18 de fevereiro de 2019

Crónicas do cavalheiro de calças clássicas - Límpidos e azuis

"As leis são como as mulheres, existem para ser violadas". Creio que foi um espanhol, um tal de advogado José Manuel Castelao Bragaño, durante uma reunião do Conselho Geral da Cidadania no Exterior, órgão consultivo pertencente ao Ministério do Emprego espanhol, presidido por este ex deputado do PP no Parlamento da Galiza, a proferir esta emblemática e irreflectida frase no contexto de ultrapassar um problema de quórum da tal reunião. 

Mas para o caso, não é caso este espanhol, mas o sentido do que disse. Embora na altura fosse polémica e obrigasse o autor à demissão, aparte o politicamente correcto, todos perceberam o alcance da sentença. É certo que lhe bastaria dizer que as leis existem para serem desrespeitadas ou violadas, sem meter as mulheres na molhada, para o caso ter as mesmas consequências, mas as coisas são como são. Foi dito, foi dito. E de resto, assim é. As leis por si só não são imperativas do seu cumprimento. Por isso não falta quem no dia-a-dia, nas mais diversas situações, procure escapar da malha da rede das leis e das acções das autoridades ou de quem tem o dever de as fiscalizar e fazer cumprir. 

Tudo isto para dizer que pela aldeia vizinha de Cagalhães, Vendas de Pigeirães, há dias, por um acaso de visita a uns carvalhais plantados nas imediações,  assistimos a uma descarga pura e dura de esgotos de uma pocilga escorrendo directamente para um dos mais belos rios da zona, o rio Uíça. A instalação,  dizem alguns vizinhos ecologistas, comete tripla ilegalidade porque não retém nem trata os esgotos, encaminha-os directamente para o rio e está edificada em solo de reserva agrícola, mesmo na borda de reserva ecológica.

Bem sabemos que as pocilgas são necessárias e pelo impacto que geram, desde logo os fortes odores, imperativo é que se localizem afastadas dos núcleos habitacionais, mas nos tempos que correm esperar-se-ía que não acumulassem tanta ilegalidade quanto fezes e estrume. Há mínimos.

Aparte disso, a tal pocilga, diz quem sabe, é uma espécie de infantário pois o que ali se cultiva é leitões para serem assados e servidos como tal, dourados e estaladiços por um afamado restaurante da zona.

Mas, feitas as contas, é porque tudo está dentro da legalidade. Afinal, de outras contas, gente que tem poder e manda é cliente mais ou menos habitual do famoso petisco com origens na Bairrada. É porque tudo está bem. Estamos todos descansados. A pocilga fica bem longe do restaurante e os esgotos quando passam a jusante já são límpidos e azuis como a demais água do Uíça e até alimentam bogas e trutas, se é que as há. Pelo menos ajudam a medrar amieiros, choupos e salgueiros. Afinal, há merdas que bem lavadas deixam de o ser. Ora, como poderia proferir o tal galego Bragaño, "os rios existem para serem poluídos e os peixinhos também cagam".

CCCC