22 de setembro de 2018

Perfume do céu


Quando o chorou em dia de descer à cova funda e fria, a Celeste lamentava-se por ter partido tão cedo, tão novo, o seu Simão.
Não era propriamente novo, pois já andava nos setentas, mas, como o diz o ditado que "o olho do dono é que engorda o gado",  compreende-se, salvo as devidas diferenças, que o olho azul da Celeste passados quase cinquenta anos ainda visse no seu Simão o rapazola viçoso e alegre que numa dança no terreiro da festa ao Santo Ovídeo, a conquistou para sempre. Talvez por dançar, quiçá por cantar, porventura por dançar e cantar tão bem, a ponto de, por carinho, o ter baptizado de o seu "Pisco". 

É certo que a foice da morte quando teima em ceifar tanto se lhe dá se tomba joio, centeio ou trigo. Vai tudo a eito e nessa ceifa inesperada, porque em tempo em que repousavam as searas lá por Novembro, lá se foi o "Pisco", não sem antes, num último "pio", pedir à sua Celeste, que bem sabia o quanto ele gostava dessas flores, sobretudo do seu intenso perfume, para quando lhe fosse enfeitar a sua campa, que não se esquecesse de a adornar de beladonas, porque queria sentir o seu perfume no Céu, presumindo, catolicamente, que era para lá o seu destino. E deve estar por lá, porque aparte umas pequenas malandrices, que os padres aliviam facilmente com três avé-marias e um padre-nosso, nem era mau diabo o Pisco. Era de facto alegre e de bom coração e animava qualquer terreiro por onde lhe cheirasse a festa. 

A Celeste consolou-o com a jura, prometendo-lhe que enquanto fosse viúva lhe havia de cobrir a lápide com rosados ramalhetes de beladonas logo que a partir dos últimos suspiros de Agosto elas pusessem a cabeça de fora nos vários cantos do jardim e do quintal onde o Pisco, como um cão a enterrar ossos, diligentemente foi depositando bolbos. Talvez já sonhasse que viria a precisar dessas inebriantes flores para as cheirar no Céu, quando o Pai de todos o chamasse para a sua companhia.

Verdade seja dita, a Celeste viúva continua a cumprir sagradamente essa promessa e não me espantei, por isso, quando ainda numa destas manhãs de sábado a vi a caminho do cemitério com uma frondosa cesta de beladonas acabadas de colher.
Acredito que o Pisco estará por esta altura a extasiar-se com o seu perfume e mesmo que tão forte e intenso não morrerá de asfixia ou intoxicado, pela simples razão de que morto já está.

Nesse Céu perfumado, descansa em paz, Pisco!

20 de setembro de 2018

Força Bayern! - Força Schalk 04! Força Qarabag!



Tolerância é um termo que vem do latim tolerare que significa "suportar" ou "aceitar". A tolerância é o ato de agir com condescendência e aceitação perante algo que não se quer ou que não se pode impedir.
A tolerância é uma atitude fundamental para quem vive em sociedade. Uma pessoa tolerante normalmente aceita opiniões ou comportamentos diferentes daqueles estabelecidos pelo seu meio social. Este tipo de tolerância é denominada "tolerância social".

Esclarecido o significado, e face ao que ainda hoje li no Facebook, fica a questão: 

Podemos tolerar no Facebook um "amigo" que descarada e declaradamente torce por um clube estrangeiro adversário do nosso clube? Tipo, Força Bayern! - Força Schalk 04! Força Qarabag!
Admite-se e compreende-se que um determinado adepto possa ter esses sentimentos para com os clubes rivais, porque o sucesso dele reside no insucesso dos demais, mas, pôrra, expressá-los publicamente de forma contundente, provocatória mesmo, não parece nada apropriado nem respeitoso para com os "amigos" e demais comunidade, esta certamente diversificada nos gostos, nomeadamente clubísticos. Há, pois, um desrespeito básico nestas manifestações. Ora o desrespeito deliberado fere necessariamente o direito à tolerância. Ou não?

Em resumo, a tolerância é uma coisa bonita mas não merecida para quem abusa dos princípios por ela abrangidos, desde logo o fundamentalismo. Dito isto, "amigos" desses estarão certamente sempre a mais, mesmo que numa lista de redes sociais onde o conceito de "amigo" vale o que vale. Quando muito, temos na nossa lista, entre verdadeiros amigos, alguns "grunhos" a quem simpaticamente aceitamos como "amigos".

19 de setembro de 2018

José Coelho, que também é Gomes de Almeida



(Há uns anitos, à sombra do sobreiro junto à capela de Nossa Senhora da Conceição - Abelheira - Escariz )


(num encontro da LIAM em Fátima, ao lado das já saudosas D. Laurinda e D. Lucinda)

Quem não conhece o Zé Coelho? Pois bem, está hoje de parabéns. 92 anos feitos, porque quis o destino que nascesse no dia 19 de Setembro de 1926. Será já dos homens mais velhos da freguesia de Guisande. 
Tenho uma carinho e consideração especiais por este cidadão do mundo com o qual comecei a ter algum relacionamento a partir do momento em que recém chegado de África do Sul, por volta do final dos anos 80 veio ao estúdio da então Rádio Clube de Guisande, cantar umas cantigas acompanhadas pela sua guitarra de fados. Mais tarde, por volta da viragem do século, uma maior e frequente proximidade, participando nas reuniões, iniciativas e convívios do Núcleo da LIAM de Guisande, no qual estávamos então envolvidos. Eu de viola e ele de guitarra, foram muitas as cantigas ao desafio e a fazer dançar muita e boa gente com ritmos de viras e chulas. Mais tarde, que o instrumento era velho, comprou uma nova guitarra e deu-me a velha, que ainda guardo.
Infelizmente os anos passam e pesam para todos, sobretudo para quem já passa dos 90. Apesar disso, certamente que mais debilitado, passando já os dias no Centro Social em Gião, ainda temos a alegria de ter por cá o Zé do Coelho. Que ainda seja por muitos e bons anos. Parabéns Coelho!

Sobre a sua vida, ele próprio, em quadras que escreveu há alguns anitos (doze), faz uma retrospectiva da mesma. Poderia, depois disso, já ter acrescentado mais algumas, mas o que viveu já é muito, em idade e em experiências. De resto, como ele próprio diz na quadra final "...São histórias alegres e tristes, Mas com elas se faz a vida".


Nasci no ano de 1926
No dia 19 de Setembro.
Aqui conto minhas histórias,
De todas elas eu me lembro.

Minha terra é Guisande,
De Santa Maria da Feira,
Meu amor por ela é grande,
Será assim a vida inteira.

Com sete anos de idade
Comecei a ir para a escola,
E desde aí fui crescendo
Ganhando juízo na tola.

É para as queridas crianças
Que vou contar a minha história,
Recordar meus velhos tempos
Que tenho gravados na memória.

Eram tempos bem difíceis
Diferentes do que tendes agora,
Para a escola ia-mos a pé
E a pé vínhamos embora.

Não havia autocarros
Nem estradas alcatroadas,
Caminhávamos só por quelhas
Velhas, sujas e apertadas.

Só existiam três carros
Aqui, na minha freguesia,
Hoje há casas com dois e três,
O que não falta é burguesia.

Findado o tempo de escola
Logo comecei a trabalhar,
Mas procurando novos rumos
A África fui parar.

Foi em Outubro de 1954
Que para Angola emigrei,
Das dificuldades desse tempo
Vou contar-vos o que passei.

Foi Angola a escolhida,
Por ter língua igual,
Assim aprendi na escola,
Angola também era Portugal.

Passei por grandes dificuldades,
Algumas delas vou contar,
Pois não arranjava trabalho
E o dinheiro estava a acabar.

Só ao fim de alguns meses
Consegui o primeiro emprego,
Ali trabalhei vários anos
Com vontade, força e apego.

Era uma fábrica de cerveja,
E Cuca se chamava,
Bebida loura e fresquinha,
A muitos a sede matava.

Assim fui vencendo na vida
E muita coisa melhorou,
Mas foram tempos difíceis,
Comi o pão que o “diabo amassou”.

Durante o dia trabalhava
Só à noite fazia a comida,
Que guardava para o outro dia.
Assim era a minha vida.

Até a pobre roupa
Era eu quem lavava,
Como o clima era quente
Pela noite ela secava.

Assim trabalhei oito anos
Com amor e dedicação,
Mas ao fim desse tempo
Sofri nova desilusão.

Comecei de novo a sofrer
E a perder já a ilusão,
Pois em Angola rebentara
A chamada revolução.

Dez anos tinham passado,
A Portugal tive de voltar.
Angola estava em guerra
E era perigoso lá continuar.

Em Portugal passei dois anos
Sempre na vida a lutar,
Mas com saudades de África
Desejava regressar.

Foi para a África de Sul
Que desta vez emigrei,
E assim com outra história,
Vou contar-vos o que passei.

Facilmente arranjei trabalho,
Era coisa que lá não faltava,
Mas tinha outro problema
Era o inglês que não falava.

Todo o dia trabalhava
Mas à noite ia para a escola
Aprender a língua inglesa
E encaixá-la bem na tola.

Até para ir ao mercado
Comprar o que precisava,
Como não sabia falar inglês
Nem o dinheiro contava.

Assim fui aprendendo
Mas tudo um pouco custou,
É para vós saberdes, meninos,
O que o emigrante passou.

Trabalhando e estudando
Muita coisa aprendi,
Hoje, com meus oitenta anos,
Estou feliz por chegar aqui.

Meus dois filhos estão na África
E eu por cá, vivo sozinho.
É triste a solidão,
Mas Portugal é que é meu ninho.

Hoje tenho meus pensamentos
Em África e em Portugal,
Mas Portugal é minha terra,
Aonde nasci e sou natural.

Todos os anos de avião,
Meus filhos e netos vou rever,
Vou matar a saudade,
E um mês fico lá a viver.

Tenho filhos, também noras
E netos da vossa idade,
Que me fazem recordar
Meus tempos de mocidade.

Nas minhas férias em África
Sempre falo com muita gente
Relembro minha juventude
E vejo como hoje tudo é diferente.

Foi para vós meus meninos
Que escrevi a minha história,
Peço-vos que não a esqueçais
Guardai-a na vossa memória.

Se um dia tiveres que emigrar
Pensai bem antes de o fazer,
Mas por vezes até faz bem
Na vida um pouco sofrer.

 Desta feita vou terminar 
E fazer a minha despedida,
São histórias alegres e tristes
Mas com elas se faz a vida.

José Coelho Gomes de Almeida

18 de setembro de 2018

Como não estou na Guatemala para mostrar uma selfie com a patroa, vai um rabisco


M. R. Pum Pum





Quem viveu o contexto da revolução do 25 de Abril de 1974 recorda-se, concerteza, do MRPP, um sigla com mais uma letra para além do que era mais ou menos habitual no panorama partidário. Resumia-se ao Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado. 

Recordo-me que nos anos seguintes ao 25 de Abril, nomeadamente quando começaram a ter lugar as eleições e respectivas campanhas, a pequenada e mesmo os mais velhos frequentemente diziam M. R. Pum Pum, ao referirem-se ao respectivo movimento. Uma curiosidade.
Pessoalmente sempre dei atenção artística ao lado da propaganda eleitoral, nomeadamente panfletos, cartazes e murais. Ora o MRPP, sobretudo nas grandes áreas urbanas, nomeadamente na Grande Lisboa, onde de resto tinha a maioria dos seus militantes, primava pela qualidade artística dos seus murais, de inspiração da escola da Europa de Leste, e que tornaram-se testemunhos de um tempo revolucionário e hoje são tratados como elementos documentais em acervos de bibliotecas.

Por esses tempos, mesmo nas aldeias como Guisande, à falta de recursos financeiros e mesmo de tecnologia como a disponível hoje em dia, que produz grandes outdoors e requintados programas, as pinturas nos muros e mesmo nos pavimentos das ruas eram frequentes. Recordo-me que na campanha das eleições autárquicas de 1985, quando os jovens de então corporizaram a lista FJI - Força Jovem Independente, concorrente em Guisande, fizemos então alguns moldes em cartão e sob o manto da noite pintalgamos tudo quanto era muro ou estrada. Num ou noutro recanto ainda será possível ver esse testemunho. Bons tempos!

Quanto ao MRPP – Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, foi fundado precisamente neste dia 18 de Setembro mas no ano de 1970 e na  base da sua fundação defendia que o Partido Comunista Português adoptara uma ideologia "revisionista", tendo deixado de ser o "partido do proletariado". Para a prossecução da revolução era necessário reorganizá-lo – daí o nome escolhido.

Teve como Secretário-Geral Arnaldo Matos. O seu órgão central foi sempre o "Luta Popular", cuja primeira edição foi lançada em 1971 (ainda no tempo da ditadura). O MRPP foi um partido muito activo antes do 25 de Abril de 1974, especialmente entre estudantes e jovens operários de Lisboa e sofreu a repressão das forças policiais, reivindicando como mártir José Ribeiro dos Santos, um estudante assassinado pela polícia política durante uma reunião de estudantes da academia de Lisboa no então Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF) em 12 de Outubro de 1972.

O MRPP – e depois o PCTP/MRPP – ganhou fama com as suas grandes e vistosas pinturas murais. Continuou uma grande actividade durante os anos de 1974 e 1975. Nessa altura tinha nas suas fileiras membros que mais tarde vieram a ter grande relevo na política nacional, como José Manuel Durão Barroso e Fernando Rosas, entretanto expulsos e Maria José Morgado.

Logo a seguir ao 25 de Abril, o MRPP foi acusado pelo Partido Comunista Português (que desde sempre foi "eleito" como o seu maior inimigo, apelidado de "social-fascista" – uma prática fascista disfarçada por um discurso social), de ser subsidiado pela CIA, acusação destinada a "desmascarar" um partido que se mostrava incomodativo. Essa acusação terá tido como motivo uma crença baseada, em parte, na cooperação entre o MRPP e o Partido Socialista, durante o chamado "Verão quente", por serem ambos os partidos contra a via comunista ("revisionista" segundo o MRPP) defendida pelo PCP para Portugal.

A partir de 26 de Dezembro de 1976, o MRPP, após Congresso, passou a designar-se Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses, com a sigla PCTP/MRPP. O seu líder histórico é Arnaldo Matos. O primeiro director do "Luta Popular", na fase legal, foi Saldanha Sanches, a quem sucedeu Fernando Rosas. O jornal chegou a ser diário, durante um curto período.

fontes: [wikipedia] [ephemera] [ci.uc]

Micas, muda de saia e vamos à Feira dos Dezoito


Hoje é dia de "Feira dos Dezoito" que se realiza mensalmente na freguesia e vila de Cesar, concelho de Oliveira de Azeméis. Sempre no dia próprio, excepto quando coincide com o Domingo, sendo então antecipada para o Sábado.

As feiras, tal como as conhecemos, continuam ainda muito vivas e dinâmicas, mas já sem o fulgor e importância social de outros tempos em que então o acesso a determinados produtos ou artigos só se conseguia mesmo nas feiras, nomeadamente utensílios e alfaias para a lavoura. 

É certo que as feiras actuais já pouco ou nada têm a ver com as origens em que então predominavam as trocas, mas ao longo dos tempos têm sido importantes no abastecimento das populações e suprimento das suas necessidades quotidianas e delas desenvolveram-se outros espaços como os mercados municipais, dotados estes com condições mais adequadas a quem vende e a quem compra, tanto de conforto como de higiene e salubridade.

Para além dos aspectos relacionados com a origem e desenvolvimento das feiras, que para já não é assunto deste artigo, de forma mais genérica trazemos aqui sobretudo a memória e as particularidades da importância do contexto da "Feira dos Dezoito" para a nossa região, incluindo a nossa freguesia. 

É certo que nas redondezas ainda hoje se realizam várias feiras com uma certa importância, como a "Feira dos Quatro", em Arrifana, a "Feira dos Dez" e "Feira dos Vinte e Oito", em Lourosa, ou mesmo a "Feira dos Vinte", na sede do nosso concelho e ainda a Feira de Espinho (todas as segundas-feiras) e a Feira dos Carvalhos (todas as quartas-feiras). Ainda que mais pequena, a "Feira dos Treze" em Cabeçais - Fermedo. Todavia, creio que eventualmente pela proximidade e pela sua amplitude e diversidade, a "Feira dos Dezoito" será aquela com mais ligação às gentes de Guisande, seguida eventualmente das "Feira dos Quatro" e "Feira dos Dez".

Esta feira é secular pois terá sido iniciada em 1835. Realiza-se no largo chamado Praça da Liberdade e estende-se por algumas ruas adjacentes, nomeadamente a que conduz ao Largo de S. Sebastião, onde se vendem os produtos hortícolas para plantações e sementeiras na horta, peixe e carne, e lugar onde outrora se fritavam iscas de peixe, nomeadamente solha, que ali se comiam na hora. Não tenho a certeza se actualmente ainda há por lá alguma fritadeira de iscas. Havia gente, como o saudoso avô de minha esposa, Sr. Belmiro Henriques, do lugar da Igreja, que com muita frequência ia à feira a Cesar propositadamente para comer iscas de solha frita. Como ele muitos. Mesmo eu, em pequenote, recordo-me de ali ir com o meu pai, comprar umas sogas de couro para a parelha de bois e com passagem pelas velhinhas fritadeiras, de roupa tão preta como a frigideira ondealouravam largas postas de boa solha ou outros bichos do mar.

Como se pode imaginar, nesses tempos tudo ou quase tudo se podia comprar na feira, desde botões, colchetes, elásticos, rendas, agulhas e carrinhos de linhas para as costuras, até a uma vaca ou um boi, galinhas e outra bicharada de bico. Roupas, calçado, incluindo os tamancos de madeira e velas de sebo para as engordurar e taxas para as solas, arreios para o gado, cestas, gigas, canistréis, ceroulas, cuecas e outras roupas, chapéus e bonés, louça, tachos e panelas, serrotes, fouces e foucinhas, machados, ancinhos, ganchos e enxadas e respectivos cabos para as encabar. Plantas como couves, cebolo e tomates para dispor na horta. Etc, etc. Qualquer abastado labrador ou humilde caseiro ali encontrava remédio para as suas necessidades de trabalho, de vestir, comer e viver. Até ouro ali se vendia. E, claro está, ir à feira era também um momento de recreio e convívio, até aproveitado por namorados. Os homens também faziam negócios de gado, de venda de pinhal e outros empreendimentos.

Desde muito pequeno que tenho memória de pessoas da freguesia e do lugar que mensalmente iam à feira, mesmo numa jornada de ida e volta (carregados) a pé, e mais tarde, já pelos idos anos 60, com a Feirense a fornecer nesse dia transporte de autocarro, de ida e volta. Desde então, era frequente a cada dia 18 ver pessoas à espera em Fornos, na Leira ou em Estôse à espera da "carreira" para irem à feira a Cesar. Com a generalização dos automóveis, creio que já há alguns anos que essa carreira deixou de se fazer.


Quanto a Cesar,  destaca-se por ser uma das freguesias mais industrializadas do concelho de Oliveira de Azeméis, tendo sido elevada a vila em Maio de 1993. Tem um território com 5,43 km² e uma população de 3 166 habitantes (Censos 2011).

Ao longo da sua já longa história, com origens pré-romanas, Cesar conheceu três épocas importantes de desenvolvimento: a primeira, no final século XIX, quando muitos dos cesarenses que emigraram para o Brasil, voltaram e fizeram investimentos, dando um grande contributo no crescimento da terra que ainda hoje se verifica. Dessa migração, é possível ver em Cesar vários edifícios, quase palacetes, designados de "casas de brasileiros", com uma arquitectura muito característica e elaborada, tanto ao nível dos volumes como coberturas e utilização de elementos decorativos em ferro fundido, nomeadamente guardas de escadas e varandas, grades e portões de muros; a segunda época, entre 1930 e 1935, com a fundação da Sociedade Eléctrica e a instalação do primeiro telefone público que deram um avanço significativo no progresso de Cesar; e a terceira, a época mais importante, a partir de 1943 com o início da Era Industrial.

É nesse período pós-guerra que começa a grande viragem para a vila que, até então era predominantemente agrícola e vê, a partir deste momento, a implementação da indústria em diversas áreas mas, essencialmente, na louça metálica (nomeadamente Silampos e Celar). A par da fixação das empresas e consequente crescimento, surgem também os serviços e as sociedades comerciais que, ao longo de todos estes anos, foram evoluindo e fomentam a economia da vila. Este crescimento possibilitou a conquista e a criação de novas infraestruturas e equipamentos que vieram colmatar as necessidades sentidas pela população.

Cesar, a exemplo de muitas freguesias nas redondezas, há muito tempo abandonou as suas características de meio rural e se afirmou, verdadeiramente, como um centro semi-urbano, que aposta fortemente na expansão tecnológica e industrial, com implantação de empresas importantes no contexto regional e mesmo nacional, mas sem nunca esquecer o seu passado ligado à terra, à agricultura.

17 de setembro de 2018

Residência Paroquial de S. Mamede de Guisande


Numa altura em que o actual pároco de S. Mamede de Guisande, Pe. Arnaldo Farinha tem manifestado à comunidade a intenção de proceder a obras no interior da residência paroquial, para nela fixar habitação, como é de seu direito, importará saber alguns dados sobre este emblemático edifício que há mais de um século faz parte do património local e da paisagem envolvente à nossa bela igreja matriz.

Pela data gravada em pedra aposta sensivelmente ao centro da fachada principal voltada a poente, a sua construção reporta-se ao ano de 1907. Tem, pois, quase 110 anos de existência. Dos vivos guisandenses, não há nenhum que lhe tenha sobrevivido.

Como será de esperar, há poucos dados documentais que nos permitam saber com rigor alguns dos aspectos ligados à sua construção e história. 
Em todo o caso, fazendo uso e fé de actas da antiga Junta de Freguesia de Guisande, ao tempo denominada de Junta Paroquial, o edifício foi mandado construir pelo então pároco de Guisande, Pe. Abel Alves de Pinho, do qual pouco se sabe, para além de que era natural da freguesia de Fiães, do nosso concelho de Vila da Feira e que enquanto pároco também exerceu o cargo de secretário da então Junta Paroquial de Guisande.

Pela consulta do livro de actas dessa entidade administrativa, em concreto pela acta de 21 de Outubro de 1923, abaixo reproduzida, foi então apresentado o novo pároco, Padre Rodrigo José Milheiro, bem como o presidente da Junta informava que com a saída do antigo pároco Padre Abel Alves de Pinho, por exoneração pedida por este, certamente por idade avançada, ao abandonar Guisande decidiu vender a sua habitação, suas pertenças e terrenos, em 11 de Outubro de 1923, ao Reverendo Joaquim Esteves Loureiro. Esta venda foi a título de recordação pela sua passagem pela freguesia de Guisande e com o objectivo claro de passar a ser a residência dos futuros párocos da paróquia de S. Mamede de Guisande.

Tendo em conta que conforme é relatado na referida acta, a Junta considerou a venda como um benefício e a classificou como recordação pela passagem do Pe. Abel Alves de Pinho pela paróquia, só faz sentido que a referida venda fosse a favor da paróquia, para nela funcionar a residência dos futuros párocos. Se fosse para a posse e usufruto de uma pessoa particular, não faria sentido a tal consideração da Junta. Presumo, por isso, que a venda terá sido simbólica ou, mesmo que formal, a favor do Paço e na condição do edifício permanecer ao serviço da paróquia como residência.
Neste contexto, mesmo que assente em presunção, tudo indica que o Rev. Joaquim Esteves Loureiro foi apenas o representante legal do Paço no acto da venda.

Em concreto não conseguimos apurar quem seria este Reverendo Joaquim Esteves Loureiro, mencionado na acta, a quem o Padre Abel Alves de Pinho fez a venda da residência, mas como disse atrás, poderia ser o representante do Paço na outorga da escritura.
Depois de algumas pesquisas, ainda que não conclusivas, descobri que na Diocese do Porto existiu na mesma época um Pe. Joaquim Esteves Loureiro que entre outros cargos, foi pároco da paróquia de Ramalde, no Porto e Director da Irmandade dos Clérigos, na mesma cidade, nomeado para tal em 26 de Outubro de 1928. Terá sido ordenado em 12 de Novembro de 1911 pelo Bispo D. António José de Sousa Barroso (entre 1899-1918).
Tratando-se ainda da mesma pessoa, porque são várias as coincidências, o nome, o ser padre, ser do Porto e ter vivido pela mesma época, este Pe. Loureiro foi ainda  Director do Jornal "Voz do Pastor", um semanário da Diocese do Porto, fundado pelo Bispo D. António Barbosa Leão (entre 1919-1929), que foi publicado entre 13 de Fevereiro de 1921 e 27 de Dezembro de 1969.
É pois, muito plausível que este Reverendo Joaquim Esteves Loureiro tivesse especiais funções no Paço a ponto de poder ter sido o representante do mesmo na tal escritura de venda da residência paroquial de Guisande, em 11 de Outubro de 1923. Mas é ainda um assunto pendente e a confirmar.

A residência paroquial, como atrás se disse, tem na fachada principal a inscrição da data de 1907, precisamente no ano em que o seu proprietário foi instituído como pároco de S. Mamede de Guisande. Não faltando dinheiro, mesmo nessa época seria possível construir e acabar uma habitação no prazo de um ano ou menos.
Para edificar de raiz um edifício com as dimensões e qualidade do mesmo, teria, naturalmente, que ser pessoa de posses e com expectativa de ficar em Guisande muitos anos, o que de resto não aconteceu, pois por cá paroquiou apenas dezasseis anos, de 1907 a 1923. Seja como for, quase duas décadas.

De resto, esta boa atitude e generosidade na hora da despedida de Guisande e seus paroquianos, mereceram por parte da então Junta Paroquial de Guisande um voto de louvor e agradecimento por “todos os benefícios prestados” e ao mesmo tempo um voto de “sentimento por ter pedido a exoneração do cargo de pároco desta freguesia onde todo o povo sempre o estimara e admirava”. Nessa reunião ficou ainda deliberado enviar uma cópia da respectiva acta ao já retirado pároco, como prova dos votos expressos.




Acima as três páginas da acta da reunião de 21 de Outubro de 1923, a partir da qual o Padre Abel Alves de Pinho deixa de secretariar as reuniões da Junta Paroquial de Guisande e simultaneamente é apresentado o novo secretário e novo pároco de S. Mamede de Guisande, o Padre Rodrigo José Milheiro.

Como já referimos acima, o Padre Abel Alves de Pinho era natural da freguesia de Fiães, do concelho de Vila da Feira. Não conseguimos apurar grandes dados biográficos deste sacerdote e figura importante na freguesia de Guisande nas duas primeiras décadas do séc- XX, para além da sua naturalidade e da sua substituição pelo Padre Rodrigo José Milheiro. Pela leitura da acta, como já se referiu, o seu abandono da paróquia terá sido por exoneração a pedido do próprio, certamente pela sua idade avançada.

Para a história da freguesia e paróquia de Guisande fica a memória da sua prestação como pároco, secretário da Junta Paroquial e como benemérito ao vender a sua propriedade com a obrigação de passar a ser a residência dos párocos de Guisande, o que aconteceu até ao falecimento do pároco Padre Francisco Gomes de Oliveira, em 8 de Maio de 1998, deixando, desde então, de ter funções de residência.
Conforme se diz na introdução deste artigo, há agora a intenção do actual pároco, Pe. Arnaldo Farinha, de fazer obras interiores, adequando o edifício a características de habitabilidade de acordo com os modernos padrões e ali ficar a residir.
Esta questão, a das eventuais obras, é assunto que naturalmente não importa ao presente artigo.









Acima, algumas fotografias da residência paroquial de Guisande nas condições actuais.




Acima as plantas dos pisos do Rés-do-Chão e do Andar conforme existente.

O edifício na sua actual configuração, em grande parte correspondente ao original, é de base rectangular, com orientação nascente/poente, com dimensões exteriores de 14,20 m (fachada principal) por 9,60 m. Tem, portanto, uma área de implantação de 136,30 m2. A este ractângulo de base, nos anos 70 por ordem do então pároco Pe. Francisco Gomes de Oliveira foi acrescentada uma casa de banho, edificada de forma contígua à face da fachada norte/nascente. Este elemento tem cobertura plana em laje. Tem acesso pelo exterior (com ligação ao pátio) e pelo interior. Por sua vez, o edifício base tem uma cobertura convencional de "quatro-águas", revestida a telha de barro.

Como era norma construir na época, a estrutura baseia-se em paredes exteriores resistentes, em bom granito, e paredes intermédias também resistentes. As paredes do Rés-do-Chão têm espessura de aproximadamente 0,65 m.

O piso térreo, relacionado ao adro adjacente a poente, é constituído por uma zona alpendrada central, com portão voltado ao adro e arco aberto, permitindo o acesso ao logradouro (horta e quintal) a nascente, e por dois compartimentos laterais, um a norte e outro a sul, aos quais se acede interiormente a partir da zona central, designada de alpendre. O compartimento a sul é também acedido por porta exterior praticada na fachada sul.

Por sua vez, no Andar, o sobrado, desenvolve-se toda a zona de habitação propriamente dita, sendo composta por cozinha, sala de jantar, sala, escritório (eventualmente quarto) e ainda três quartos de dormir. Todos estes espaços são articulados por um corredor central que por sua vez liga também à porta exterior de serviço voltada a nascente. Também para nascente se projecta um pátio que por sua vez liga duas escadas exteriores, uma que liga ao adro e outra à zona do logradouro.

No Andar, o piso é constituído por uma estrutura em madeira revestida a soalho e as paredes são em sistema de frasquilho com acabamento em reboco de gesso e pintura, o mesmo acontecendo com o tecto. 
As caixilharias interiores são em madeira e as exteriores, também originalmente em madeira, foram há anos substituídas por caixilharias em alumínio termolacado. Tanto as janelas como as portas no Andar são encimadas por elemento fico tipo "bandeira".

Num sentido geral, todo o edifício pelo exterior e cobertura está em estado muito razoável. Interiormente, nomeadamente no Andar, estando com aspecto saudável, padece, todavia, dos efeitos da sua longa vida, com sinais evidentes de apodrecimento e de caruncho, sobretudo na parte estrutural do soalho. Por sua vez, as paredes e tectos têm também os sinais da idade para além de serem já de concepção desadequada aos modernos padrões. Interiormente todos os espaços do piso térreo têm pouco nível de acabamento, com algum reboco pintado, mas no geral quase de grosso e expostos à humidade, sobretudo no compartimento a norte, apesar de possuir algumas aberturas de ventilação praticadas na respectiva fachada bem como de aberturas tipo "gateiras" na fachada principal..

Sem qualquer presunção de análise técnica quanto à solução a adoptar em caso de obras, porque não é este o objectivo do artigo, bem como as eventuais obras e sua profundidade podem sempre ficar condicionados aos limites de orçamento, uma boa solução passará obviamente pela remoção total do soalho e sua estrutura, paredes e tecto em estuque e construção de uma laje pré-esforçada, montada em três vãos, por sua vez apoiados ou incrustados nas paredes exteriores e interiores resistentes. Depois, eventualmente paredes em divisórias em gesso cartonado (pladur) e tectos igualmente em gesso cartonado. Com o pavimento livre poder-se-á aplicar um programa funcional e adequado à utilização pretendida, no caso habitação e alguma ligação à função administrativa da paróquia.

 Actualizações:

Nota 1: Na data em que actualizamos este artigo, o Pe. Arnaldo Farinha já cessou funções de pároco da freguesia de Guisande, tendo em seu lugar tomado posse em 03 de Outubro de 2021, o Pe. António Jorge Correia de Oliveira, que assume igualmente a paroquialidade das freguesias de Caldas de S. Jorge e Pigeiros.