofendido e desrespeitado, incluindo com a exibição de uma tarja insultuosa à sua vida pessoal.

E qual o pecado de tão vergonhoso tratamento: O de apenas, no exercício da sua profissão e liberdade, ter sido, antes do seu actual clube, um jogador de uma equipa rival.

Este tipo de comportamento, que é transversal ao nosso futebol e a alguns clubes ditos grandes, é de todo intolerável, porque comporta sentimentos de rancor e mesmo de ódio, de forma gratuita e sem qualquer motivo maior. Custa a crer que pessoas civilizadas, jovens ou adultos, vão para um estádio de futebol com comportamentos indignos como se a uma tribo se desculpe toda a animalidade, não para ver o espectáculo ou apenas para apoiar e incentivar o seu clube, mas para insultar um atleta tratando-o como um reles e indigno criminoso.

E andamos todos a assobiar para o ar e a dizer com o peito cheio que somos este ou aquele clube, no fundo a pactuar com estes comportamentos. 

Vai sendo tempo de as coisas irem mais além no que toca a consequências. Há limites, e o que se viu já não é so rivalidade, mas fanatismo do mais primário, porque mesmo a rivalidade deve assentar sempre no respeito pelos adversários. 

1 de novembro de 2022

Vela acesa

A missa do "Dia de Todos os Santos" é, sem dúvida, a mais participada de todas quantas se celebram na nossa paróquia. De há anos. Creio que não será diferente nas demais. Nem mesmo em dias tão solenes quanto a Páscoa e o Natal, a nossa igreja fica tão apinhada de gente. 

Creio que pela importância litúrgica, tanto a da Páscoa como a do Natal mereceriam mais participação, mas seja como for, é igualmente simbólico que assim seja neste dia. Afinal os santos que em primeiro lugar celebramos são os da casa, os nossos familiares, recentes ou antepassados que já partiram. Mas também amigos e demais pessoas da nossa comunidade. Porventura só depois virão os santos a sério, mais ou menos conhecidos, cuja lista é interminável, porque os populares, esses têm festa própria garantida e com festança a acompanhar.

Estou convencido que  em grande parte assim é porque tendemos a viver estas coisas de forma tradicional e rotineira, porque é feriado, porque é habitual, porque todos vão e mal parece que fiquemos por casa. 

Mas por outro lado, mesmo um relógio parado aponta horas certas duas vezes ao dia, e assim mesmo nestas nossas rotinas há sempre algo de genuíno e profundo e um sinal de que mesmo que por uma ou poucas vezes ao ano, damos conta de quem já partiu à nossa frente e isso chama-nos à realidade de que um dia, cada um no seu momento, também partiremos, sem malas nem bagagens. 

Aproveitemos pois este dia e o de amanhã, de resto, todos, para ter, tanto quanto possível, esta reflexão em conta. 

Uma vela, protegida do vento, dá sempre luz enquanto lhe durar a cera.

O comboio do tempo - A Estação dos Sessenta

Tinha eu embarcado na Estação dos Cinquenta, com ar de decidido, ainda alegre, bem disposto e fresco, já esquecido que a Estação dos Quarenta ficara para trás.

Mal o comboio do tempo deu sinal de partida, abri a janela da carruagem, respirei fundo, e naqueles primeiros metros de viagem  a Estação dos Sessenta parecia-me ainda bem distante e dei comigo a pensar que seria um percurso para saborear calmamente em cada curva da linha. Faltaria ainda muito caminho a galgar e carril a romper.

Mas agora, depois de várias paragens em outros tantos apeadeiros, com o olhar a comer planícies, montes e vales, cheguei finalmente à Estação dos Sessenta. E a viagem já passada pareceu-me agora  tão curta como uma noite bem dormida.

À chegada do comboio, que se deteve vagarosamente entre uma nuvem de vapor arrotada pela locomotiva negra e cansada, o chefe da Estação dos Sessenta anunciou cerimoniosamente com a sua voz forte e pausada: - Deu entrada na Linha 1 o comboio do tempo, proveniente da Estação dos Cinquenta. Os passageiros que se dirigem para a Estação dos Setenta é favor prepararem-se. O comboio vai parar em todos os apeadeiros. Gozem a viagem enquanto puderem porque nem todos lá chegarão!

O comboio apitou num lamento longo e todos os passageiros, mesmo os que tinham ido fazer xi-xi, apressaram-se a retomar os seus lugares porque não lhes era permitido ficar por ali suspensos no tempo. O fogueiro abriu as válvulas da caldeira e a pesada locomotiva envolta em fumarada começou a engolir metros daquele par de linhas de aço tão próximas quanto separadas.

A recomendação do chefe da estação tinha esmorecido o já reduzido entusiasmo dos viajantes. Não era necessária. Afinal, todos sabiam que entre as estações principais de um comboio, até mesmo este especial,  o do tempo, há sempre passageiros que ficam pelos apeadeiros intermédios e serão menos os que chegarão à Estação dos Setenta, prontos a seguirem viagem até à estação seguinte.

Seja como for, chegado aqui, que remédio senão embarcar. É que não há outro transporte alternativo nem algum que faça a viagem em sentido contrário. É contra as leis do Senhor do Tempo, dos seus comboios, locomotivas e carruagens.

Parto, pois, na expectativa de entretanto poder chegar ao primeiro apeadeiro e depois ao seguinte e por aí fora até que se possa avistar e atingir a Estação dos Setenta. Há quem diga que fica a longa distância mas outros auguram que é já ali ao virar da curva.

A vantagem, é que a partir destas estações  avançadas, há menos passageiros e há lugares de sobra nas poucas carruagens. Todavia, dizem que os carris que a ela conduzem são mais estreitos e irregulares e que são frequentes os descarrilamentos antes da chegada à estação seguinte.

Não há nada a fazer. Apenas embarcar e seguir em frente na linha. Dos apeadeiros e as estações que faltam percorrer a cada passageiro do velho comboio, só o Senhor do Tempo o saberá. Alguns chegarão concerteza à Estação dos Setenta, talvez menos à dos Oitenta, menos ainda à dos Noventa e seguramente já poucos à dos Cem. 

Dizem que para lá da Estação dos Cem, talvez nem haja estações, quando muito dois ou três apeadeiros. Poucos o sabem. Todavia, em boa verdade, talvez já nem interesse saber, porque com tantos quilómetros já percorridos, com passagens por apeadeiros e estações, os passageiros deste comboio do tempo vão ficando cansados, amassados dos ossos e com os olhos já turvos de ver as paisagens a fugir-lhes. Talvez seja mesmo preferível fechar os olhos e tentar dormir no embalo daquele torpor constante do comboio a rolar no aço frio e a velha locomotiva a gemer, a gemer, a gemer.

Quem, sabe, talvez o fim da linha, o final da viagem seja numa esplendorosa e imensa estação forrada de  brancas e fofas nuvens, e o seu chefe seja o S. Pedro, a colher-nos numa voz suave e murmurada por entre uma espessa barba da cor das neves: - Senhores passageiros do comboio do tempo, chegaram à Estação do Tempo Final. Terminou a vossa viagem! O Grande Senhor do Tempo espera-vos para vos dar as boas vindas com um chazinho quente e bolachinhas celestiais! Façam bom e eterno proveito!

Sessenta



Eis-me aqui, sereno, nos sessenta,

Se é que nisso haja importância;

Não mais que onda que arrebenta

Na dura costa da irrelevância.


Deixe-se, pois, que o mar do tempo

Se debata até que a falésia caia;

Virá depois, manso, em contratempo,

A espumar-se, sereno, na praia.